A legislação brasileira oferece uma proteção importante para a moradia familiar ao garantir que o imóvel utilizado pela família não pode ser penhorado, leiloado ou expropriado para quitar dívidas civis, previdenciárias, tributárias e fiscais. No entanto, essa regra de impenhorabilidade do bem de família tem exceções que merecem atenção.

“Ela protege a morada familiar de dívidas civis, previdenciárias, tributárias, fiscais. Garante que a residência de morada da família não possa ser penhorada, leiloada e expropriada”, explica o advogado especialista em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito Empresarial, João Victor Duarte Salgado, em entrevista ao Jornal Opção. Entretanto, ele faz um alerta: “A própria legislação trata também das exceções dessa regra.”

Entre as situações em que o bem de família pode ser penhorado, destaca-se a contratação de dívidas para a aquisição ou construção do imóvel. “As dívidas contraídas para a aquisição ou financiamento da construção podem penhorar o imóvel e garantir o pagamento dessa dívida caso ainda esteja em aberto”, afirma o especialista.

Isso inclui financiamentos hipotecários e alienações fiduciárias. “Quando você vai até o banco, faz um contrato de empréstimo para adquirir o imóvel, o sonho da casa própria, ele pode ser penhorado se a dívida não for paga.”

Outra exceção está relacionada a empréstimos pessoais entre indivíduos, como o especialista exemplifica: “Se você me empresta 300 mil reais e eu compro uma casa no valor de 300 mil, desde que tenhamos deixado claro que o valor foi para a aquisição do imóvel, ele pode ser penhorado.”

Além disso, dívidas com impostos e taxas municipais, como o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e a TSU (Taxa de Serviços Urbanos), também podem afetar a impenhorabilidade. “Se o imóvel tiver débitos de impostos ou taxas em aberto, ele pode ser penhorado, leiloado e expropriado.”

Pensão alimentícia e co-propriedade

As dívidas de pensão alimentícia são outro ponto que abre exceção à regra. “Dívidas oriundas de pensão alimentícia podem expropriar o imóvel”, observa o especialista. No caso de co-propriedade, quando um imóvel pertence a mais de uma pessoa, o direito do co-proprietário deve ser respeitado.

“Se um imóvel de 500 mil reais tiver dois donos, por exemplo, 250 mil serão reservados para o co-proprietário que não responde pela dívida, mas o imóvel será levado a leilão.”

Por fim, uma das exceções mais polêmicas envolve contratos de locação e a figura do fiador. “Se uma pessoa se torna fiadora em um contrato de locação, o bem de família dela pode ser penhorado, mesmo que a dívida não seja dela, mas do locatário”, explica o especialista. “É por isso que aquele antigo conselho de não ser fiador continua valendo.”

Portanto, apesar de a lei proteger a residência familiar em muitos casos, é fundamental estar ciente dessas exceções e tomar cuidado ao assumir dívidas que possam comprometer o patrimônio familiar. “É muito importante que as pessoas estejam atentas”, conclui o especialista.

Dificuldades financeiras

Com o final de ano se aproximando, muitos contribuintes ainda enfrentam dificuldades financeiras para quitar os tributos de seus imóveis. A preocupação não é à toa: a inadimplência pode levar à penhora e até à perda do bem em um leilão, alerta João Victor Duarte Salgado.

“É importante que o contribuinte esteja muito atento a esse tipo de situação, principalmente porque o imóvel pode responder por essa dívida não paga”, explica o advogado. “Todo final de ano costuma ter um aumento nos casos de execução fiscal, e este ano, apesar de ser atípico por conta do período eleitoral, não será diferente.”

O advogado enfatiza a importância de organização financeira para evitar surpresas desagradáveis. “O contribuinte precisa regularizar o mais rápido possível a situação para não ser surpreendido com a notícia de que o imóvel está sendo penhorado. A partir daí, a conta só aumenta, já que será necessário contratar um advogado e se defender judicialmente, o que onera ainda mais o bolso”, adverte.

