O mais popular apresentador da história da televisão brasileira, Silvio Santos, antes de construir o império de comunicação e empresas, começou a vida como vendedor ambulante. O fato foi abordado pelo apresentador, que morreu neste sábado, 17, aos 93 anos, ao longo dos mais de 60 anos que permaneceu à frente das telas.

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Morre o apresentador Silvio Santos, aos 93 anos

O começo como vendedor ambulante de Senor Abravanel, nome de batismo de Silvio, foi influenciado para ajudar a família, que passava necessidades em 1945. Filho dos imigrantes judeus Alberto, de origem grega, e da turca Rebecca, o dono do Baú nasceu em 12 de dezembro de 1930, no bairro da Lapa, no Rio de Janeiro.

A primeira oportunidade como comunicador viria, ironicamente, pelas mãos do responsável pela repressão aos camelôs no centro da cidade, que teria se encantado com o jovem Silvio e, em vez de apreender sua mercadoria, sugeriu que Silvio fosse fazer um teste para locutor da rádio Guanabara, comandada por um amigo.

O então garoto foi aprovado no teste, mas, segundo seu relato, deixaria o emprego meses depois por ganhar mais dinheiro como camelô do que na rádio, mesmo tendo que fugir constantemente dos rapas, como eram chamados os guardas que tentavam impedir a atuação dos vendedores não legalizados. 

“Em minhas mágicas, eu fazia moedas sumirem entre os meus dedos, tirava dedal da orelha, tirava botões do nariz das pessoas. Trabalhava das onze ao meio-dia, horário em que o guarda ia almoçar. Eu tinha realmente poder de comunicação”, afirmou o apresentador na biografia Silvio Santos, a Trajetória do Mito, lançada em 2000 pelo jornalista Arlindo Silva (1925-2011).

Início na rádio 

No final da década de 1940, após prestar serviço militar na Escola de Paraquedistas da Aeronáutica, o jovem Senor voltou a trabalhar como locutor de rádio na Continental, em Niterói. Silvio conta na obra que pegava a última barca para cruzar a baía da Guanabara de volta à cidade do Rio e, durante o trajeto, teve a ideia de colocar música para animar as viagens dos passageiros.

Deixou a rádio, comprou o equipamento, instalou alto-falantes e passou a vender anúncios. Em pouco tempo, também oferecia bingo e vendia bebidas ao público. A certa altura, conta o apresentador, a barca precisou passar por reparos e, a convite de um dos seus fornecedores, Silvio viajou para São Paulo.

Na cidade, encontrou um locutor com quem havia trabalhado na rádio Tupi, no Rio, que o informou que a rádio Nacional estava precisando de locutor. Ao mesmo tempo, junto com um sócio, trouxe as instalações de som da barca Rio-Niterói e abriu um bar na cidade onde passou a morar desde então.

De volta ao rádio, Silvio conheceria um personagem fundamental em sua carreira, o radialista Manoel da Nóbrega, que se tornou um dos grandes amigos do empresário. Foi fazendo locução para o popular programa de Nóbrega, que o apresentador conta ter começado seu primeiro negócio como empresário, o Baú da Felicidade.

Conhecido então como Baú de Brinquedos, o negócio havia sido vendido por um empresário alemão em apuros ao radialista, que pediu ajuda a Silvio. O apresentador, então, diz ter proposto uma sociedade ao colega, que aceitou, e organizou o negócio, que passou a vender carnês e sortear prêmios, tornando-se popular e lucrativo. A página oficial sobre Silvio no site do SBT diz que, vendo seu empenho para salvar a empresa, Nóbrega deu o Baú da Felicidade de presente ao amigo.

A estreia na TV

Silvio passou a usar sua popularidade para promover o negócio. Além da rádio Nacional, havia criado uma revista de passatempo que vendia no comércio, atuava como corretor de anúncios e como animador em circos – época em que ganhou o apelido “peru que fala”, já que ficava vermelho sempre que se envergonhava. Não demorou a estrear na televisão. 

Em 1961, começou a apresentar um game show chamado Vamos Brincar de Forca na TV Paulista, emissora mais tarde comprada pela Globo. Com o sucesso da atração, decidiu comprar duas horas da programação da emissora aos domingos, a melhor vitrine que o Baú da Felicidade poderia ter. Nascia aí o Programa Silvio Santos, que em 1993 ganhou um registro no Guinness Book, o livro dos recordes, como um dos mais longevos programas de TV do mundo.

Início do SBT

Com o sucesso do programa e do Baú da Felicidade, Silvio expandiu os negócios, de olho em conquistar a concessão do seu próprio canal de TV. Em meados dos anos 1970, criou os estúdios Silvio Santos de Cinema e Televisão nas antigas instalações da TV Excelsior, em São Paulo, onde além de produzir os programas e cenários, fazia comerciais e vendia programas para outras emissoras.

Empresário habilidoso, Silvio logo aprendeu que precisava mais do que recursos para conquistar a primeira concessão de TV e, após perder uma primeira concorrência, passou a viajar a Brasília e se aproximar dos governos militares dos generais Médici, Geisel e Figueiredo – os últimos da ditadura militar -, para atingir seu objetivo.

