Cresce violência doméstica durante a pandemia: veja como agir e a quem recorrer
25 abril 2021 às 13h36
COMPARTILHAR
Em Goiás, durante a pandemia, mais de 34 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica; atendimento humanizado inclui agora sala de atendimento especial e denúncia por WhatsApp
Com a pandemia do novo coronavírus e a consequente necessidade de isolamento social para seu combate, houve um aumento da violência doméstica contra a mulher em todo o País. Relatório divulgado na véspera do Dia da Mulher mostrou que foram realizadas 105,8 mil denúncias em 2020.
Mesmo que alto, o número não reflete a exata quantidade de mulheres agredidas desde março do ano passado, uma vez que nem todas conseguem, por diversas razões, buscar ajuda.
Em Goiás, segundo estatísticas criminais apuradas anualmente pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-GO), 34.858 mulheres foram vítimas de violência doméstica no ano passado. Na estatística, incluem-se feminicídios, estupros, ameaças, lesões corporais e crimes contra a honra, como calúnia, difamação e injúria. O registro, entretanto, é relativamente menor que o de 2019, quando se registraram 36.171 no Estado.
Na divulgação dos dados nacionais, em março, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, explicou que a redução no número de denúncias e atendimentos registrados em 2020 não está relacionada com uma eventual redução no número de casos de violência. Tem a ver, na verdade, com a vítima ter ficado em casa com o agressor, o que se tornou mais um empecilho para denunciar ou buscar socorro. “Como é que a mulher liga para alguém na frente do agressor? Ele iria ouvir a voz dela”, indagou.
Com mais essa barreira, o trabalho especializado de incentivo às denúncias e evolução nos atendimentos se tornou imprescindível. Além das plataformas Ligue 180 e Disque 100, que já são utilizadas há mais de 15 anos, o governo federal oferece agora canais de atendimento via WhatsApp e por meio de um aplicativo próprio, batizado de Direitos Humanos Brasil.
“Isso é para que a mulher acorde à noite e, mesmo ao lado dele [o agressor], possa enviar uma mensagem em silêncio – ou na hora em que for ao banheiro, tomar um banho, jogar o lixo lá fora”, acrescentou a ministra.
O que é e como identificar
A secretária-geral da Comissão da Mulher Advogada da seção de Goiás da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Layla Milena, explica que existem cinco tipos de conduta que podem ser caracterizados como violência doméstica, previstos na Lei Maria da Penha (11.340/2006).
“A violência física ofende a integralidade ou a saúde corporal da mulher, com tapas, apertões, empurrões, espancamento, entre outras ações. Já a sexual é a conduta que constrange a mulher por a fazer presenciar, participar ou manter relações sexuais mediante a intimidação ou coação sem consentimento, como o estupro ou até impedir que a mulher utilize métodos contraceptivos”, esclarece.
Layla ainda fala da violência patrimonial, que é relacionada à subtração, retenção ou destruição de bens, valores, instrumentos de trabalho, documentos pessoais da mulher. O quarto tipo de violência é a moral, em que são cometidas calúnias, difamações ou injurias. A secretária-geral da Comissão da Mulher Advogada exemplifica a situação ao dizer que uma mulher pode ser considerada moralmente violentada ao ser acusada injustamente de traição ou ao ter sua vida intima exposta através de fotos ou vídeos.
Por último, há a violência psicológica, que é causada por qualquer conduta que cause dano emocional, mine a autoestima, prejudique o desenvolvimento ou degrade o comportamento, as crenças e decisões da mulher. Como exemplo, Layla menciona o ciúme e o vigiar excessivo, as manipulações e o isolamento da mulher perante amigos e familiares.
“Tivemos vários avanços no que é referente aos direitos das mulheres e a Lei Maria da Penha, que é considerada uma das três melhores do mundo, foi um divisor de águas na proteção dessas mulheres. Ela é aplicada nas relações que estão no âmbito doméstico, familiar e nas relações intimas de afeto, então as mulheres precisam ficar atentas a estes sinais para que saibam identificá-los e consigam procurar ajuda”, pontua.
Atendimento às mulheres
Layla Milena ressalta que, em Goiás, a mulher que se identificar como vítima de violência doméstica deverá procurar a Delegacia Especializada no Atendimento da Mulher (Deam). De acordo com o médico legista e superintendente da Polícia Técnico-Científica de Goiás, Marcos Egberto Brasil, quando ocorre um caso de violência, a vítima entra em contato com a delegacia para delatar um caso, ocorre a abertura de um inquérito policial e a autoridade daquela unidade faz ou não o requerimento de exames periciais, segundo a necessidade de cada caso.
