O mundo testemunha um aumento na incidência de conflitos armados, com pelo menos treze grandes guerras e numerosos conflitos territoriais ou de poder previstos até o final de 2023, alertam especialistas.

Além do conflito entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza, que já resultou em milhares de vítimas desde 7 de outubro, e da invasão russa à Ucrânia, que completou dois anos em fevereiro de 2024, outras regiões como Burkina Faso, Somália, Sudão, Iêmen, Mianmar, Nigéria e Síria enfrentam confrontos em larga escala.

A definição de guerras e conflitos varia, sendo comumente associada ao número de mortes. Conflitos com mais de mil mortes em batalhas anuais são considerados guerras, enquanto disputas resultando em pelo menos 25 mortes são designadas como conflitos armados.

Embora muitos desses conflitos tenham altos índices de mortalidade e destruição, alguns não recebem a devida atenção global. Vários fatores influenciam essa falta de visibilidade, incluindo o risco de expansão do conflito para outras nações, a proximidade dos centros populacionais afetados, restrições à mídia e a familiaridade do público com as regiões envolvidas.

A falta de destaque desses conflitos pode prejudicar o progresso em direção à paz e a prestação de assistência humanitária. A opinião pública e o engajamento internacional podem ser determinantes na resolução desses conflitos, mas também podem trazer consequências imprevistas.

O ano anterior foi marcado por um aumento significativo no número de mortes devido a conflitos, sendo destacadas as guerras na Ucrânia e na Etiópia, com mais de 81.500 e 101.000 vítimas fatais respectivamente até o final de 2022.

A guerra civil no Iêmen também continua devastadora, com mais de 300 mil mortes desde seu início em 2014, agravada pela fome e doenças decorrentes da crise humanitária em curso.

Conflitos armados

1 – Burkina Faso

A violência na região do Sahel, especialmente em Burkina Faso, representa uma faceta significativa de um conflito armado mais amplo. Estendendo-se pelo norte da África, o Sahel abrange áreas de 10 nações: Mauritânia, Senegal, Mali, Burkina Faso, Níger, Nigéria, Chade, Sudão, Eritreia e Etiópia.

Desde 2016, Burkina Faso tem sido palco de confrontos intensos entre as forças governamentais e grupos insurgentes islâmicos, como o Ansarul Islam, associado à Al Qaeda, e o Estado Islâmico no Sahel (ISS).

Em julho de 2023, a Anistia Internacional identificou que pelo menos 46 locais em Burkina Faso estavam sob cerco de grupos armados.

O ano de 2022, marcado como o mais mortal desde o início dos registros, testemunhou a perda de 1.418 vidas civis, conforme relatado pela Base de Dados de Eventos de Locais de Conflitos Armados (ACLED).

2 – Somália

A guerra civil na Somália atingiu um novo nível de intensidade durante a primeira década dos anos 2000, com o surgimento do Al Shabaab, uma facção aliada à Al Qaeda, entrando em conflito com as forças governamentais apoiadas pela União Africana.

O Al Shabaab busca derrubar o governo local, respaldado por países ocidentais, e estabelecer sua própria autoridade baseada em uma interpretação radical da lei islâmica.

De acordo com relatórios da ONG Human Rights Watch, o grupo armado islâmico Al Shabaab tem perpetrado ataques indiscriminados e direcionados contra civis, além de recrutar crianças à força.

Em 2022, a violência atingiu seu ápice, resultando no maior número de vítimas fatais desde o início da década de 1990, conforme relatado pelo UCDP.

3 – Sudão

A agência da ONU para os refugiados alerta que uma crise humanitária de proporções “inimagináveis” está se desdobrando no Sudão.

Desde o início do conflito em abril deste ano, quase seis milhões de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas. Em apenas seis meses, os confrontos entre as forças militares do Sudão e um grupo paramilitar buscando assumir o controle do governo resultaram na morte de até 9.000 pessoas, de acordo com as Nações Unidas, criando assim “um dos piores pesadelos humanitários da história recente”.