A primeira concessão veio em outubro de 1975, ainda no governo do general Ernesto Geisel. No ar no ano seguinte, a TVS seria o embrião do que se tornaria, em 1981, o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), hoje um canal com mais de 110 afiliadas pelo país e cerca de 6 mil empregados.

Silvio nunca escondeu a gratidão pelos militares que autorizaram a compra dos canais que permitiram a criação da sua rede. Como retribuição, criou a Semana do Presidente, programa que registrava de maneira elogiosa os compromissos e realizações do chefe do Executivo e foi exibido até 1997.

Escondeu casamento

Além de omitir a idade (dizia ser cinco anos mais novo, mas voltou atrás em 1980), Silvio escondeu por mais de dez anos que era casado. Em entrevistas, chegou a dizer que falar sobre a vida pessoal poderia diminuir o interesse do público, suas “colegas de auditório”, como sempre as chamou. Ele foi casado entre 1962 e 1977 com Maria Aparecida Vieira, a Cidinha, que conheceu ainda na rádio Nacional. 

Os dois tiveram duas filhas, Cíntia e Silvia. Cidinha morreu em 1977, aos 38 anos, vítima de um câncer no aparelho digestivo. O apresentador fez um mea culpa sobre a omissão que sustentou por anos numa rara entrevista que deu em seu próprio programa, em 1988, quando por mais de uma hora respondeu a perguntas de seus jurados, de convidados e da plateia.

No início daquele ano, havia viajado para os Estados Unidos para tratar de um problema nas cordas vocais que o deixou afônico, afastado do programa por quatro semanas. Ao retornar, Silvio disse ter refletido muito durante 15 dias sozinho no hospital. 

“Quando em ume lembro da minha mulher que morreu e quando me lembro que eu dizia que era solteiro… Que eu escondia minhas filhas para poder ser o galã, o herói… Eu acho que é uma das coisas mais imperdoáveis que eu fiz, diante da minha imaturidade”, admitiu na TV. Silvio já estava casado novamente, desde 1978, com Iris Abravanel, com quem teve suas outras quatro filhas, Daniela, Patrícia, Rebeca e Renata.

Candidatura à Presidência

Na mesma entrevista no palco, Silvio anunciou pela primeira vez a intenção de se aposentar da televisão em 1990. Talvez animado pelas novas possibilidades e sua antiga proximidade com a política, resolveu aceitar convites do PFL (atual DEM), ao qual havia se filiado, para se candidatar a cargos do Executivo. Primeiro, à prefeitura de São Paulo. 

Logo desistiria da ideia para concorrer na primeira eleição por voto direto à presidente que seria disputada depois de 30 anos. Com nada menos que 22 candidatos na disputa, Silvio se apresentou a poucas semanas do primeiro turno pelo nanico PMN (Partido Municipalista Brasileiro), cujo presidente, Armando Corrêa, se dispôs a renunciar à candidatura em nome do empresário.

Nas poucas aparições que teve no horário eleitoral, o empresário ainda teve de lidar com um improviso: em época de voto impresso, com as cédulas já prontas, o nome que aparecia ao lado do número 26 era o de Armando Corrêa e não Silvio Santos. Nada que o apresentador não conseguisse contornar com seu conhecido didatismo na TV. O impacto foi imediato. As primeiras pesquisas mostraram Silvio na preferência de 30% do eleitorado, ultrapassando o então líder na corrida Fernando Collor.

A aventura acabou a apenas seis dias de o país ir às urnas, quando o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo a 18 pedidos de impugnação da chapa de última hora, decidiram que o PMN estava em situação irregular para disputar. Silvio aceitou a decisão, mas em entrevista à revista Veja sugeriu que foi vítima de preconceito. 

“Se o lenhador Abraham Lincoln foi presidente dos Estados Unidos e o ator Ronald Reagan também — e por dois mandatos —, um camelô que virou artista e empresário pode ser presidente do Brasil.”

Sequestro e popularidade 

O ano de 2001 resume bem a popularidade alcançada por Silvio ao longo de décadas. Em fevereiro, o comunicador foi tema do carnaval da escola de samba carioca Tradição, e se emocionou ao participar do desfile que relembrou sua trajetória na Marquês de Sapucaí. Em 21 de agosto, uma de suas filhas, a apresentadora Patricia Abravanel, foi sequestrada na porta da casa da família, no bairro paulistano do Morumbi.

Depois de dias de negociação, o resgate foi pago e Patricia foi libertada. Perseguido pela polícia, o sequestrador Fernando Dutra Pinto acabou matando dois policiais e invadiu a casa do apresentador, fazendo a família de refém.

Silvio convenceu o sequestrador a libertar os familiares e permaneceu sete horas negociando dentro de casa, numa cobertura televisiva que mobilizou o país. Com a casa cercada pela polícia e a imprensa, Fernando anunciou que só se entregaria com a presença do então governador Geraldo Alckmin, que foi até o local e garantiu a integridade do criminoso — ele acabaria morrendo meses depois na prisão, sob denúncias de maus tratos e negligência médica.

