Carnaval e ativismo: bloco de rua mescla diversão e luta contra violência de gênero
26 janeiro 2020 às 14h00
COMPARTILHAR
Coletivo “Não é Não” celebra respeito, natureza, diversidade, autonomia e liberdade do corpo
Seja pelos tradicionais desfiles de escolas de samba ou pelo blocos de rua, o Carnaval é umas das festas populares mais comemoradas no Brasil. A criatividade é um elemento imprescindível na hora de festejar e cada cidade dá seu toque especial para a comemoração. Fantasias, marchinhas, danças e alegria acompanham trios elétricos pelas ruas das cidades brasileiras todos os anos.
Apesar da diversão que mobiliza milhares de pessoas, o período carnavalesco traz um longo histórico de violência, sobretudo, contra as mulheres. De acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres do governo federal, o “Ligue 180” recebeu 109 denúncias de violência sexual em todo o ano de 2019, das quais 58 foram feitas durante o carnaval.
A estudante Ysabella Portela, 24, relatou que procura sempre ficar ao lado de mulheres ou conhecidos na hora de festejar e que já foi importunada durante o carnaval. “A gente estava saindo do banheiro, acompanhada de amigas e um cara deu um tapa na minha bunda. Olhei para trás e gritei, ele fingiu que não era com ele, começou a rir”.
A falsa sensação de que tudo é permitido abre brechas para extrapolar os limites.
“Assédio não é só passar a mão em você. Assédio também pode ser verbal e muita gente não tem consciência disso. Tem homens que vão nesse tipo de evento só para poder se aproveitar de meninas bêbadas” ressaltou a estudante Erika Coimbra, 21.
“O divino é a própria natureza”
Em Goiânia, o Bloco Não é Não, iniciado na Cidade de Goiás, foi festejar pela primeira vez nas ruas da capital em 2019. No manifesto publicado pelo grupo, as mulheres defendem a “alegria como uma trincheira”. Parafraseando o cantor Alceu Valença, elas afirmam que se uniram para “Fazer o riso tremer o medo. Fazer o medo virar sorriso”.
Manifesto do Bloco Não é Não
por Cida Alves
Estamos aqui para “defender a ALEGRIA como uma trincheira”.
A alegria, o prazer, a sensualidade e a sexualidade estão a serviço da vida. Defenderemos a VIDA, a LIVRE passagem de nossas meninas e mulheres pelas ruas, pelo mundo.
Gracias poeta Mario Benedetti!
Somos herdeiras de VALENTES, ao longo de séculos, mulheres sofreram as mais pesadas penas e algumas deram suas vidas por nossa libertação.
Hoje, em tempos obscuros, seja por gratidão ou compromisso, devemos dar marcha às lutas destas mulheres valentes.
Hoje, em tempos de carnaval, devemos – por amor às nossas filhas e por responsabilidade com o futuro, gritar pelo direito à ALEGRIA.
“O erotismo é uma das bases do conhecimento de nós próprios, tão indispensável como a poesia”
Merci Anaïs Nin!
Viver sem medo, brincar sem medo, amar sem medo!
Nossas mulheres têm o direito de brincar livremente a festa da carne!
Não vamos recuar um passo, ergueremos trincheiras!
Nossos corpos não serão cobertos pela mortalha da repressão sexual.
Sexo não é sujo.
Nossa nudez não é feia.
Nenhuma nudez será castigada!
Nossos corpos e desejos são puro brilho e purpurina.
Escandaloso e horrendo é a violência, a crueldade!
Há muito tempo se sabe que a violência sexual e a repressão sexual são faces de uma mesma moeda. As aparências não enganam não, por ações e palavras distintas ambas querem minar ou barrar o avanço da autonomia da mulher. Por isso vamos botar o nosso bloco na rua para:
“Fazer o riso tremer o medo.
Fazer o medo virar sorriso”.
Obrigada Alceu Valença!
Não é Não, porque defendemos a ALEGRIA da não sujeição.
Não é Não, porque defendemos a AUTONOMIA de nossos desejos.
Fique esperto, estamos atentas e fortes, nossa sensualidade e a livre expressão de nosso erotismo não serão mercantilizados por sua ganância e arbítrio.
Sabemos o que queremos e quem queremos!
Nossos corpos, nossos desejos não serão colonizados!
A caminhada foi longa e juntas somos FORTES.
Seu dedo em riste não nos assustam!
Seu olhar carola e repressor não nos intimidam!
Não nos toque sem o nosso consentimento.
Estamos juntas uma pela outra e como muralhas de lantejoulas, fitas de cetim e purpurina desafiamos sua ordem arbitrária e sua violenta cobiça sobre nossos corpos.
Não é Não!
De acordo com a co-fundadora do grupo, a psicóloga Cida Alves, a adesão goianiense ao bloco foi instantânea e imensa. A segurança de participar de uma festa em que a premissa é o combate à violência atrai crianças, LGBTs, senhoras e uma diversidade de pessoas que participam do festejo ao lado das ativistas. “Nós vamos às ruas para reafirmar o nosso direito de celebrar a nossa carne. É lindo de ver” declarou Cida Alves.
Cerca de 54 pessoas, majoritariamente mulheres, compõem o coletivo Não é Não, que promove festas para além do carnaval. A jornalista e escritora Nonô Noleto, 71, que integra o grupo desde 2019, afirmou que durante todo o ano elas participam de atividades de empoderamento feminino, mesclando diversão e conscientização. Ao longo do ano também arrecadam dinheiro para o sustento do bloco, através de doações e eventos que realizam.
“A proposta do grupo é trabalhar a não violência contra a mulher, pegando o viés do lúdico, do carnaval, onde a mulher é violentada porque consideram que a exposição do seu corpo é um convite ao assédio e isso é que nós falamos ‘não’. Cada uma expõe e se curte e se coloca na brincadeira do carnaval onde quiser e como quiser e tem que ser respeitada” explicou Nonô.
Em 2020, o Bloco Não é Não volta para as ruas goianienses e dessa vez vai abordar a relação do ser humano com o meio ambiente. “Queremos trazer a perspectiva dos povos originários, de cosmovisões, da Mãe-Terra e mostrar que o divino é a própria natureza” ressaltou Cida Alves.