Nunca se falou tanto sobre o tema, mas o debate parece estar cada vez menos centrado no que de fato foi este período não tão distante da história

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O nazismo é um tema que sempre chamou a atenção das pessoas em todo o mundo, sendo abordado por uma infinidade de livros, filmes de Hollywood e teses acadêmicas que se debruçam sobre este período da história pós-moderna que marcou não apenas a Alemanha, mas toda a humanidade. Nas escolas, este é um dos assuntos –  assim como a 2º Guerra Mundial – que mais chamam a atenção dos alunos, muitas vezes ávidos por detalhes e explicações sobre as motivações deste regime.

No entanto, a ascensão de uma onda conservadora em algumas partes do globo tem feito com que o nazismo seja discutido com mais fervor – caso do Brasil, que desde a campanha presidencial de Jair Bolsonaro tem visto o assunto tomar as ruas. Este fato por si só não é um problema, pelo contrário, o interesse pela história é louvável. Porém, chama a atenção o fato de apesar de o brasileiro falar mais sobre o nazismo, o desconhecimento sobre o período parece crescer na mesma intensidade.

Uma rápida pesquisa nas redes sociais mostra o atual distanciamento das informações compartilhadas dos fatos históricos, sua distorção e até mesmo questionamento sem qualquer embasamento historiográfico. Longe de propor um revisionismo histórico, essas novas “leituras” sobre o regime alemão parecem visar tão somente preencher espaços em um aglomerado de discussões entre grupos com ideias divergentes. Assim, a polarização política parece ter contaminado o campo do saber, colocando em risco a história e vivência de milhões de pessoas que sofreram os horrores do nazismo, grande parte delas perdendo suas vidas.

Nazismo de esquerda?

Exemplo disso foi a discussão sobre o regime ter sido de esquerda, o que não passa de uma confusão por contra da nomenclatura adotada: Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães. O nome foi escolhido de forma pensada para atrair o maior número de pessoas e só. Caso contrário, a República Democrática da Coreia deveria ser entendida como democrática. Ou seja, uma breve leitura dos elementos do regime mostra o que é consenso entre os historiadores: o nazismo foi um movimento localizado na extrema-direita.

A argumentação dos historiadores utiliza a análise do discurso do próprio Hitler e da ideologia nazista (antissemitismo, antiliberalismo, antibolchevismo, racismo, exaltação da guerra, nacionalismo extremado, entre outros), bem como dos fatos históricos e dos grupos de apoio aos nazistas, que eram grupos políticos e paramilitares de direita. Apesar de toda a evidência historiográfica, o próprio presidente da República disseminou a ideia de que o nazismo seria de esquerda. “Sem dúvidas. É o Partido Nacional Socialista da Alemanha”, afirmou em visita ao centro de memória do Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém

Recentemente, a chanceler alemã Angela Merkel fez uma visita histórica a um campo de concentração nazista na Polônia. A atitude é carregada de simbologia, pois ocorre em meio à ascensão do antissemitismo e da extrema direita na Alemanha. Na ocasião, Merkel disse sentir uma “vergonha profunda” dos crimes cometidos em Auschwitz-Birkenau por alemães. “Este é o lugar onde os crimes mais horríveis contra a humanidade foram cometidos. Devemos lembrar claramente todos os crimes que foram cometidos aqui e chamá-los pelo nome”, concluiu.

Deutschland über alles

Mas, e no Brasil, por que estamos falando mais sobre o nazismo? Antes de chegarmos ao momento atual em que um membro do alto escalão do governo perde o seu cargo por fazer uma releitura de um discurso nazista, e de vozes contrárias apontarem nazismo em apoiadores do governo, é preciso voltar algumas peças do tabuleiro. Ainda em campanha, Jair Bolsonaro adotou o slogan “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, rapidamente associado a Hitler, que sempre repetia a frase “Deutschland über alles”, que quer dizer “Alemanha acima de tudo”.

