Como será 2024? Confira o que pensam cinco expoentes goianos sobre o ano que chega
31 dezembro 2023 às 18h00
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Por Giovanna Campos e Ton Paulo
O ano de 2023 foi definitivamente marcante. Neste ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou o fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) referente à Covid-19; Lula foi empossado presidente da República pela terceira vez e exerceu o primeiro ano do mandato; os três Poderes foram atacados em Brasília, em uma horrível e memorável tentativa de golpe de Estado, entre outros acontecimentos que nos fizeram terminar esses 12 meses com a sensação de termos vivenciado fatos que, com certeza, entrarão para os livros de história.
E é olhando para o passado que conseguimos projetar o futuro. O Jornal Opção ouviu cinco especialistas de diferentes áreas que, com base em seus conhecimentos técnicos e em suas percepções do cenário passado e atual, traçaram prognósticos sobre 2024.
Educação
Angelita Pereira de Lima
“Há uma importante expectativa, no Brasil, de que a Educação, em especial a Educação Superior, ocupe lugar de destaque no projeto nacional de desenvolvimento e de superação dos desafios econômicos e sociais.
As universidades públicas brasileiras têm sido chamadas a cumprir papel estruturante nas ações e nos setores estratégicos para o país. Seja para a neoindustrialização, o cumprimento das metas de preservação do meio ambiente, a produção de alimentos, de fármacos ou para o desenvolvimento da veículos autômatos. Da inteligência artificial às políticas públicas e ao combate às fake News. Tudo passa pelo ensino e pela pesquisa desenvolvida nas universidades.
O meu desejo é que, de fato, 2024 seja o ano da educação no Brasil. E a UFG está pronta para dar a sua contribuição por um Brasil melhor.”
Angelita Pereira de Lima é reitora da Universidade Federal de Goiás (UFG).
Políticas Públicas
Lúcia Rincón
“Nós estamos entendendo que temos uma opinião, melhor dizendo, que o Estado, a sociedade, ela é um agrupamento de pessoas que, na nossa sociedade, se dividem em classes sociais diferenciadas. No nosso entendimento, o papel do Estado é de coordenar, garantir a harmonia entre as pessoas, contribuir para a legislação, trabalhar junto com a população as medidas necessárias para um bem viver.
Nesse sentido, nós entendemos que as políticas públicas são resultado dessa correlação de forças. Entre as diferentes classes sociais e que, junto ao Estado, aos governos que ocupam postos de Estado, setores diferentes da sociedade, compõem governos e esses governos são responsáveis por políticas sociais para garantir esse bem-viver. As nossas expectativas, desde a eleição do presidente Lula, são altas.
Entendendo que as possibilidades instauradas com um grupo político tão diverso como esse que hoje está na direção do nosso país, com tantas nuances, é um grupo político que. Antes de mais nada, garantiu a democracia. Essa democracia, ela funciona nos últimos tempos e durante esse ano funcionou muito bem no que diz respeito às relações interpessoais, ao resgate da solidariedade, da perspectiva de uma sociedade igualitária. Ela garantiu já a realização de diferentes conferências que discutem políticas públicas para os diferentes setores da sociedade.
Tivemos agora recentemente a política, a conferência de juventude, a conferência de cultura e assim por diante. Então, as políticas públicas com esse tipo de governo, elas tendem a ter a cara do povo, a responder às necessidades de fato da população.
Também tivemos a importante, não menos importante, conferência nacional de saúde. Que aponta para várias medidas de atendimento à população e de garantia de acesso à saúde para a população mais pobre. Para o ano que vem, nós temos a Conferência Nacional de Educação, que já está em curso, que já aconteceu nos diferentes estados, mobilizou gente por todo o nosso país, do AIAPOC ao Shui, e vai ter a sua plenária final agora em janeiro.
Em 2025, estamos prevendo a Conferência Nacional de Direitos das Mulheres, que seria já a nossa quinta conferência, sempre sob o governo democráticos. Então, as políticas públicas, nós temos grandes esperanças, as nossas expectativas são altas. Por quê? Porque nós também estamos envolvidos, trabalhando muito para que essas conferências aconteçam.”
Lúcia Rincón é mestre em História e doutora em Educação.
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Direito
Amanda Souto Baliza
“Para 2024 desejo que o entendimento sobre questões relacionadas à diversidade sexual e de gênero sejam desmistificadas e tratadas a partir de uma visão racional e sem desinformação.
