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Um projeto desenvolvido em Mineiros, no Sudoeste de Goiás, será um dos destaques brasileiros na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que começa nesta segunda-feira (10), em Belém (PA). A professora Karine Lopes, da Escola do Futuro de Goiás (EFG) Raul Brandão, será homenageada com o Troféu Destaque “Rede Mulher Florestal”, que reconhece mulheres com iniciativas inovadoras voltadas à preservação ambiental.

Karine é idealizadora e fundadora da startup Naturicap, responsável pela criação de cápsulas biodegradáveis lançadas por drones modelo XFLAY 800 que permitem o plantio automatizado de árvores. A tecnologia, fruto de mais de sete anos de pesquisa, reduz custos, acelera o reflorestamento e elimina resíduos, utilizando materiais orgânicos que abrigam sementes nativas e nutrientes para regeneração de áreas degradadas.

O projeto, que teve origem em pesquisas de mestrado e doutorado, foi selecionado em um edital da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) voltado a soluções tecnológicas para recuperação ambiental. Agora, chega à COP30 como exemplo de bioinovação brasileira aplicada à sustentabilidade.

“Esse resultado é fruto de anos de pesquisa e dedicação. É muito gratificante ver um projeto que começou na universidade se transformar em uma tecnologia capaz de gerar impacto ambiental positivo e inspirar outras pessoas”, afirmou Karine Lopes, em entrevista ao Jornal Opção.

Da sala de aula ao reconhecimento nacional

Em entrevista, a professora contou que não esperava vencer o prêmio nacional da Embrapa.
“Eu me inscrevi no prêmio, mas realmente não esperava. É um prêmio nacional e, além de vencer, ainda recebi o destaque por conta da pesquisa e da startup. Foi uma grande satisfação, porque já estou desenvolvendo esse produto há sete anos. Os resultados começaram a aparecer agora, e, por ser de base científica, o caminho é longo. Mas está sendo maravilhoso”, destacou.

A inspiração surgiu durante o mestrado na Universidade Federal de Rondonópolis (antiga UFMT), quando o professor propôs que os alunos criassem algo de base tecnológica.

Eu sempre me incomodei com resíduos, especialmente de papel e madeira. Um dia olhei para uma cartela de ovos e pensei: não é possível que isso vá todo pro lixo e ninguém aproveite. Inicialmente, pensei em usar as cápsulas na lavoura de cana, substituindo copos descartáveis usados no controle biológico da broca-da-cana. Mas meu professor sugeriu que eu adaptasse o projeto para a restauração florestal e foi aí que tudo começou.

Durante o doutorado na Universidade Federal de Jataí (UFJ), Karine aprofundou a pesquisa.
“Passei quatro anos testando composição, resistência e decomposição. Foram oito plantios até que, no oitavo, deu certo. Tivemos até que lidar com formigas que comiam o material”, contou.

Da pesquisa à startup: nasce a Naturicap

A consolidação do projeto resultou na criação da Naturicap, startup que transformou o experimento científico em produto comercial. A empresa está sendo acelerada há oito meses pelo programa Inova Cerrado, iniciativa do Sebrae e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg), que apoia negócios de base tecnológica com impacto ambiental.

“A Naturicap está sendo acelerada pelo Inova Cerrado, e o processo tem sido intenso. Todo mês temos mentorias em áreas como jurídico, marketing, bioeconomia, finanças e vendas. O Sebrae tem dado um apoio enorme. Está sendo muito bom mesmo”, explicou a professora.

Karine já tinha experiência anterior com inovação. Ela também coordena a Hidro Bovino, startup premiada pelo Senar em 2024. Essa bagagem, segundo ela, foi essencial para estruturar a Naturicap e transformar a pesquisa acadêmica em uma solução aplicável ao mercado.

“Nosso foco é levar a bioinovação para o campo. A startup começou no Cerrado, mas nossa tecnologia pode ser adaptada para diferentes biomas do Brasil”, acrescentou.

Desafios tecnológicos e ambientais

O desenvolvimento da cápsula envolveu uma série de desafios. “O primeiro grande obstáculo foi encontrar a composição ideal: ela precisava ser firme o suficiente para resistir ao lançamento por drones, de até 30 metros de altura, mas também se degradar rapidamente no solo, sem deixar resíduos. Era necessário equilíbrio entre resistência e biodegradação”, explicou.

Além dos desafios técnicos, houve barreiras estruturais e financeiras. “Trabalhar com inovação é caro. Desenvolvemos até um adaptador para drones, que faz parte da minha tese. E tivemos que adaptar o formato da cápsula para diferentes tipos de solo, porque cada bioma reage de maneira diferente”, contou.

Atualmente, o projeto está em processo de patenteamento verde, modelo de registro destinado a tecnologias sustentáveis. “Estamos dentro de um processo de patentear as cápsulas por uma patente verde, justamente por atender seis Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Organizações das Nações Unidas (ONU). Essa é uma forma de bioeconomia verde, que pode gerar crédito de carbono e retorno econômico para produtores rurais e empresas”, explicou.

Ciência, educação e protagonismo jovem

Além da atuação como pesquisadora, Karine leva todo esse conhecimento para as salas de aula da Escola do Futuro Raul Brandão de Castro, em Mineiros. “Eu leciono na disciplina de Projeto Integrador, que trabalha inovação e empreendedorismo. Os alunos aprendem a ser inventores, pesquisadores e criadores”, disse.

Parte das atividades da Naturicap é desenvolvida em parceria com estudantes da escola, que participam das etapas de pesquisa, modelagem e prototipagem. “Os estudantes já criaram projetos incríveis, como próteses 3D para animais e sistemas de mapeamento de áreas degradadas do Cerrado. A escola tem estrutura com impressoras 3D, palestras e acesso a ferramentas de inteligência artificial. Isso desperta o protagonismo e a consciência ambiental”, relatou.

Segundo a professora, o impacto educacional do projeto é tão importante quanto o tecnológico. “A ideia é fazer com que esses jovens percebam que podem transformar o mundo a partir da inovação e da sustentabilidade”, completou.

Próximos passos: novos biomas e ampliação aérea

A Naturicap agora avança para uma nova etapa, com a ampliação da escala de produção e o lançamento de cápsulas por avião, para atingir áreas ainda maiores de reflorestamento.

Já desenhamos a prototipagem para que as cápsulas também possam ser lançadas por avião. Estamos buscando parcerias para realizar os testes. Isso permitirá trabalhar em uma escala muito maior e recuperar regiões inteiras com agilidade e eficiência.

A startup também trabalha no desenvolvimento de novos formatos de cápsulas com mix de sementes nativas adaptadas a diferentes biomas, utilizando monitoramento por drone e inteligência artificial. “Nosso objetivo é consolidar a Naturicap como referência em bioinovação para restaurar florestas, contribuindo para as metas ambientais do Brasil e para os compromissos internacionais de sustentabilidade”, destacou.

A importância do investimento em ciência

Ao refletir sobre sua trajetória, Karine ressaltou a importância da pesquisa científica. “O investimento em pesquisa é a base de tudo. Criar um produto é fácil, mas provar cientificamente que ele funciona exige muito mais. A ciência garante credibilidade, segurança e sustentabilidade. As universidades me deram estrutura e materiais, e isso foi fundamental. O investimento em pesquisa não é gasto, é semeadura de futuro”, afirmou.

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