Para advogada, espetacularização desnecessária do processo penal pode expor suposta vítima a outras formas de violência durante o processo

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O desfecho do julgamento do empresário André de Camargo Aranha, acusado de cometer o crime de estupro de vulnerável contra a promotora de eventos Mariana Ferrer, de 23 anos, durante uma festa no Beach Club Café de La Musique, em Jurerê Internacional, no ano de 2018, movimentou o País nesta terça-feira, 3. Análises de advogados e juristas, formadores de opinião, políticos — até o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), se posicionou sobre o caso — e o repúdio da sociedade inundaram as redes sociais.

André foi considerado inocente após o juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, aceitar a argumentação do promotor Thiago Carriço de Oliveira de que não ficou comprovado na análise das provas incluídas no processo que, durante o ato sexual, a jovem não estava em condições de consentir a relação, o que foi chamado de “estupro culposo” por parte da imprensa.

“Neste caso, em conclusão, tem-se por comprovada a relação sexual mediante conjunção carnal e atos libidinosos diversos. Todavia, é duvidosa a situação de vulnerabilidade da vítima”, alegou o promotor no parecer emitido em 10 de agosto de 2020 que consta como parte do processo.

Decisão do juiz

Na sentença, o magistrado decidiu que “não há provas contundentes nos autos a corroborar a versão acusatória, a não ser a palavra da vítima”. “Sendo assim, a meu sentir, o relato da vítima não se reveste de suficiente segurança ou verossimilhança para autorizar a condenação do acusado”, explicou no processo o juiz.

Segundo advogados ouvidos pela reportagem, a sentença, em tese, pode ser submetida ao Tribunal de Justiça, caso o promotor ou a própria vítima recorra, esta última como assistente de acusação por meio de seu advogado. A sentença pode ainda ser reformada ou anulada. Em caso de anulação, o julgamento é zerado, enquanto a reforma consiste em o Tribunal dar outra decisão no lugar da atual.   

Para a advogada criminalista Izadora Wercelens, houve uma excessiva veiculação da figura da vítima. Wercelens lembra que André de Camargo Aranha foi denunciado por estupro de vulnerável (quando a vítima está sob efeito de álcool ou de algum entorpecente e não é capaz de demonstrar consentimento ou de se defender). No entanto, durante a instrução, o advogado tentou desconstituir os elementos apresentados na acusação.

Tipificação do crime

A advogada aponta que um membro do Ministério Público, em suas alegações finais – última peça processual para apresentar os argumentos jurídicos -, traz a nomenclatura “crime culposo”, por entender que o estupro de vulnerável só é praticado na modalidade dolosa. “Acredito que a denominação tenha sido usada para ilustrar o que o Código Penal não prevê”, detalha Wercelens.

“Em nosso Código não temos a previsão do estupro culposo, já que o estupro só acontece com a vontade. No Direito, chamamos isso de finalidade específica do agir, ou seja, o dolo. Como isso não teria ficado demonstrado, existiu a atipicidade da conduta. Isso gerou uma indignação e insatisfação na sociedade”, analisa Izadora.

A advogada criminalista diz acreditar que o caminho agora é, se houver assistência à acusação (quando um advogado acompanha a vítima), que haja recurso no prazo estabelecido, para apontar os elementos e provas consubstanciadas que possibilitem que a matéria seja rediscutida. “Temos que esperar o prazo, mas acredito que o processo seja analisado por desembargadores do Tribunal de Justiça de Santa Catarina”, aponta.

Advogada criminalista Izadora Wercelens explica que a ação penal por estupro de vulnerável depende de recurso da acusação para ser analisada na segunda instância | Foto: Reprodução

Espetacularização desnecessária

“Existe uma espetacularização desnecessária do processo penal, principalmente em relação aos crimes contra a mulher. Isso faz com que a vítima se torne vítima outras inúmeras vezes durante o processo”, defende Izadora. A advogada avalia que, no caso Mariana Ferrer, a vítima terá sua figura associada ao processo penal. “O direito à personalidade e à intimidade deveriam ser resguardados de modo que a vítima consiga reconstruir sua vida”, pontua.

A promotora de eventos, que tinha 21 anos na época do suposto crime, teve sua declaração de que era virgem e postagens na internet expostas pelo advogado de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, durante o julgamento. “Tu vive disso? Esse é teu criadouro, né, Mariana? A verdade é essa, né? É teu ganha pão a desgraça dos outros? Manipular essa história de virgem?”, disse Gastão enquanto mostrava fotos da jovem durante audiência da ação penal.

Em determinado momento, o advogado de defesa afirma que jamais teria uma filha do “nível” de Mariana. E diz: “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”. Ao sofrer diversos ataques, Mariana chora e reclama do tratamento recebido do juiz. “Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente! O que é isso?” As imagens do constrangimento sofrido pela jovem foram reveladas pelo site The Intercept Brasil.