Jesse Owens e Daniel Alves: cada um com sua arma, atletas que colocaram o racismo em seu devido e ridículo lugar
Jesse Owens e Daniel Alves: cada um com sua arma, atletas que colocaram o racismo em seu devido e ridículo lugar

Já tem tempo que já deveria ter acontecido algo parecido com o que ocorreu domingo no jogo Villareal x Barcelona, pelo Campeonato Espanhol. O futebol merecia uma reação menos monótona às provocações racistas. Atletas consagrados, craques da bola, ao serem agredidos, costumavam ficar amuados, ou sair de campo, ou chamar o juiz.

Mas esse lance de usar banana como meio de sacanear jogador não caucasiano é tão sem noção que uma hora ia dar no que deu domingo. Bastava um pouco de “timing”, que, aqui no Brasil, podemos traduzir por presença de espírito.

Para o gueto reacionário da Europa, nem precisa ser alguém indiscutivelmente negro para sofrer represálias desse tipo – o que talvez realce muito mais xenofobia do que racismo, aliás, não vem ao caso discutir a hipótese agora. Mas basta ser não caucasiano para ser visto como “menor” diante dos brancos.

Não via ninguém com tanto “timing” para detonar essa ideia estapafúrdia desde Jesse Owens, um negro americano com nome de cowboy e que foi aos Jogos Olímpicos de Berlim, em 1936, com o único objetivo de “trollar” Hitler por meio de seu talento. O ouro das medalhas eram só o pretexto.

O bigodinho doidão queria provar que a raça ariana era melhor, mais bonita, mais charmosa, mais legal, mais rápida e mais qualquer coisa do que todas as demais do zodíaco. E queria usar o esporte para isso. Pois foi na principal e mais tradicional competição de uma Olimpíada, o atletismo, que o negro americano Owens, que eu nem sei de que signo era, enfiou-lhe quatro primeiros lugares goela abaixo. Heil, runner!

De outra maneira agiu o brasileiro Daniel Alves, domingo. Mas produziu o mesmo efeito. Pensem bem no que o brasileiro fez.

Mas antes pensem no que o dono da banana tinha elaborado: “Bom, hoje o Barça vem jogar aqui. Nosso time não é lá essas coisas, mas pelo menos não tem preto. Vou lá tirar um sarro daqueles manés que pensam que são bons de bola, mas nem cor de gente têm.”

Daí foi até a cozinha, escolheu a banana mais reluzente da fruteira, retirou-a com carinho e camuflou-a dentro da jaqueta, para não ser surpreendido ao entrar no estádio. Parênteses agora, imaginando a notícia hilária caso a empreitada fosse malsucedida: “Um torcedor foi detido ao tentar atravessar a catraca de acesso à arquibancada. Ele portava uma banana nanica de tamanho médio e foi levado pelas autoridades presentes, embora assegurasse que a fruta era para consumo próprio.”

E então, já acomodado perto do alambrado, o indivíduo sem noção espera seu highlight do dia. Já planejou tudo: “Deixa quando vier algum escurinho aqui perto, tipo cobrar um escanteio. Vou tacar essa banana nele é na hora!” Afinal, um time como o Barcelona não iria ficar sem ganhar um escanteio de cada canto em um jogo de 90 minutos.

Daí, lógico, acontece. Lá pela segunda metade do segundo tempo, no canto direito do campo que dá para os vestiários, como falam os narradores de rádio quando o jogo é no Serra Dourada, Daniel Alves vai cobrar o fatídico escanteio. Pronto, lá vai a banana do bananeiro. E o brasileiro leva a bananada.

Em instantes, a banana estará descascada, engolida e inteiramente dentro do estômago do jogador, provavelmente antes de a bola cruzada chegar à área do Villareal. Daniel Alves não deixou o racismo tomar posse da partida nem por um segundo sequer. E quem queria aparecer desapareceu, literalmente: o clube identificou o bananeiro e retirou sua credencial de acesso ao estádio, de modo provisório – até o fim de sua existência como indivíduo (todos nós, negros ou brancos ou cor de burro quando foge, somos provisórios neste mundo).

A ironia é uma grande arma. E nós, habitantes que somos da região pejorativamente conhecida como “repúblicas das bananas”, sabemos como ninguém usar essa ironia a nosso favor. É o lado bom do jeitinho brasileiro, infelizmente tão usado para fins malignos.

Melhor ainda que tal atitude tenha partido de um jogador de futebol, uma classe tida quase sempre como alienada e vista, fora de campo, somente pelo paradigma estereotipado do pagode, dos carrões e da mulherada. É bem verdade que colaboram para isso, mas também sabem pensar em resolver seus dramas (o Bom Senso Futebol Clube é outra prova) como nenhum outro ideólogo imaginaria.

Que apareçam Jesse Owens e Daniel Alves, gente que agiu com talento ou ironia contra uma das coisas mais bizarras do currículo da humanidade. Com menos discurso teórico e mais reação proativa, a praga do racismo pode não ser destruída de uma vez, mas será ridicularizada até o fim. Quem continuar insistindo nisso vai virar o cara que atira pedra na lua e acha que acerta.