CEI que nada sei…

08 setembro 2025 às 10h43

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Minha amiga Ângela Lobo é uma poeta de meia-pataca. Também estou nessa vala, mas nós não estamos parindo nossos versinhos com a inspiração da musa artificial da IA, ou seja, não estamos recorrendo a palavras que a nossa pena não tem a tinta para escrever. Vejo isso como bizarrice, flor artificial. Estrambótico. Tem escriba coxo reluzindo nas redes sociais com esse tipo de embuste. Encontrei-a no Parque Areião Washington Novaes. Estava só, sentada, de boa, numa mesa de madeira dentro de um bambuzal à beira do lago. As folhas farfalhavam lindamente ao sopro do vento. Lia “Rubaiyat”, do poeta, matemático e astrônomo persa Omar Khayyam (18/5/ 1048 – 4/12/1131), numa tradução de Octávio Tarquínio de Sousa, de 1948. O livro, todo amarelado nos seus 77 anos de publicação, se encontrava aberto na página 21. Passei os olhos rapidamente nas oito linhas do texto. Até o folheei por alguns instantes.

Senti, nos primeiros versos -“Procure ser feliz ainda hoje, pois não sabes o que te reserva o dia de amanhã”-, lampejos poéticos bem explícitos relacionados ao famoso termo carpe diem do poeta romano Quinto Horácio Flaco, que, dez séculos antes do Khayyan, escreveu: “Colhe o dia e confie o mínimo possível no amanhã”. (O que não falta por aí é gente inabilidosa na colheita do dia e excessivamente confiante no amanhã, sem, no entanto, se tocar “que caminha para a morte / pensando em vencer na vida”.)
Tivemos uma conversa rápida, pois eu estava a trabalho. Lobo me contou, num tom de desabafo, que está correndo de notícias políticas. Anda de saco (coisa que não tem) cheio desse tema. Como é muito sarcástica, me disse que carrega um dramin na bolsa para evitar náusea e vômito decorrentes do assunto. Da tal da CEI – Comissão Especial de Investigação – nem quer ouvir falar. Disse que prefere ver o tinhoso chupando manga e soltando pum a falar sobre o assunto.
“Vire e mexe, a gente ouve falar de criação de CEI na Câmara Municipal de Goiânia. Muitas, no entanto, terminam sem saber nadica de nada do assunto que gerou a criação delas visando à defesa dos interesses públicos”, contou. Disse mais: “Muitos vereadores integrantes da CEIs apenas buscam espremer o prefeito para que ele atenda algum desejo de ordem pessoal deles”. Lobo me relatou que esse imbróglio tem a ver com a frase atribuída ao famoso filósofo Sócrates: “Só sei que nada sei”. Disso tirei o título para esta crônica. Steve Jobs, o mago da Apple, que morreu em 2011, era tão fã do filósofo que chegou a dizer: “Trocaria toda a minha tecnologia por uma tarde com Sócrates”. Eu também trocaria toda a minha tecnologia em enxergar borboletas e passarinhos por uma tarde com o filósofo.
Lobo se diz a favor da cobrança da taxa de lixo. Concordo com ela. O problema de lixo é um assunto bem antigo em Goiânia. A prova disso está nas páginas de inúmeras edições do jornal “Cinco de Março”, criado em março de 1959, isso em decorrência de uma ação violenta da polícia contra estudantes que protestavam contra o aumento da passagem de ônibus. O porrete comeu feio no lombo dos estudantes justamente no dia 5 de março.
Quem quiser checar a informação sobre o problema antigo de lixo na Capital basta ir à hemeroteca do Instituto Histórico de Geográfico de Goiás. Lá estão as páginas do respectivo jornal. Há outros disponibilizados na hemeroteca, criada na administração do Midas da gestão Jales Guedes Coelho Mendonça, que se encontra à frente da presidência do instituto, realizando uma administração primorosa. E isso, faz-se necessário dizer, sem que ele saia a mendigar dinheiro público, mas apenas batendo na porta do setor privado.

Entendo que pior que pagar a taxa de lixo é a destinação de emendas impositivas a entidades sem eira nem beira ligadas a edis que as disponibilizam. A Câmara Municipal está igual biruta de aeroporto… Em 18 de dezembro de 2024, nos instantes finais da gestão de Rogério (que foi pregado na cruz por não ter sido “temido”, como recomendou Nicolau Maquiavel em “O Príncipe”), a Casa aprovou a taxa de lixo. O vento mudou de direção: a Casa, em 29 de agosto deste ano, votou com a aprovação de 20 edis pela revogação da tal taxa. Esse angu de caroço deixa a gente, povão, descrente na seriedade dos nossos representantes legislativos.
O que precisa acontecer mesmo é a cidade ficar limpa tanto da sujeira real como (essencialmente) da figurada, em que nossos representantes políticos agem como ovelhas na frente das câmeras e atrás da moita se mostram como verdadeiramente são: lobos famintos. Não estou generalizando. E nós, cidadãos, precisamos também se envolver no impedimento da sujeira real. No dia em que encontrei Ângela Lobo no parque, vi uma senhora recolher o cocô do seu cachorrinho e jogar na primeira moita que encontrou. Logo adiante havia uma lixeira. Precisamos também ficar atentos com os atores da sujeira figurada de modo a excluí-los de nossas escolhas eleitorais. Felizmente temos a opção de escolha, o que nos é assegurado pela nossa Constituição, a qual o presidente da República anterior queria rasgar e agora está vendo a vó pela greta por seu gesto “democraticida”, que envolvia até assassinatos.
A farra com dinheiro público no Congresso ficou marcada pelas chamadas “emendas pix”. O mecanismo permitia que deputados destinassem recursos a municípios de estados onde nem sequer foram eleitos. Há parlamentares goianos nesse cenário. Em 2024, o STF — por meio do ministro Flávio Dino — determinou o fim desse tipo de repasse sem plano de trabalho definido, mas a Polícia Federal segue investigando os casos. O esquema teve origem em 2020, quando o então presidente Jair Bolsonaro, em troca de apoio do Centrão — bloco que ele antes classificava como “o que há de pior” no Congresso —, autorizou a ampliação desses repasses. De pouco menos de R$ 1 bilhão, o montante disparou para quase R$ 3,4 bilhões.
Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza
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