Brasil é o país que mais perdeu atributos democráticos’, diz pesquisa internacional

25 novembro 2021 às 06h50

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Para o cientista político Guilherme Carvalho, processo de restabelecimento da democracia pode levar décadas para ser concretizado
O Brasil é o país que, em um ano, mais perdeu atributos democráticos, segundo relatório publicado nesta segunda-feira, 22, pela organização Internetional IDEA, com sede em Estocolmo. O estudo mostra que a democracia brasileira se encontra em estado de ‘declínio. Isso principalmente devido a pandemia, protestos antidemocráticos e ameaças às instituições, além de escândalos de corrupção. “A gestão da pandemia foi tomada por escândalos de corrupção e protestos, enquanto o presidente Jair Bolsonaro menosprezava a crise sanitária”, diz o relatório.
O presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido) é citado nominalmente quando o documento afirma que ele “testou abertamente as instituições democráticas”, quando atacou o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e afirmou que não mais cumpriria suas decisões.
Ao também citar o estudo publicado em abril deste ano pelo The Economist, que diz que o Brasil está entre ‘democracias imperfeitas’ do mundo (42º país de 165), o cientista político Guilherme Carvalho afirma que a própria economia do país tem uma relação intrínseca com seu funcionamento e sua lógica democrática. “Historicamente, a democracia e economia estão muito correlacionáveis. pandemia vai afetar o índice da democracia significativamente porque ela afeta em primeiro lugar a economia”, pontua.
Na pesquisa publicada pelo The Economist, 28 países atualmente vivem em “democracia plena”. No “top 5” da lista, estiveram a Suécia, Islândia, Holanda, Noruega e Dinamarca. Os critérios utilizados pela pesquisa foram a pluralidade do sistema político, a universalidade do sufrágio entre adultos, a ausência de fraudes nas eleições, segurança das urnas eleitorais e acesso dos partidos políticos ao eleitorado através da imprensa.
Já quanto ao estudo publicado nesta terça, o cientista político explica que a pandemia impactou no índice da democracia de forma significativa justamente por atingir, em primeiro lugar, a economia. “Quanto mais livre é o mercado, mais livre e justo são os processos eleitorais, a liberdade de imprensa, as liberdades civis e todos aqueles índices que fazem com que você caracterize um regime como democrático”, avalia Guilherme.
Ele ainda acrescenta que cenário de declínio não se restringe apenas ao Brasil, uma vez que na edição do “The Global State Of Democracy 2021”, até mesmo os Estados Unidos apareceram na lista de países mencionados. “Quando veio a pandemia, todo esse contexto foi impactado de forma geral, porque os países tiveram que se reacomodar dentro do novo cenário”, disse.
Ao concordar com o possível declínio da democracia brasileira, a vereadora Aava Santiago, que também é cientista social, dúvida, inclusive, que a democracia sólida sequer tenha sido atingida algum dia no Brasil. “Temos lacunas muito graves e essas lacunas, por nunca terem sido compreendidas, foram se alargando. Nunca realmente houve uma democracia consolidada. Embora estivéssemos caminhando diretamente pra lá, de uns anos pra cá, essa caminhada foi interrompida e as poucas conquistas que tivemos foram sofrendo impactos e foram dilapidadas drasticamente”, opinou.
O cientista político Guilherme explica que, no mundo, a democracia passou por um forte período de ascensão na década de 70, 80 e 90, de modo que esse declínio se iniciou desde o início dos anos 2000. “Isso se deve principalmente a estabilização dos direitos civis, de liberdade de imprensa e também se dá na esteira da crise imobiliária dos Estados Unidos de 2008 que reverberou no mundo inteiro”, afirma. Ele ainda complementa que as operações de combate a corrupção que foram realizadas a partir de 2014 também contribuíram a esse cenário.
“É um um esquema muito robusto e muito bem articulado que vem acontecendo dentro da democracia, o que leva ao aumento do descrédito da população em relação às instituições democráticas, às instituições de controle, às instituições da democracia, como partidos políticos, e os próprios atores políticos e aqueles que jogam dentro do jogo”, acrescentou.
A existência dos valores antidemocrático que fragilizam a democracia como um todo, para Aava, sempre estiveram presentes, mas de modo camuflado. O que gradualmente vem sendo alterado, de modo a contribuir para a continuidade do declínio do regime. “Essa mentalidade antidemocrática, que clama pela ditadura, sempre esteve aqui, mas tinha mais constrangimento de se mostrar. Quando Bolsonaro vai para Presidência, ele pega esses valores antidemocráticos que poderiam ser balanceados dentro do legislativo e eleva esses valores ao plano do Executivo Nacional, e isso toma contornos nacionais, em uma escala mais abrangente”, pontua a parlamentar.
Para o deputado federal por Goiás, Rubens Otoni (PT), o declínio da democracia brasileira é visível e consiste em um cenário lamentável, especialmente por afetar a forma como o cenário internacional enxerga o país. “É lamentável que o Brasil seja visto no cenário internacional com total desconfiança, por conta de recorrentes ataques à democracia. Isso é grave do ponto de vista político e tem influência no aspecto econômico, pois afasta parceiros em potencial, distancia países que poderiam empreender com o nosso país”, opinou.
Como a democracia pode ser reestabelecida?
Para que esse cenário seja revertido e o regime democrático seja reestabelecido no Brasil, o cientista político Guilherme Carvalho cita a importância da adesão do país a uma economia de mercado, “a modelos de mercado mais sofisticados”. “O Brasil precisa se alocar e se realocar nas grandes cadeiras do comércio internacional, porque certos acordos internacionais, por exemplo, preveem certas cláusulas que devem ser cumpridas, e até mesmo introjetadas na legislação, e que pouco a pouco vão serem projetadas na cultura política”, afirmou.
Tanto Guilherme quanto Aava, no entanto, concordam com o fato de que o reestabelecimento dessa democracia não é um processo fácil. Para o cientista político, em um país como o brasil, “a democracia precisa ser aprendida”. Isso se justifica, para a parlamentar porque a democracia não se trata de uma democracia definitiva. “Os grandes autores sempre disseram que ela precisa ser conquistada, batalhada e vigiada diariamente, e que ao menor sinal de cochilo ela é surrupiada”, diz.
Na situação específica do Brasil, Guilherme acredita que a estrutura para uma democracia mais plena vem de modo verticalizado, de “cima para baixo”, sendo do Poder Público à população. “São os incentivos a uma cultura democrática, o fortalecimento de instituições de controle, maior proteção a liberdade de expressão e de imprensa que vão garantir esse regime democrático”, pontua. No entanto, não deixa de acrescentar que este não se trata de um processo rápido e que pode levar décadas para ser concretizado.