‘Coiotes’: criminosos usam redes sociais para captar e enviar brasileiros de forma ilegal aos Estados Unidos; veja esquema

10 junho 2024 às 12h29

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Mais de 7,6 mil quilômetros percorridos de avião, carro e a pé. A viagem é árdua, sendo preciso cruzar quatro fronteiras, caminhar pelo deserto durante 50 km e, em seguida, enfrentar a travessia de um rio por 15 minutos, sem a ajuda de uma embarcação. Pagamentos de propina para mafiosos, membros de cartel e para a própria polícia corrupta são inevitáveis – ou não – depende da coragem e desespero de cada um.
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O relato é apenas alguns dos desafios enfrentados por migrantes brasileiros que planejam entrar nos Estados Unidos de forma ilegal por meio da rota “cai-cai”, quando o individuo é detido ou se entrega para agentes do Departamento de Proteção de Fronteiras (CBP). A migração sem seguir os requisitos legais tem movimentado o mercado de contrabando de pessoas e, consequentemente, enriquecido os guias que promovem essas viagens – os “coiotes”.
Com exclusividade, o Jornal Opção se infiltrou em grupos especializados no envio de pessoas de forma ilegal a outros países e, para entender como funciona a prática criminosa, negociou uma viagem ao território norte-americano com um dos “coiotes”. O negócio foi realizado por meio de espaços públicos e privados das plataformas digitais, que contam com milhares de membros. Apenas o grupo “Oportunidade de ir para os Estados Unidos e Canadá à Trabalho” soma 6,1 mil participantes.
“A rota é toda segura e a sua deportação lá [EUA] não depende de nada. Se fosse o [Donald] Trump era para se preocupar. Novembro é eleição e eles estão limitando as entradas. Antigamente entrava 4 mil pessoas por dia, eles liberavam sua corte em 24 horas, a cadeia estava lotada. Agora é 1,5 mil pessoas por dia e se bater a cota precisa esperar para tentar de novo”, explicou o “coiote” com sotaque mexicano identificado como Roberto ao repórter, que se passou por um migrante.
Entrar de forma ilegal no país é crime. No Texas, por exemplo, a pena para migrantes é de 180 dias a 20 anos de prisão. Questionado sobre as chances de extradição, Roberto disse que há riscos, mas que conta com membros corruptos do CBP para evitar a expulsão e, para isso, seria necessário seguir à risca as orientações do “coiote” correspondente do México. A CBP é a responsável pelo gerenciamento, pelo controle e pela proteção das fronteiras dos E.U.A. e portos de entrada oficiais.
A fim de convencer o repórter, Roberto afirmou que há dois anos trabalha com o contrabando de migrantes, cuja taxa de sucesso é de mais de 90%. Ele cobrou 12 mil dólares (R$ 63.240) para sair de Goiânia e, em sete dias, chegar ao país da América do Norte. O valor pode ser dividido, desde que seja pago uma entrada de 1 mil dólares (R$ 5.270). As parcelas, de 1 mil dólares mensais começam a ser pagas 60 dias depois da viagem.
“Você irá fazer toda a rota, saindo de Goiânia e indo para São Paulo. Lá no aeroporto, você vai pegar um avião para El Salvador. Quando chegar lá alguém da minha equipe vai te pegar e atravessar com você de carro até Cancún (México), passando pela Guatemala. Lá você vai pegar um outro avião até a cidade de Juarez e depois vai até El Paso. Os caras lá [do CBP] vão te pegar e te dar um visto para a cidade que você quer ir, mas você precisa sair da cidade em cinco dias”, revelou Roberto.
Grande parte do trajeto é feito de carro ou avião, que estão inclusos nos 12 mil dólares, conforme o “coiote”. No entanto, ele alerta que é necessário percorrer cerca de 50 km pelo deserto e, em seguida, caminhar por 15 minutos por um rio “raso”. O migrante precisa estar com o físico em dia, visto que os “coiotes” não toleram pausas.
Propina e corrupção
Além dos perigos da natureza e o risco iminente de deportação, os migrantes ainda precisam encarar cartéis, máfias e policiais corruptos durante o percurso em El Salvador e, principalmente, no México. Roberto orienta o repórter para que não faça o percurso apenas com o “coiote”, mas com demais migrantes. Ele diz que na próxima sexta-feira, 16, um casal de São Paulo iria encarar o trajeto e que o repórter deveria se juntar a eles para garantir a segurança.
“O valor pago para garantir a segurança de vocês está dentro do pacote. Se você não pagar ou tentar ir sozinho pode ter certeza que você vai passar pelo inferno, os cara dá porrada mesmo, mata mesmo, te faz transferir dinheiro. Eles te roubam e te abandonam, mas tem gente que acha que isso não existe. Eles estão enganados porque existe ‘pra caralho’, não dá para atravessar se não pagar cartel. A gente aconselha a colocar tudo no cartão, não ficar andando com dinheiro em mãos porque os cara pega”, disse o “coiote”.
Roberto ainda ameaça: “Se o cara quiser sumir depois da travessia, pensando que o país é grande, não tem dessa. Se o cara sumir a gente vai atrás até no quinto dos inferno, tá ligado como funciona né, irmão? Não tem B.O”, exaltou.
Contrabando de migrantes em Goiás
Na última quinta-feira, 6, a Polícia Federal (PF) realizou uma operação em Goiás contra um grupo de “coiotes” suspeitos de enviar brasileiros ilegalmente para os Estados Unidos há mais de 20 anos por meio de empresas de turismo falsas, como mostrado pela reportagem. Os criminosos cobravam até R$ 100 mil por travessia, tendo movimentado R$ 59 milhões com a migração de mais de 400 pessoas.
Segundo o delegado Charles Lemes, duas pessoas consideradas líderes da organização foram presas preventivamente. Um terceiro suspeito, que estava em viagem para levar brasileiros ilegalmente aos EUA, foi inserido na lista da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol).
“Essa organização se vale do desespero de famílias que buscam uma vida melhor em outros países desconhecidos e sem qualquer certeza de sucesso. Elas usam todo dinheiro que têm, são coagidas a pagar e submetidas a intensos sofrimentos durante a travessia, que pode não ter sucesso. Nosso estado está no centro dessa questão ao nível internacional”, concluiu.
