Desde os primórdios a população preta precisa lutar por direitos, espaço e representatividade. Uma grande parcela dessa população ainda sofre com discriminação nas ruas, no local de trabalho e, até mesmo, em relacionamentos. A luta por espaço para as pessoas negras é feita de forma gradativa e, muitas vezes, ainda se tem a possibilidade de ter direitos básicos barrados pela sociedade.

A inspiração é algo necessário para que essas pessoas, que muitas vezes são marginalizadas, consigam lutar, ainda mais do que sua luta diária, por esses espaços. Em Goiás dos dias atuais temos pessoas pretas ocupando posições importantes e vitais para a sociedade. Veja a lista de negros e negras que inspiram.

Yara Nunes

Nascida em Goiânia em setembro de 1990, a atual secretária de Cultura de Goiás, Yara Nunes, teve sua vida pautada pelo estudo. Filha de empregada doméstica, Yara conseguiu através da educação mudar sua trajetória. Estudante de escola pública, a secretária terminou o ensino médio no Colégio Militar Vasco dos Reis, em Goiânia e, após isso, entrou no curso de direito da Faculdade Anhanguera e, posteriormente, completou seu mestrado pela Universidade Federal de Goiás (UFG).

Yara contou, ao Jornal Opção, que durante sua trajetória passou por muita dificuldade financeira em diversos períodos mas, por conta do trabalho duro de sua mãe, conseguiu ter uma boa educação. “A partir desta educação consegui me destoar um pouquinho das outras pessoas que tiveram uma história muito parecida. Eu falo que tive um pouco de sorte, com um pouquinho de competência e um pouco de Deus também, que está no lugar certo na hora certa”, afirmou.

Em 2018, durante a campanha ao governo do Estado, Yara conheceu o governador Ronaldo Caiado (UB) por meio do escritório de advocacia em que trabalhava. “Ele me conheceu e me chamou para fazer parte do governo. Ai entrei na Codego e, na pandemia, ele me convidou para a Retomada ajudar o secretário César. Deu certo, conseguimos gerar emprego e renda no Estado e fiz minha parte. Após isso, o governador me convidou para assumir a Secult para “arrumar a casa””, disse.

“Não tenho padrinho político, não tem sobrenome. Tudo que faço hoje é por conta do governador acreditar no meu trabalho técnico”, completa.

Valéria da Congada

Goiana, Valéria Eurípedes nasceu e foi criada dentro da Congada, manifestação cultural e religiosa afro-brasileira que mistura dança, canto, teatro e espiritualidade de matrizes africana e cristã. Isso fez com que, após certo tempo, ela passasse a ser conhecida como Valéria da Congada.

Filha de negros crioulos, Valéria teve como mãe uma das primeiras bandeirinhas que trouxe a cultura da congada para Goiânia. Isso fez com que o movimento se tornasse popular para a população preta em Goiás. A congada sempre foi parte essencial da vida de Valéria e ela fez seu legado através disso.

Ao chegar em Goiânia, seu pai foi terceiro capitão de Congada em Goiânia, chegando a formar cinco grupos na capital. “Eu tenho essa história de raiz e de tradição que através da minha mãe, Goiânia tem hoje seis grupos de congadas. Hoje sou a primeira mulher a presidir o grupo Três de Maio, fui a primeira mulher a pegar uma diligência dessa irmandade pois há algum tempo mulheres não podiam fazer isso”, explica ao Jornal Opção.

Valéria também compartilha essa cultura com suas filhas. “Vilmara, minha filha caçula, largou a coroa de rainha conga e pegou a sanfona. Em uma semana ela aprendeu a tocar a sanfona. Minha filha Valesca também montou um grupo de mulheres e de diversidades para sair tocando em Goiânia em apresentações. Criamos um ambiente onde mulheres permanecem sendo incluídas dentro das congadas”, diz.

Iêda Leal

Estudante de escola pública, Iêda Leal entrou no movimento estudantil ao ingressar no ensino médio, por conta da referência que tinha de seu pai. Para Iêda, a educação foi primordial. “Sempre estavamos vendo nosso pai lendo e estudando. Ele nos falava que isso era importante, o que me fez aplicar mais esforço”, disse.

No ensino médio, Iêda intensificou cada vez mais sua participação em movimentos sociais. “Me filiei ao partido e continuei minha trajetória de militância. Me formei, me tornei especialista em alfabetização e continuei minhas atividades. Fui ao sindicato, me tornei presidente, hoje sou tesoureira”, explica.

Para a professora, viver um feriado como o Dia da Consciência negra traz “grande reflexão” e lembra da “luta estratégica pra se saber o que precisa ser feito pra continuar vencendo o racismo”.

Segundo Iêda, a população teve avanços nos últimos tempos, mas é preciso fazer mais. “A comunicação faz diferença, mas não podemos ficar em evidência apenas no dia 20 de novembro. Percebemos que não é só isso. Então temos situações em que podemos dizer que houve abertura para o combate a discriminação. As cotas, por exemplo, foi algo feito para lugar justamente contra a desigualdade, mas precisamos mais. Precisamos de mais representação política, nas universidades, no serviço público e assim vai”, afirma.

