Jornalista Silvia Pilz critica pessoas que têm “fascinação” por doenças: “O avanço da medicina conquistou o coração dos financeiramente prejudicados”

Foto: reprodução / O Globo
Foto: reprodução / O Globo

A jornalista e colunista do jornal O Globo entrou na mira dos “politicamente corretos” das redes sociais na última terça-feira (13/1) com um polêmico artigo publicado em seu blog. Intitulado “O plano cobre”, o texto discorre, de forma ácida, sobre a relação entre pobres e as facilidades oferecidas pelos planos de saúde.

De acordo com ela, virou “moda” entre as classes menos abastadas ter algum problema de saúde. “É uma espécie de glamourização da doença”, sustenta.

No entanto, algumas ironias de Pilz não foram bem aceitas (e até compreendidas), gerando, assim, revolta. Partes como “Porque a grande preocupação do pobre é procriar” e “acho que o sonho de muitos pobres é ter nódulos” criaram tamanho mal-estar que a autora teve que “se desculpar” no próprio blog.

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Alguns comentários na página de Silvia | reprodução / Facebook

“Humor cáustico perde a graça quando precisa ser explicado. Falhei. Poucos se divertiram e muitos se ofenderam. A intenção não era essa. Leia o texto e deixe seu recado nos comentários”, justificou ela.

Mais de 11 mil pessoas já compartilharam o texto no Facebook e outras mil no Twitter — isso, apenas, diretamente do blog n’O Globo.

Em seu perfil pessoal, ela recebeu apoio de amigos, que defenderam a liberdade de expressão e criticaram a postura incoerente dos que a escorraçam, mas defendem, por exemplo, o jornal francês Charlie Hebdo.

Foto: reprodução / Facebook
Foto: reprodução / Facebook

Confira o texto na íntegra:

O plano cobre

Todo pobre tem problema de pressão. Seja real ou imaginário. É uma coisa impressionante. E todos têm fascinação por aferir [verificar] a pressão constantemente. Pobre desmaia em velório, tem queda ou pico de pressão. Em churrascos, não. Atualmente, com as facilidades que os planos de saúde oferecem, fazer exames tornou-se um programa sofisticado. Hemograma completo, chapa do pulmão, ressonância magnética e etc. Acontece que o pobre – normalmente – alega que se não tomar café da manhã tem queda de pressão.

Como o hemograma completo exige jejum de 8 ou 12 horas, o pobre, sempre bem arrumado, chega bem cedo no laboratório, pega sua senha, já suando de emoção [uma mistura de medo e prazer, como se estivesse entrando pela primeira vez em um avião] e fica obcecado pelo lanchinho que o laboratório oferece gratuitamente depois da coleta. Deve ser o ambiente. Piso brilhante de porcelanato, ar condicionado, TV ligada na Globo, pessoas uniformizadas. O pobre provavelmente se sente em um cenário de novela.

Normalmente, se arruma para ir a consultas médicas e aos laboratórios. É comum ver crianças e bebês com laçarotes enormes na cabeça e tênis da GAP sentados no colo de suas mães de cabelos lisos [porque atualmente, no Brasil, não existem mais pessoas de cabelos cacheados] e barriga marcada na camiseta agarrada.

O pobre quer ter uma doença. Problema na tireoide, por exemplo, está na moda. É quase chique. Outro dia assisti um programa da Globo, chamado Bem-Estar. Interessantíssimo. Parece um programa infantil. A apresentadora cola coisas em um painel, separando o que faz bem e o que faz mal dependendo do caso que esteja sendo discutido. O caso normalmente é a dúvida de algum pobre. Coisas do tipo “tenho cisto no ovário e quero saber se posso engravidar”. Porque a grande preocupação do pobre é procriar. O programa é educativo, chega a ser divertido.

Voltando ao exame de sangue, vale lembrar que todo pobre fica tonto depois de tirar o sangue. Evita trabalhar naquele dia. Faz drama, fica de cama.

Eu acho que o sonho de muitos pobres é ter nódulos. O avanço da medicina – que me amedronta a cada dia porque eu não quero viver 120 anos – conquistou o coração dos financeiramente prejudicados. É uma espécie de glamourização da doença. Faz o exame, espera o resultado, reza para que o nódulo não seja cancerígeno. Conta para a família inteira, mostra a cicatriz da cirurgia.

Acho que não conheço nenhuma empregada doméstica que esteja sempre com atacada da ciática [leia-se nervo ciático inflamado]. Ah! Eles também têm colesterol [leia-se colesterol alto] e alegam “estar com o sistema nervoso” quando o médico se atreve a dizer que o problema pode ser emocional.

O que me fascina é que o interesse deles é o diagnóstico.

O tratamento é secundário, apesar deles também apresentarem certo fascínio pelos genéricos.

Mesmo “com colesterol” continuam comendo pastel de camarão com catupiry [não existe um pobre na face da terra que não seja fascinado por camarão] e, no final de semana, todo mundo enche a cara no churrasco ao som de “deixar a vida me levar, vida leva eu” debaixo de um calor de 48 graus.

Pressão: 12 por 8

Como são felizes. Babo de inveja.