Ao final das negociações, um sorridente Silvio ainda apareceu na sacada da casa ao lado da filha e falou com a imprensa. No dia 28 de outubro, o apresentador pegou a Globo e todo o país de surpresa ao colocar no ar a Casa dos Artistas, primeiro reality show no formato do Big Brother do país.

Mantida em segredo, a atração havia sido anunciada com uma chamada misteriosa, que prometia mostrar a intimidade dos artistas por uma fechadura. Exibido após o Domingo Legal, o programa venceu em audiência pela primeira vez o Fantástico desde sua estreia, em 1973.

O reality logo virou a atração mais comentada da TV naquele ano. A final com a atriz Bárbara Paz e o roqueiro Supla, exibida ao vivo por Silvio em dezembro, se tornou a maior audiência da história do SBT, com picos de 55 pontos contra 18 da Globo na Grande São Paulo.

A Globo acusou a concorrente de fazer um plágio do Big Brother, formato que tinha adquirido da holandesa Endemol em 1999, e processou o SBT. Reportagens da época diziam que Silvio chegou a negociar a compra do BBB e, por isso, sabia como produzir a atração. O programa chegou a ser tirado do ar por liminar, logo derrubada.

A Casa dos Artistas teve outras três edições, com menos impacto, e acabou sendo aposentada pela emissora. Em 2010, quase dez anos após a primeira edição, a Justiça considerou o programa plágio do Big Brother, que havia estreado na Globo em 2002.

Polêmicas e desgaste 

Desde que fundou o Grupo Silvio Santos, em 1958, o empresário diversificou os negócios e chegou a comandar um conglomerado com 33 empresas diferentes, que vão de hotéis de luxo à marca de cosméticos Jequiti.

Quando completou 90 anos, a fortuna de Silvio era estimada em R$ 1,9 bilhão, segundo o ranking da Forbes. Mas esse império quase ruiu em 2010, quando ele teve de vender o Banco Panamericano, um dos seus maiores patrimônios, após vir à tona um rombo de R$ 4,3 bilhões, provocado por fraudes entre 2006 e 2010.

Segundo o Banco Central, o rombo foi resultado de irregularidades que se acumularam ao longo desses 4 anos. Em 2018, sete executivos do banco foram condenados por gestão fraudulenta de instituição financeira, apropriação indevida e desvio de dinheiro.

Mais recentemente, a imagem do apresentador também sofreu desgastes graças a comentários preconceituosos, que incomodaram boa parte do público, e pela aproximação com o governo de Jair Bolsonaro (2018-2022). Um dos genros de Silvio, Fábio Faria, foi ministro das Comunicações de Bolsonaro, que foi recebido na casa do apresentador. 

Pouco depois de ser eleito, em 2018, o presidente telefonou para o apresentador, que o elogiou e desejou que ficasse por 8 anos no governo durante a transmissão do show beneficente Teleton. 

Disputa por terreno

A aproximação com Bolsonaro não foi a única controvérsia recente. Uma disputa por um terreno ao lado do teatro oficina, em São Paulo, que se arrastou por mais de 40 anos, foi um dos momentos que mais renderam publicidade negativa para o apresentador.

Em 1980, Silvio comprou vários terrenos nas ruas Jaceguai, Abolição, Santo Amaro e Japurá, em um grande quarteirão do bairro paulistano da Bela Vista. O projeto inicial era construir um shopping center na esquina entre as ruas Jaceguai e Abolição, ao lado do Teatro Oficina — o que tiraria a visão e a iluminação natural da enorme janela de vidro que ladeia o espaço cultural protegido pelo patrimônio.

O dramaturgo Zé Celso, criador do teatro, defendia a compra do terreno pela prefeitura para a criação de um parque público. Na metade da década de 2010, Silvio desistiu do shopping e comunicou intenção de levantar duas torres residenciais na área — mas o projeto não foi aprovado pelos órgãos de patrimônio. Além disso, enfrentou protestos da classe artística e de moradores do bairro.

Em 2017, Silvio e Zé Celso se encontraram em uma reunião na tentativa de obter uma solução conciliatória. Um vídeo do encontro foi vazado ao público e Silvio foi muito criticado por causa de suas falas durante a reunião.

“Eu tenho culpa de ser rico? Eu dei sorte. Se você não deu, o problema é teu!”, afirma o apresentador ao dramaturgo durante a conversa.

O futuro do SBT 

Desde a famosa entrevista de 1988, em que disse que se aposentaria em dois anos, Silvio anunciou muitas vezes o plano de deixar a televisão, sem cumprir. Apontado pelo comunicador como seu sucessor, o apresentador Gugu Liberato, morto em 2019, havia trocado o SBT pela Record dez anos antes.

As seis filhas do empresário ocupam hoje cargos no grupo, três delas como apresentadoras de programas, além da mulher, Íris, que é autora de novelas. Mas é difícil imaginar o futuro da emissora sem seu criador.