“Hoje já temos avanço como o projeto que obriga escolas a ensinar a cultura preta. Minha neta está na escola e se vê nesses livros pois eles contam a história dela. São coisas simples mas reflete uma luz que precisamos ter”, completa.

Romário Policarpo

Romário Policarpo. Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Romário Policarpo é natural de Novo Gama, na Região do Entorno do DF, e chegou ainda criança a Goiânia. Morou com seu avô nos bairros da Região Leste da capital, como na Vila Nova e Criméia. De família cristã, estudou todo ensino médio no colégio Claretiano Coração de Maria, no Centro.

O vereador e presidente da Câmara Municipal já precisou dormir na rua e a depender da ajuda de amigos. Quando seu avô separou da companheira e se mudou para Palmas, no Tocantins, o jovem ficou em Goiânia morando com a senhora que assumiu o papel de mãe. Perto de completar 18 anos, Romário teve que enfrentar a perda da figura materna. “Quando ela morreu, passei muita dificuldade. Não tinha lugar para ir. Eu dormia na casa de um ou de outro amigo. Às vezes na rua. Graças a uns amigos não passei por coisas piores. Eles descobriram isso e fui morar com a família de um deles, que eram poloneses e tinham vindo para Goiânia. Eles me acolheram e passaram a ser minha família também”, disse ao Jornal Opção em 2021.

Essas dificuldades enfrentadas por Romário coincidem com o que ele considera um divisor de águas em sua vida. Ainda aos 17 anos, foi aprovado em um concurso da Guarda Civil Metropolitana de Goiânia (GCM), mas só assumiu o cargo mais de dois anos depois, quando já tinha 20 anos. “No momento que entrei na guarda foi um dos mais delicados da minha vida. Talvez por isso eu tenha tanta devoção pela corporação. Tudo que conquistei foi porque a GCM me deu condições.”

A GCM foi que aproximou Romário Policarpo da política. Ainda com pouco tempo de experiência na corporação, o jovem foi destacado para ficar no Paço Municipal. Logo ele passou a ter contato com um dos maiores líderes políticos de Goiás: Iris Rezende, ícone do MDB. Apenas os mais íntimos sabem que ele chegou a dirigir para o emedebista e depois para seu sucessor na Prefeitura de Goiânia, Paulo Garcia, do PT.

Em 2018, o vereador em primeiro mandato, chegou à presidência da Casa. O homem que há pouco anos era motorista do prefeito de Goiânia, passou a ser o vice-prefeito da cidade — Iris Rezende foi eleito em 2016 tendo como seu vice o Major Araújo, que renunciou ao cargo, fazendo com que o presidente da Câmara Municipal passasse a ser o primeiro na ordem sucessória do cargo de prefeito.

Em 2020 foi reeleito, desta vez filiado ao partido Patriota. Ele também foi reconduzido para a presidência da Mesa Diretora. O feito o coloca na história da Casa. Pela primeira vez um vereador é reeleito para presidir a Câmara Municipal de Goiânia. Se manter no cargo com apoio de 21 dos 35 vereadores demonstra que Romário alcançou uma estatura elevada na vida política. Decisões tomadas no Paço levam em conta o posicionamento dele, além de figurar entre os líderes que são ativos nas articulações políticas de Goiânia e até do Estado.

Rogério Cruz

Rogério Cruz. Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Primeiro prefeito negro eleito em Goiânia, Rogério Oliveira da Cruz, 58 anos, nasceu em 19 de junho de 1966, em Duque de Caxias, no estado do Rio de Janeiro. Rogério iniciou sua trajetória como líder comunitário e pastor evangélico, dedicando sua vida à comunidade e aos problemas sociais. Antes de se entrar na política, atuou no ramo empresarial, mas consolidou sua trajetória como pastor da Igreja Universal do Reino de Deus.

Formado em gestão pública pela Universidade Paulista (UNIP), Rogério foi executivo do Grupo Record por 16 anos, na África, continente em que também desenvolveu ações humanitárias junto com a esposa, Thelma Cruz. 

Em 2012, já em Goiânia, Rogério se candidatou a vereador, sendo eleito. Durante seu mandato na Câmara Municipal de Goiânia, o candidato focou suas pautas na defesa da assistência social, saúde e políticas públicas para idosos e jovens. Ele também foi Secretário de Gestão de Pessoas, na Prefeitura de Goiânia, em 2014. Em 2016 foi reeleito vereador e, na Casa, foi vice-presidente da Mesa Diretora e presidente da Comissão das Pessoas Portadoras de Deficiência e Necessidades Especiais.

Após servir dois mandatos, Rogério Cruz foi convidado para compor chapa como vice-prefeito de Maguito Vilela (MDB). A chapa se consagrou vitoriosa no segundo turno, fazendo Rogério Cruz assumir a vice-prefeitura. No entanto, por conta das complicações da Covid-19, Maguito veio a falecer em janeiro de 2021, dias após tomar posse. Com isso, Cruz foi empossado prefeito de Goiânia.

Durante seu mandato, Cruz enfrentou problemas como a pandemia da Covid-19 e a retomada econômica do município. Além disso, Rogério reforço investimentos em mobilidade urbana, tendo como seu grande legado a entrega do BRT Norte-Sul. Entretanto, problemas na cidade, como a crise do lixo e suspeitas de corrupção na Comurg mancharam sua imagem para os goianienses.