Conforme relatado pela agência de migração da ONU, os combates deixaram 25 milhões de pessoas, mais da metade da população, dependentes de assistência humanitária.

4 – Mianmar

Um golpe militar ocorrido em 2021 e a subsequente repressão aos manifestantes contrários ao novo regime desencadearam uma escalada de violência no país do sudeste asiático.

De acordo com pesquisadores independentes citados pela ONU, mais de 13 mil crianças perderam a vida no país, e 1.3 milhão de pessoas foram deslocadas de suas residências.

Desde os anos 1950, vários grupos insurgentes têm operado no país, muitos deles empunhando armas e radicalizando suas atividades na tentativa de assumir o controle e derrubar o novo regime militar.

5 – Rússia x Ucrânia

Em fevereiro de 2022, a Rússia lançou uma invasão em larga escala da Ucrânia, desencadeando um novo êxodo de milhões de refugiados e resultando em dezenas de milhares de mortes entre civis e militares.

A ONU oficialmente confirmou 9,9 mil civis mortos, porém ressaltou que “o número real é certamente maior”.

A crise teve início em 2014, quando a Rússia anexou a Crimeia, território ucraniano, em uma ação não reconhecida internacionalmente.

Desde então, o regime de Vladimir Putin tem apoiado separatistas pró-russos que confrontam as forças militares ucranianas na região de Donbass, localizada na fronteira entre os dois países.

No início de novembro de 2023, a Ucrânia relatou que quase 120 áreas foram alvo de bombardeios nas 24 horas anteriores, marcando o maior ataque individual desde o início do ano. Atualmente, a Rússia controla cerca de 17,5% do território internacionalmente reconhecido da Ucrânia.

6 – Israel x Hamas

O Hamas, que exerce controle sobre a Faixa de Gaza, lançou um ataque surpresa contra Israel em 7 de outubro de 2023, resultando na perda de mais de 1.400 vidas e na captura de mais de 200 pessoas como reféns.

Em resposta, o país atacado iniciou uma ofensiva militar intensiva, resultando na morte de mais de 10.000 pessoas, sendo que 40% delas eram crianças, conforme relatado pelo Ministério da Saúde de Gaza, que é administrado pelo referido grupo.

A ONU acusa Israel de estar cometendo “crimes de guerra” através da aplicação de uma “punição coletiva” sobre os residentes da região afetada.

Por sua vez, o país alega que está exercendo seu direito legítimo de autodefesa e busca desmantelar o grupo responsável pelo ataque. Além disso, ele argumenta que o referido grupo cometeu crimes de guerra tanto no ataque inicial ao país quanto na detenção de civis como reféns.

7 – Nigéria e Síria

Conflitos internos distintos em dois países estão à beira de registrar um número alarmante de 1.000 mortos em combates, o que os qualificaria como guerras, de acordo com dados preliminares do Uppsala Conflict Data Program (UCDP).

Desde sua independência em 1960, a Nigéria tem sido palco de violência perpetrada por grupos organizados. O foco principal atualmente reside nas batalhas entre as forças do governo e grupos radicais islâmicos em diversos estados, todos lutando pelo controle territorial.

Enquanto isso, a guerra civil na Síria, que teve início com protestos contra o governo do presidente Bashar al-Assad em março de 2011, envolve agora uma miríade de grupos rebeldes e o apoio de grandes potências estrangeiras, incluindo Rússia, Turquia, Catar, Arábia Saudita e Estados Unidos.

8 – Iêmen

Em 8 de novembro, o governo dos Estados Unidos declarou que um de seus drones militares foi abatido na costa do Iêmen por rebeldes do grupo Houthi. Este grupo, alinhado com o Irã e seguindo a vertente do islamismo xiita conhecida como zaidismo, protagoniza um conflito que aflige o Iêmen desde 2014.