A desinformação gera bastante violência contra a população LGBTI+.
Sendo realista minhas previsões para 2024 são de que assuntos considerados mais polêmicos continuem engavetados no STF, a exemplo do Recurso Extraordinário 845.779, que trata do direito ao uso de banheiros por pessoas trans.
Acredito ainda que, em razão das eleições, teremos graves ataques baseados em desinformações contra grupos vulnerabilizados e que o TSE e o STF terão uma difícil tarefa.
É provável que o anuário de segurança pública continue a registrar alta nos casos de violência e discriminação contra a população LGBTI+.
Não tenho expectativas positivas em razão ao Legislativo Federal, uma vez que me parece incapaz de dar respostas adequadas e proporcionais a atitudes antidemocráticas e perigosas de parlamentares.”
Amanda Souto Baliza é advogada LGBT+ e presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Nacional.
Meio Ambiente
Gabriel Tenaglia Carneiro
“Sem dúvida, o objetivo da COP 28, em buscar um consenso global sobre a eliminação progressiva da utilização de combustíveis fósseis, foi alcançado. Pela primeira vez na história da COP, se conseguiu essa consonância. Existem muitos desafios, sendo os recursos o fator mais limitante para a implementação dessas políticas, entretanto, o consenso é um passo importante na concretização dessa Agenda Ambiental Global.
No Brasil, compreendo que o principal obstáculo seja de Agenda Política. Mesmo observando o tema ambiental como um dos motes da campanha presidencial de 2022, há uma dificuldade em implementar a agenda verde no contexto de descarbonização da produção, da transição energética, além da Política Nacional sobre Mudança do Clima e suas ações que busquem promover a adaptação climática.
A dificuldade de implementação, em sua grande parte, se baseia em incompreensões que polarizam o contexto econômico e ambiental. É um equívoco, não compreender a necessidade de convergência dessas políticas no contexto da economia global sustentável.
A escolha da Marina Silva para o MMA [Ministério do Meio Ambiente] foi emblemática, pois enviou sinais claros no contexto nacional e internacional que o Brasil irá mudar suas ações técnicas e políticas, no contexto ambiental.
Compreendo que o processo de deslegitimação do Ministério de Meio Ambiente e seus órgãos de gestão e fiscalização observada nos últimos anos dificultou suas ações fins. Assim, hoje, compreendo que o MMA está em um processo de reestruturação, tanto no contexto orçamentário quanto de ações. Tendo, nesse início, objetivos claros; reduzir o desmatamento na Amazônia, reduzir a emissão de GEE [gases de efeito estufa] pelas queimadas e combater o garimpo em terras indígenas. Ademais, além da reestruturação, observo que o MMA está buscando uma interface com os outros ministérios, a fim de sair do isolamento temático, e de forma transversal, trabalhar uma agenda política ambiental com todos os outros pastas do governo federal.
O presidente Lula compreende a importância do Meio Ambiente e da Marina para o seu governo e principalmente para o País. Entretanto, na esteira da governabilidade e sua relação com o congresso nacional, em alguns pontos sensíveis, como no caso da exploração do Petróleo na Foz do Amazonas, se manifesta contrário à compreensão do MMA e da Marina Silva. Eu observo que isso faz parte do jogo político, mas ela tem o total apoio do presidente. Ademais, a maturidade desenvolvida, em especial pela Marina, após os equívocos de 2005 que culminaram com sua saída da gestão do Lula, nos trouxeram para uma compreensão política diferente hoje. Acredito que a Marina e o presidente Lula estão focados em desenvolver políticas estruturantes no contexto da agenda verde global e suas potencialidades econômicas para o nosso País, além de recolocar o Brasil na vanguarda das discussões ambientais no mundo.
[…] No curto prazo, é compulsório uma efetiva ação no combate ao desmatamento, em especial na Amazônia e no Cerrado, biomas que mais sofrem com essa prática. Essa ação, além de proteger os biomas, envia um recado claro ao mundo do compromisso desse governo com as questões ambientais e amplia nossas possibilidades econômicas. Vide a relação com a União Europeia.
No médio prazo, ainda dentro da gestão do governo Lula, é preciso reestruturar os órgãos de controle (Ibama e ICMBIO). Seja na questão orçamentária, com maior quantidade de recursos destinados para esses órgãos, seja na ampliação da estrutura física (equipamentos), seja na ampliação e descentralização do corpo técnico efetivo (concurso).
