A decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira, 3, surpreendeu o Congresso Nacional e acirrou a tensão entre os Poderes. O magistrado determinou que apenas a Procuradoria-Geral da República (PGR) poderá protocolar pedidos de impeachment contra ministros da Corte, retirando essa prerrogativa de cidadãos e entidades. Além disso, a medida altera o quórum para aprovação de um eventual impeachment no Senado: passam a ser exigidos dois terços dos votos (54 senadores), em vez da maioria simples (41).

Ao Jornal Opção, o advogado e pesquisador Rildo Mourão Ferreira, comentou que a decisão ainda é provisória e precisa ser referendada pelo plenário do STF, composto por 11 ministros. Ele reconhece que Gilmar Mendes fundamentou sua liminar na defesa da independência entre os Poderes, mas alerta para o risco de enfraquecimento do papel fiscalizador do Senado.

O advogado e pesquisador Rildo Mourão Ferreira | Foto: Divulgação

“É uma decisão que ainda precisa ser referendada pelo plenário. Se prevalecer, a prerrogativa fica de forma exclusiva da Procuradoria da República. Eu discordo da decisão, mas vou aguardar o julgamento do plenário para dar uma opinião final”, afirmou.

Segundo Ferreira, a medida pode retirar prerrogativas do Legislativo. “O Judiciário não pode interferir numa decisão que é exclusiva e de competência do Legislativo. Alterar o quórum ou restringir a legitimidade para protocolar pedidos de impeachment deveria passar pelo processo legislativo. Essa liminar, se confirmada, enfraquece o papel de fiscalização do Senado em relação ao Supremo”, apontou.

Ele acrescenta que a decisão pode gerar novos embargos e questionamentos jurídicos. “Depois vai ter que ocorrer alguns procedimentos, até embargos de declaração, para esclarecer se a denúncia ou representação por parte da Procuradoria da República vai prevalecer só após análise do Judiciário e posterior remessa ao Senado”, disse.

Contexto político

Ferreira não vê relação direta entre a liminar e a indicação de Jorge Messias ao STF, mas reconhece que o momento é delicado. “Estamos passando por um momento de extrema dificuldade na relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário. A Constituição estabelece que devem ser poderes independentes e harmônicos, mas essa relação está conflituosa em razão do julgamento de 8 de janeiro. Há também restrição ao nome de Jorge Messias dentro do Senado e, além disso, fala-se muito no impeachment do ministro Alexandre de Moraes. São três fatores que, de alguma forma, podem estar indiretamente ligados a essa decisão”, afirmou.

Expectativa

Para o especialista, a decisão monocrática de Gilmar Mendes pode ser revista pelo plenário do STF. “Se você analisar friamente, é uma decisão que talvez possa cair no plenário. Eu entendo que é de competência do Legislativo, no caso do Senado, analisar o impeachment de ministros. Agora, uma decisão monocrática está transferindo essa competência para a Procuradoria da República”, disse.

Ferreira concluiu reforçando que o tema deve ser tratado com cautela. “É algo sério, que deve ser analisado com mais cautela. Mas, lembrando, ainda é uma decisão provisória. Vamos aguardar o julgamento do plenário”, finalizou

Não é um episódio isolado

O advogado especialista em direito eleitoral, Dyogo Crosara, destacou que a atual disputa entre Congresso e Supremo Tribunal Federal não pode ser analisada como um episódio isolado. Para ele, trata-se de um reflexo de um momento delicado da democracia brasileira, marcado por tensões institucionais e tentativas de interferência recíproca entre os Poderes.

Advogado Dyogo Crosara alega que dinheiro era pagamento de honorários | Foto: reprodução/ Twitter

Segundo Crosara, a proposta de alteração no quórum do Senado para a eventual destituição de ministros do STF, de maioria simples para dois terços, não deve ser vista como uma interferência direta do Judiciário nas competências do Legislativo. “O que ocorre é uma resposta do Judiciário a uma provocação do Congresso. Quando o Parlamento discute a possibilidade de afastar ministros por discordar de suas decisões, isso sim configura uma interferência. O Judiciário, nesse caso, apenas reage”, afirmou.

O advogado ressaltou ainda que a função fiscalizadora do Parlamento não se confunde com o julgamento do mérito das decisões judiciais. “Fiscalizar a atuação administrativa do Supremo é papel do Congresso, mas questionar o teor das decisões porque desagradam a determinados grupos políticos não é fiscalização legítima. É uma tentativa de politizar o Judiciário, o que fere sua independência”, explicou.

Para Crosara, o debate atual não se resume a uma medida pontual, mas a uma sequência de atos que revelam fragilidades institucionais. “O buraco é mais embaixo. Não estamos diante de uma decisão isolada, mas de um conjunto de atitudes equivocadas de lado a lado, que expõem a democracia a riscos desnecessários”, avaliou.

Ele também reconheceu que o timing da decisão gera repercussões políticas, especialmente por coincidir com a sabatina de Jorge Messias para o STF. “Na história, nada acontece por acaso. Os episódios sempre se relacionam. É evidente que há uma conexão entre o debate sobre a composição da Corte e a indicação de um novo ministro”, disse.

Crosara concluiu reforçando que o momento exige cautela e responsabilidade institucional. “Vivemos um período histórico complicado, em que é preciso preservar a independência dos Poderes e evitar que disputas políticas contaminem o funcionamento da Justiça”, finalizou.

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