O embate principal ocorre entre os Houthi e o governo iemenita, que conta com o apoio da Arábia Saudita, uma rival do Irã, também apoiada pelos Estados Unidos e Israel. Em setembro daquele ano, os Houthi tomaram a capital do Iêmen, Sanaa, expulsando o governo estabelecido.

Uma coalizão liderada pela Arábia Saudita, com respaldo do Reino Unido e dos EUA, reagiu, mas, após oito anos e milhares de ataques aéreos, os rebeldes ainda mantêm o controle sobre a capital.

Embora o conflito no Iêmen tenha diminuído em intensidade, em parte devido a uma trégua de seis meses mediada pela ONU em 2022, existe preocupação quanto à sua sustentabilidade. As negociações entre sauditas e Houthi estagnaram, e as facções envolvidas no conflito têm mostrado pouco interesse em dialogar.

Além do embate entre Houthi e o governo iemenita, o país está fragmentado de outras maneiras, como o movimento separatista apoiado pelos Emirados Árabes Unidos, que almeja a independência do sul.

Uma faceta particularmente cruel deste conflito prolongado e complexo é o sofrimento das crianças, que são vítimas tanto dos Houthi quanto dos ataques aéreos da coalizão liderada pela Arábia Saudita e das forças do governo oficial, sofrendo morte e mutilação.

9 – República Democrática do Congo

A República Democrática do Congo (RDC) é reconhecida como um dos países mais pobres do mundo. No leste do seu território, conhecido pela sua violência exacerbada, aproximadamente 120 milícias operam nas províncias de Kivu do Norte, Kivu do Sul e Ituri.

Apesar da presença de 18 mil soldados das forças de paz da ONU, os ataques têm se intensificado no último ano. Como resultado desses conflitos, mais de 521 mil pessoas migraram desde março do ano passado.

Atualmente, o Movimento 23 de Março, ou M23, emerge como o principal agente de violência na região. Tanto a RDC quanto as Nações Unidas e os Estados Unidos têm acusado Ruanda de apoiar esse grupo, uma alegação veementemente negada pelo governo ruandês.

Os ataques perpetrados pelo M23 aumentaram após o governo congolês falhar em cumprir um acordo de 2009 que visava integrar o grupo ao Exército. Em resposta, o M23 tomou controle de cidades e vilarejos inteiros e, de acordo com organizações não-governamentais de direitos humanos, realizou bombardeios em áreas civis e militares.

O ressurgimento do M23 tem exacerbado as tensões entre o Congo e Ruanda, alimentando o temor de uma guerra em grande escala na região. Autoridades congolesas acusam Ruanda de desejar a exploração dos recursos minerais do país, enquanto protestos eclodem em várias cidades do leste.

A hostilidade entre os dois países também tem resultado em um aumento do discurso de ódio e da discriminação contra os falantes da língua Kinyarwanda, falada em Ruanda, dentro do território da RDC, um alerta emitido pelas Nações Unidas.

10 – Etiópia

A Etiópia tem sido palco de uma guerra civil desde 2020, desencadeada pela tomada da região de Tigré pela Frente para a Liberação do Povo do Tigré (TPLF) em novembro daquele ano, seguida pela intervenção das forças militares etíopes. O conflito rapidamente se alastrou para outras partes do país, exacerbando as tensões em uma nação marcada por divisões étnicas.

Durante os quase três anos de guerra civil, estimativas apontam para pelo menos 600 mil mortes, conforme relatado pelo porta-voz da União Africana, o presidente da Nigéria Olusegun Obasanjo.

A crise foi agravada por uma situação econômica instável, a influência de países vizinhos no conflito e as debilidades democráticas do país. Embora o governo central da Etiópia tenha anunciado um cessar-fogo na região de Tigré e iniciado conversas com a TPLF, a estabilidade no país ainda não foi alcançada.