No longo prazo, provavelmente após a gestão do governo Lula, no contexto do cumprimento da agenda global verde, destinar recursos contínuos e incentivos a pesquisas que acelerem o processo de descarbonização da produção e a transição energética para combustíveis renováveis, como o ocorrido agora, em uma parceria entre BNDES, Banco Mundial e Ministério de Minas e Energia, um investimento de 1 bilhão de dólares pelos próximos anos, no estudo e desenvolvimento do hidrogênio verde.
[…] O caminho, além da educação ambiental e sua consciência ambiental, é preciso desenvolver planos municipais de adaptações climáticas, no intuito de desenvolver ações e mudanças nos projetos estruturais a fim de deixar as cidades mais resilientes à essas alterações climáticas.
Ademais, além da redução da emissão de GEE, é preciso reflorestar nossas Áreas de Preservação Permanente – APPs, na zona rural e urbana. Ações como essas, será possível, apenas se mantivermos esse tema na Agenda Política do País. Por fim, essa pauta não deve ser contaminada pela polarização ideológica existente no país, pois estamos falando da sobrevivência de nossa espécie.”
Gabriel Tenaglia Carneiro é doutor em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás (UFG), professor universitário e analista em Obras e Urbanismo da Prefeitura de Goiânia.
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Tecnologia
Anderson Soares
“Eu avalio como positiva a atuação do Ministério de Ciência e Tecnologia, tanto do governo anterior quanto no atual. Eu acho que o principal ponto foi o descontingenciamento, a proibição de contingenciar o FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], que foi um imposto criado para fomentar a ciência e a tecnologia no País, mas que ao longo de todos os governos não foi cumprido.
Então, acho que foi um importante passo, porque o imposto foi criado para isso, mas que não era efetivamente utilizado em seu propósito original. E o custo disso, acho que a gente sente toda vez que vai na farmácia, por exemplo, pagando por tecnologias estrangeiras para poder utilizá-las em nosso cotidiano.
A independência e a soberania sobre a ótica de tecnologia é muito importante, um País do tamanho do Brasil não pode ser extremamente dependente de tecnologias sofisticadas que vem de fora, pelo menos não totalmente. Então, avalio como muito positivo, o Brasil criou uma estratégia de Inteligência Artificial. Embora, tenha tido dificuldades em sua implementação, mas nos coloca numa posição intermediária ali em relação ao restante do mundo.
É difícil entender porque que a gente se sente tão inferior. O que, na prática não é verdade. O Brasil tem pessoas brilhantes, mentes brilhantes, mas que são subvalorizados e ‘sub-reconhecidos’. Para quem não sabe, por exemplo, o Brasil é um dos países que mais tem produção bibliográfica na área de Inteligência Artificial e a gente sempre acha que estamos na lanterna. Não é bem assim, não estamos na frente, na liderança, mas também não estamos tão mal posicionados. Eu diria que ali no G20 pelo menos.
[…] Nesses últimos anos eu cito a própria concepção do centro de excelência em Inteligência Artificial, que foi uma aliança entre a Universidade Federal de Goiás e o Governo do Estado de Goiás, e hoje acaba suportando inovação para mais de 60 empresas no Brasil. São tecnologias inovadoras que já alcançam mais de 90 milhões de pessoas no Brasil.
Isso é um feito muito expressivo. Porque não estamos falando só de pesquisa, estamos falando de pesquisa que chegou em produtos que as pessoas usam. E isso fez com que Goiás seja hoje o principal centro de Inteligência Artificial aplicada aqui no Brasil. E isso foi um excelente passo. Foi um grande acerto de vários atores que estão envolvidos. Eu acho que um dos desafios que a gente ainda está pendente na mesa é a questão da infraestrutura, mas a infraestrutura para tecnologia é muito cara.
[…] A gente tem feito investimentos aí com o apoio do governo de Goiás, mas existe uma articulação, entre Universidade de Goiás e governo federal pra gente que a gente amplie esses investimentos, que não são baratos. Para você ter uma ideia, o Reino Unido anunciou um investimento de 300 milhões de libras só para estabelecer um supercomputador para IA no Reino Unido. Então não é barato. E isso tem que ser pautado na estratégia de soberania nacional para que a gente tenha pelo menos a chance e a possibilidade de não ficar a margem. Então acho que esse é o principal ponto para a gente continuar avançando nos próximos anos.”
Anderson Soares é coordenador científico do Centro de Excelência em Inteligência Artificial (Ceia) da Universidade Federal de Goiás (UFG).
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