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Rapidamente, o presidente brasileiro e seus apoiadores foram associados ao movimento neonazista, pelos seus oposicionistas. O rótulo não foi aceito por Jair, que durante a corrida eleitoral que o levou à presidência da República, entrou com uma ação por danos morais contra uma charge que o associava ao nazismo. O pedido foi negado pela desembargadora Cristina Tereza Gaulia. Ela justificou que Bolsonaro não mostrou o menor constrangimento em aparecer em uma foto com um correligionário fantasiado de Hitler. Desde esse momento pré-eleição, volta e meia, algum elemento nazista é apontado em falas de pessoas ligadas ao presidente ou dele próprio.

Para elucidar um pouco mais sobre o impacto deste discurso na coletividade, em 2018, um vídeo divulgado pela embaixada da Alemanha nas redes sociais foi alvo de ataques por parte de brasileiros. A produção mostrava o costume das escolas alemãs de enfrentar os horrores do holocausto para evitar que algo do gênero se repita no planeta. O material também explicava de forma didática que referências ao nazismo são crime no país, como negar que esse genocídio tenha acontecido e exibir símbolos nazistas. As informações apresentadas foram contestadas por brasileiros que negaram os fatos históricos mostrados pela embaixada.

Episódio Alvim 

Após estes exemplos chegamos ao momento atual, em que o secretário de Cultura, Roberto Alvim, foi exonerado após divulgar um vídeo com diversas referências nazistas. A cabeça de Alvim foi pedida pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, do Senado, Davi Alcolumbre, e até mesmo pelo guru bolsonarista Olavo de Carvalho, que alertou: “É cedo para julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça”.

A repercussão negativa provocou a reação do presidente: “Reitero nosso repúdio às ideologias totalitárias e genocidas, bem como qualquer tipo de ilação às mesmas. Manifestamos também nosso total e irrestrito apoio à comunidade judaica, da qual somos amigos e compartilhamos valores em comum”, disse Jair Bolsonaro em nota. O episódio foi tão absurdo que muitos críticos acusaram o governo de ter causado a crise como uma cortina de fumaça para desviar a atenção de outros assuntos, como a questão do fundão eleitoral.

Ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim | Foto: Reprodução

No vídeo para a divulgação de um edital de cultura, Alvim afirma que “a arte brasileira da próxima década será heróica e nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”, completa.

A frase é semelhante à do ministro nazista Joseph Goebbels, que disse: “A arte alemã da próxima década será heróica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”. Mas essa não é a única referência do nazismo, a estética do vídeo faz referência ao nacionalismo e a música de fundo traz a ópera Lohengrin, de Richard Wagner, obra que Hitler disse ter sido decisiva em sua vida.

Provocação 

Mas a polêmica não se encerrou por aí, tomando outras nuances quando o escritor Anderson França usou sua coluna na Folha de S. Paulo para cobrar o silêncio de artistas populares sobre o episódio envolvendo o secretário de Cultura. Ao citar nomes de cantoras como Anitta e ilustrar seu texto com um desenho de duas mulheres com uma suástica no braço, o colunista foi atacado pela direita e grande parte da esquerda.

Em suas redes, Anderson relatou que recebeu inúmeras ameaças de morte e riu da ameaça de processo por parte da dupla sertaneja Maiara e Maraisa, as cantoras foram identificadas como as mulheres do desenho de Dinho, apelido do escritor. “Mas e uma declaração sobre o Alvim, já tá pronta?”, provocou.

Para muitos, o colunista da Folha passou dos limites, para outros tantos, o governo Bolsonaro desrespeita minorias e incorre em crimes ao “flertar” com ideologias totalitárias. Quais são os limites ao se tocar em um assunto tão delicado da história de uma nação? Difícil avaliar como a história deve ser conduzida, entendida e abordada, ainda mais em se tratando de um país que ainda tenta lidar com os seus próprios demônios (ditadura militar). Longe de tentar resolver a questão, proponho a reflexão sobre a necessidade de busca pelo entendimento e respeito à história, que não é imutável, mas que não pode ser conduzida por interesses pontuais ou achismos.

