“Construção do Nexus é contra qualquer expectativa de cidade sustentável”

03 março 2016 às 16h18

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Vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) de Goiás avalia o megaempreendimento do Setor Marista: “Mistura de oportunismo e fragilidade de leis”

Quais seriam as mudanças necessárias no trânsito de Goiânia para viabilizar o megaempreendimento Nexus, no Setor Marista? “Precisaríamos colocar largura nas vias: Abrir ruas, desapropriar imóveis, diminuir calçadas… Tudo contrário a qualquer expectativa de uma cidade sustentável.” A avaliação é da vice-presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), professora Maria Ester Souza. Em entrevista ao Jornal Opção, ela frisou que o gigante, que será construído entre as avenidas D e 85, na capital, é viável tão somente do ponto de vista econômico, mas, seja do jeito que for, deixa muito a desejar quando se trata de planejamento urbano.
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A professora explica que uma cidade que preza pela sustentabilidade deve priorizar o transporte coletivo e a construção do Nexus vai contra essa demanda. Questionada o que seria preciso para evitar um aumento monstruoso no número de veículos e no tráfego da região, a professora brinca: “Só com um heliporto mesmo”. “É também uma questão cultural. Será construído ali um hotel quatro estrelas e um edifício para negócios, e os hóspedes ou pessoas que frequentarem ali definitivamente não irão de ônibus”, acrescenta.
Para Maria Ester, o grande problema em relação ao caso do Nexus é pensá-lo de forma individual. Ela lembra que, exatamente em frente à área designada para o gigante, já foi anunciada a construção de outro edifício, onde hoje é sediada uma clínica psiquiátrica. “Nenhum estudo pode analisar o Nexus de forma isolada, deve olhar o Setor Marista e os setores ao seu redor. Estamos assistindo nos últimos dois anos o Setor Marista ser invadido por pequenos Nexus.”
Maria Ester destaca que é comum no mercado imobiliário acordatas entre empresários do ramo e o poder político para que novos empreendimentos sejam erguidos. Mas não seria esta a razão da existência do Nexus. Neste caso, segundo ela, há uma mistura de oportunismo e leis frágeis. “O Plano Diretor se apresenta frágil diante de uma proposta como essa. Nem houve necessidade de uma negociação, ele está posto em um conceito de ocupação, que é passível de interpretação. O empreendedor encontra oportunidade, porque a legislação é frágil”, sentencia.
Dentre os pontos do Plano Diretor citados como frágeis pela professora está a inexistência de um cronograma exato para entrega de documentos. Sem uma determinação clara de datas para apresentação de estudos, sobram, segundo a vice-presidente da CAU, pretensões genéricas sobre termos de referência, que não acompanham o desenho da cidade.
Outro problema apontado por Maria Ester é a permissividade quanto ao número de vagas de estacionamento para um empreendimento. Não há no Plano Diretor, segundo ela, um limite. “Esse prédio pode ter mil andares, desde que você coloque os carros lá dentro. O Plano não considera que os carros terão que passar pelas ruas para chegar lá”, explica.
Por fim, a professora atenta para a confusão criada entre densidade urbana, que é a quantidade de pessoas de uma cidade por quilômetro quadrado, com a verticalização de imóveis. Ela explica que o Nexus atende apenas ao segundo conceito, passando uma falsa impressão de adensamento urbano. “Você pode ter um prédio vertical com 40 andares e 1 apartamento por andar, com três vagas de estacionamento. A cidade não fica adensada, fica entulhada”, exemplificou.
Investigação
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O Ministério Público de Goiás (MPGO) ainda não entregou, mesmo vencido o prazo definido pela 15ª Promotoria de Justiça da Comarca de Goiânia, o laudo técnico que deve confirmar as irregularidades na construção do megaempreendimento Nexus Shopping & Business, entre as avenidas D e 85, no Setor Marista.
O documento irá avaliar os projetos apresentados pela Construtora e Incorporadora, do empresário do ramo da construção civil Ilézio Inácio Ferreira, e pela JFG Incorporações, do megaempresário Júnior Friboi, para a liberação da licença para a construção do gigante, investigado por uma série de irregularidades, inclusive uma possível falsificação em assinaturas que compõem o Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV), revelado com exclusividade pelo Jornal Opção.
Mesmo sem um novo prazo, depois de pronto o documento pericial e constatadas as irregularidades, o MPGO deve exigir a elaboração de um novo EIV, que seguirá um termo de referência ditado pela Secretaria de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh), e ainda deverá ser submetido ao crivo técnico do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).
A professora Maria Ester, vice-presidente do conselho, adiantou que o primeiro ponto a ser observado é se o estudo cumpre com o termo de referência estabelecido pela secretaria responsável. Depois, o CAU irá embasar sua avaliação em dados numéricos e estatísticos, prevendo os possíveis prejuízos da obra. “É necessário que se simule a nova população desse local e o novo número de carros, somando-se a ele o número de carros já existentes”, explicou.
“O conselho tem uma atividade de regulação e de normatização das regras. A gente tem a comissão de política urbana e nossa conselheira Regina Faria é nossa representante e acompanha esse caso, que pode afetar a qualidade de vida da população da região. Nossa avaliação será feita por profissionais capacitados e com experiência”, acrescentou.