Ele recomenda: “Mesmo que seja de forma parcelada, é essencial que os tributos sejam pagos em dia para evitar problemas futuros.”

O mito do bem de família

Um dos equívocos mais comuns entre os contribuintes, segundo o especialista, é acreditar que o imóvel de morada própria está sempre protegido por ser considerado “bem de família”. “Talvez o maior erro seja acreditar que o bem de família não pode ser penhorado. A legislação permite a penhora e expropriação desse tipo de bem em alguns casos, ainda que seja a única morada da família ou que haja pessoas em situação de vulnerabilidade, como idosos ou crianças pequenas”, esclarece.

Para evitar esse tipo de equívoco, a recomendação é procurar orientação jurídica especializada. “Cada caso é único. O que se aplica a um contribuinte pode não valer para outro. Por isso, sempre recomendo que se busque um advogado para uma orientação adequada e personalizada”, afirma o advogado.

Ele ressalta que o Poder Judiciário, apesar das circunstâncias individuais, deve seguir a legislação. “O Judiciário, muitas vezes, é como a metáfora clássica da deusa cega: ele aplica a lei de maneira objetiva, sem poder considerar cada detalhe da vida pessoal do contribuinte.”

A dica final do especialista é clara: “O ideal é que o contribuinte se antecipe a esses problemas e busque orientação o quanto antes, para evitar surpresas desagradáveis no futuro.”

Alternativas

Diante da preocupação com o risco de leilão de imóveis devido a dívidas, muitos contribuintes se perguntam quais são as alternativas disponíveis para evitar essa situação. Segundo o especialista, ainda que a legislação não traga um procedimento claro para a renegociação de débitos, é possível encontrar soluções viáveis por meio de negociação direta com o município ou judicialmente.

“O primeiro passo para quem recebeu uma notificação de um processo judicial envolvendo o imóvel é buscar um acordo extrajudicial. O contribuinte deve ir à prefeitura e tentar renegociar a dívida, a fim de evitar o leilão e manter a sua casa”, explicou o advogado.

Ele ressaltou que a negociação entre as partes, mesmo sem um amparo direto na legislação, pode ser bem-sucedida: “O princípio da vontade das partes é muito valorizado nesse tipo de negociação”.

Caso o acordo extrajudicial não seja possível, existe a opção do parcelamento judicial. “Hoje em dia, o poder judiciário aceita muito bem as composições entre as partes, pois elas trazem garantias e podem resolver o impasse de forma mais eficiente do que um julgamento”, complementou o advogado.

Pensão alimentícia e financiamento imobiliário

Para aqueles que enfrentam outras situações de risco de penhora, como dívidas de pensão alimentícia ou financiamento imobiliário, a melhor proteção, segundo o especialista, é a prevenção. “A orientação mais assertiva que posso dar é que as pessoas se organizem financeiramente. Entendo que o cenário econômico do país é desafiador, mas é crucial estar atento para evitar um prejuízo ainda maior”, disse.

O advogado lembrou ainda que a expropriação de um imóvel pode trazer danos emocionais e financeiros profundos. “Uma situação de despejo forçado pode significar a perda de um lar onde foram investidos sonhos, tempo e dinheiro. É por isso que o planejamento financeiro é tão importante”, alertou.

Em casos em que o processo judicial já tenha sido iniciado, a orientação é buscar uma composição para minimizar o impacto financeiro. “Muitas vezes, é possível formular uma proposta que reduza o valor devido e garanta o pagamento em prazos mais longos, o que pode ser mais viável para o devedor”, acrescentou.

Por fim, o especialista destacou a importância de uma defesa judicial eficiente. “Em última instância, é possível recorrer à análise de prescrição, decadência e da validade do título executivo para verificar se há algum tipo de prejuízo processual ao devedor. É essencial ter uma visão ampla e detalhada para proteger os direitos do contribuinte”, concluiu.

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