Para Hitler, a suástica teria a capacidade de representar a luta em prol do triunfo do homem ariano e o desenvolvimento da nação alemã por meio da campanha anti-semita | Foto: Reprodução

O que era o nazismo? 

Os livros de história trazem uma síntese do que foi o nazismo como um partido político que surgiu na Alemanha em 1920 e que ascendeu rapidamente ao poder aproveitando-se do desespero da sociedade alemã, que estava arrasada em consequência da Primeira Guerra Mundial e da Grande Depressão. Os nazistas conseguiram chegar ao poder em 1933 e iniciaram um regime totalitário que levou a Alemanha à Segunda Guerra Mundial e a cometer o maior genocídio da humanidade: o holocausto.

O partido nazista é fruto de ideais que estavam em evidência na sociedade alemã desde o século XIX e que ganharam nova dimensão após a Primeira Guerra Mundial. No século XIX, a região que corresponde à Alemanha sofreu o seu processo de unificação (surgimento do Estado Nacional Moderno da Alemanha) em torno de fortes ideais nacionalistas. Esse processo foi conduzido por Otto von Bismarck. O nacionalismo exacerbado que existia na sociedade alemã era acompanhado por tendências xenofóbicas (desprezo pelo estrangeiro) que se voltavam contra outros povos (como os poloneses) e pelo antissemitismo (aversão aos judeus).

Esses ideais escoravam-se em ideologias da época baseadas no darwinismo social que procuravam comprovar cientificamente a “superioridade” de determinados povos em relação a outros. No caso do alemão, desenvolveu-se um ideal em torno do “nórdico” ou “ariano” como povo superior. Esse ideal de superioridade era acompanhado de um ideal de império em que os alemães formariam um “espaço vital”, uma espécie de mito rural em que os alemães ocupariam um vasto território e viveriam à custa do trabalho dos eslavos.

Além do nacionalismo extremo, da xenofobia e do antissemitismo, a sociedade alemã também reproduzia outros ideais, como a exaltação da guerra como forma de alcançar o desenvolvimento e o apreço por uma liderança forte. Todos esses valores foram levados para o século XX e exportados aos movimentos extremistas da década de 1920, quando a sociedade alemã estava à beira do colapso.

Cenário pós-guerra

O surgimento do nazismo está diretamente relacionado com o cenário da Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. O fim desse conflito foi marcado pela rendição da Alemanha e pela resignação das lideranças do país em assumir a total responsabilidade pelo conflito. Isso foi enxergado por uma parte considerável da sociedade alemã como uma traição, e a rendição do país foi vista de uma maneira conspiratória, isto é, elementos da sociedade passaram a acreditar que a rendição da Alemanha havia sido fruto de uma conspiração.

Para agravar a situação, a Alemanha encarou a pior crise econômica da sua história nas décadas de 1920 e 1930 por conta da derrota na guerra e da Crise de 1929 (Grande Depressão). A crise econômica fez com que a moeda alemã sofresse uma desvalorização brutal e o desemprego disparasse e alcançasse quase a metade da população em idade ativa.

Foi dentro desse contexto que o nazismo ganhou força. O partido surgiu oficialmente em 1920 com o nome de Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (em alemão, o nome do partido era Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, com sigla NSDAP). Hitler esteve envolvido com o surgimento do partido na data citada e ajudou na elaboração do programa do partido.

Aos poucos, Hitler foi ganhando mais importância na popularização dos nazistas, principalmente por sua excelente oratória, que chamava a atenção das pessoas. Ele se tornou líder do partido nazista em 1921 e foi figura central no fortalecimento do nazismo ao longo da década de 1920, conseguindo chegar ao poder da Alemanha em 1933. (Texto sobre o nazismo do site Brasil Escola)