Farda dos farricocos serviu à extrema-direita que levou mensagem às ruas da antiga Vila Boa neste sábado, em meio a eventos nacionais de apoio ao presidente Jair Bolsonaro

Pessoas encapuzadas usando roupas cobrindo todo o corpo são comuns na cidade de Goiás: isso acontece na Procissão do Fogaréu, evento que ocorre há mais de 250 anos na antiga capital do Estado e é uma das maiores tradições da Semana Santa em todo o Brasil.

As roupas são semelhantes, mas a diferença entre o que ocorre todas as quartas-feiras antes da Páscoa – à exceção desses tempos terríveis de pandemia – e o que se deu no sábado, 1º, são o horário e a motivação. O Fogaréu ocorre à noite e relembra a perseguição a Jesus Cristo e sua prisão; já o que houve neste fim de semana…

Na cidade de Goiás, manifestantes encapuzados usam roupas brancas (semelhantes às dos tradicionais farricocos) para fazer apologia à tortura | Foto: Bruno Azevedo

No dia em que apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) saíram as ruas pelo Brasil inteiro, desobedecendo às recomendações sanitárias e pedindo intervenções antidemocráticas, manifestantes resolveram aproveitar a semelhança entre a farda dos farricocos e as vestimentas da Ku Klux Klan, entidade supremacista de extrema-direita dos Estados Unidos, para sair à luz do dia carregando uma faixa com os dizeres “Deus perdoe os torturadores”. 

Em um cartaz menor, afixado na faixa, os dizeres “Nosso Brasil pertence ao Senhor Jesus (…) com Bolsonaro”.

Um detalhe simbólico: a manifestação supremacista foi realizada em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, marco da religiosidade dos escravos na antiga Vila Boa.

A apologia à tortura fazendo alusão a símbolos religiosos e à tradição de uma cidade histórica causou repercussão e revolta nas redes sociais.

Ato foi registrado também em frente à Igreja do Rosário, no centro histórico da Vila Boa | Foto: Reprodução

Na cidade e fora dela, houve reações. A professora Danielle Beltrão publicou uma das fotos na rede social Facebook, com um desabafo: “Fico chocada com esses acontecimentos, como mãe, mulher negra, de religião de matriz africana e como alguém que luta contra desigualdades sociais e violências (…) Temos pessoas usando o nome de Deus para referendar essa coisa animalesca. Precisamos denunciar ao Ministério Público sim, massivamente e até conclamar os líderes religiosos da cidade de Goiás, das mais diferentes vertentes, a se pronunciar se suas religiões resguardam racistas e discursos que trazem esse tipo de barbaridade. Minha esperança é que estes venham somar ao nosso repúdio”, escreveu.

Uma associação da cidade publicou a seguinte nota:

A Associação Cultural Pilão de Prata da cidade de Goiás repudia o ato organizado pelo grupo apoiador de Bolsonaro na manifestação ocorrida na cidade de Goiás em 01 de maio de 2021, que agiu violentamente de forma racista e criminosa criando aspectos de violência simbólica latente inspirados na seita Ku Klux Klan, assassina de povo negro.
Justo em solo sagrado e patrimonial da cultura afro-brasileira da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, erguida às custas do flagelo do povo negro e de seus remanescentes.
Inescrupulosos caminharam pelo território quilombola em afronta à vida destes que carregam consigo o legado de seus antepassados.
Mancharam o simbólico religioso da cidade de Goiás ao vestirem as indumentárias representativas da Procissão do Fogaréu, tão cara para a cultura de nossa cidade.
Em um momento tão crítico com mais de 400.000 (quatrocentos mil) mortos numa pandemia descontrolada profanaram o chão de Oxum, da Rainha Zinga, dos Bantus, das nossas crianças e dos nossos velhos.
Estamos indignados e profundamente violentados diante de tamanho ato irreparável e digno de medidas jurídicas de responsabilização pelos diversos crimes cometidos de apoio à tortura, de racismo.
Goiás é Patrimônio Mundial e isso é um crime contra a humanidade e a vida.
Pilão de Prata é vida do povo negro e jamais se silenciará!