“O fluxo do trabalho pericial ocorre sob demanda, mas na maior parte faz vezes elas são sim encaminhadas para realizar o exame no Instituto Médico Legal (IML). Se foi violência física, se faz um exame de lesões corporais. Também tem um exame mais delicado, que é feito em casos de violência sexual, que é o exame sexológico. Ele detecta os sinais dos atos libidinosos”, explica.
Sala Lilás
Para a realização de um atendimento mais humanizado dessas mulheres, em 2019 foi inaugurada a primeira Sala Lilás do estado de Goiás, localizada na sede da Polícia Técnico-Científica, em Goiânia. Sua operação foi iniciada no dia 25 de novembro, Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, e desde o início contou com quatro médicas legistas treinadas a esse tipo de atuação.
O médico legista explica que essa sala é separada dos ambientes comuns do IML, para evitar constrangimentos às vítimas, já que muitas vezes os espaços são utilizados também pelos próprios agressores, na realização de exames.
Tais cômodos, que fazem jus ao nome, são decorados com camadas de tinta lilás em suas paredes, com o objetivo passar sensação de calma a essas mulheres. Por isso, seus elementos são dispostos sem muita poluição visual e de forma organizada e que visa o conforto dessas vítimas. “Precisamos fornecer um tratamento diferenciado, com um ambiente mais acolhedor, uma vez que essas mulheres já se encontram fragilizadas devido ao abuso”, justifica.
Além da Sala Lilás que iniciou o atendimento em 2019 na capital goiana – e desde então já atendeu 870 mulheres – em outubro um novo espaço foi inaugurado em Aparecida de Goiânia. Desde então, já foram registrados 175 atendimentos. No segundo semestre de 2021, está prevista a instalação da Sala Lilás em Anápolis e Luziânia. Marcos Egberto conta que, a esperança, é que em breve também seja possível a abertura desses ambientes nos municípios de Jataí, Rio Verde e Uruaçu.
O superintendente ainda relata que todo esse suporte às vítimas é realizado exclusivamente por mulheres médicas legistas, com preferência às especialistas no assunto. “Todas elas são servidoras públicas concursadas. Nós procuramos que essas peritas que atendam na Sala Lilás tenham especialização em ginecologia obstetrícia, além de ter sido proporcionado curso de Capacitação para Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência por parte da SSP”, conta.
Apesar de Marcos acreditar que muito está sendo feito, em tempos de crise, para que essas mulheres sejam acolhidas da forma adequado, ainda existem algumas lacunas. As unidades de atendimento da Sala Lilás de Goiânia e Aparecida, por exemplo, por um convênio da SSP com a Secretaria de Estado de Saúde de Goiás (SES-GO), receberam 32 profissionais da Saúde, entre psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros, técnicos de enfermagem e auxiliares de enfermagem, para promoção do atendimento humanizado e redução da subnotificação de casos.
Antes, o médico legista explica que quando era necessário a atuação de tais profissionais para um suporte mais aprofundado à vítima, os profissionais eram “cedidos” pelas SES-GO, com o objetivo de fazer atendimentos pontuais. Com o convênio, a atuação passa a ser exclusiva. Contudo, tais profissionais ainda não entraram em ação, devido a questões burocráticas. Com o termo de cooperação entre a SSP e a SES já assinado, estando faltando apenas a publicação no Diário Oficial do Estado, a previsão é que a regularização das atividades aconteça em maio deste ano.
Lacunas
Quando se fala do combate à violência contra a mulher, médico legista explica que as maiores dificuldades no fornecimento desse suporte “sempre se esbarram na questão do pessoal disponível a esse serviço”. Isso, porque esse atendimento precisa ser realizado especificamente por profissionais mulheres que sejam especializadas e capacitadas no assunto.
Além do atraso nas licitações, mencionado por Egberto, a advogada Lays lamenta as consequências na falta de profissionais atuantes no atual funcionamento da Deam, que atualmente só funciona em horário comercial – de segunda à sexta-feira, as oito horas da manhã às seis horas da tarde. Nos demais horários, as mulheres precisam recorrer à Delegacia Civil.