11 – Afeganistão

Os trágicos ataques ocorridos em 11 de setembro de 2001, que resultaram na perda de quase 3 mil vidas nos Estados Unidos, deram origem a uma série de conflitos e intervenções no Oriente Médio, conhecida como “Guerra ao Terror”, com foco principal em Osama bin Laden, líder da al-Qaeda.

Após exigências dirigidas ao Talibã para entregar bin Laden, o grupo extremista que então governava o Afeganistão, a coalizão internacional liderada pelos EUA iniciou ataques aéreos no país, removendo o grupo extremista do poder e temporariamente expulsando a al-Qaeda.

Entretanto, os esforços para construir um Exército afegão confiável se revelaram um fracasso, resultando em um custo de US$ 83 bilhões. As baixas foram significativas, com cerca de 60 mil mortes entre as forças de segurança afegãs e quase o dobro de mortes civis. Nos Estados Unidos, mais de 2,3 mil militares americanos perderam suas vidas e mais de 20 mil ficaram feridos.

Após quase duas décadas de conflito, as tropas americanas se retiraram do Afeganistão em agosto de 2021, permitindo o ressurgimento do Talibã. Na época, o grupo extremista, que governou o Afeganistão de 1996 a 2001, parecia estar disposto a reconsiderar algumas de suas políticas anteriores e a se abrir para o mundo.

Contudo, um ano e meio após esses eventos, o Talibã demonstrou manter suas práticas anteriores: restringiu a participação das mulheres na sociedade e continuou a perseguir minorias étnicas e religiosas.

12 – Líbia

Desde 2011, um país do Norte da África tem sido palco de uma intensa guerra civil, desencadeada pela queda do ex-presidente Muammar Gaddafi durante a Primavera Árabe. Nesse conflito, diferentes atores, incluindo o governo, milícias e facções políticas, lutam pelo controle, resultando em confrontos caracterizados pela violência, instabilidade política e intervenção de atores estrangeiros.

As partes principais envolvidas são o Governo de Acordo Nacional (GNA), reconhecido pela comunidade internacional através da ONU, e o Exército Nacional Líbio (LNA), liderado pelo general Khalifa Haftar, que recebe apoio de diversos países estrangeiros. A guerra já causou milhares de mortes e deslocamentos em massa, com repercussões tanto regionais quanto globais.

Apesar dos esforços de várias nações e organizações internacionais para buscar uma solução pacífica, o conflito persiste sem uma resolução definitiva, com surtos ocasionais de violência e ataques contínuos.

13 – Haiti

O Haiti enfrenta uma crise política de grande magnitude desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, ocorrido em sua residência em Porto Príncipe, em julho de 2021. Ariel Henry, que assumiu o cargo após o magnicídio, tem enfrentado questionamentos recorrentes sobre sua legitimidade, enquanto a ausência de eleições tem paralisado o poder legislativo. Essa lacuna política resultou em um aumento do poder das gangues no país.

Atualmente, grupos armados controlam mais de 60% da capital, Porto Príncipe, onde cerca de 4,7 milhões de pessoas estão enfrentando uma crise de fome aguda. Um relatório da ONU divulgado no ano anterior destacou o impacto da violência perpetrada pelas gangues: somente em 2022, mais de 1.400 pessoas foram mortas e mais de mil foram sequestradas ou feridas.

Com o Parlamento praticamente inativo, o sistema judicial também enfrenta dificuldades, uma vez que a falta de juízes, cujos nomes devem ser aprovados pelo Legislativo, impede seu funcionamento adequado. Além disso, há conflitos entre a Polícia Nacional e o Exército, que têm lutado para conter as atividades das gangues nas ruas. No ano anterior, a ONU caracterizou a situação no país como uma “catástrofe humanitária”.

Em janeiro deste ano, três cidadãos haitiano-americanos e um colombiano foram extraditados para os Estados Unidos devido ao seu envolvimento no assassinato de Moïse.

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