Câmara aprova ‘PL da Devastação’ e abre caminho para desmonte do licenciamento ambiental no Brasil

17 julho 2025 às 09h37

COMPARTILHAR
Em uma sessão marcada por protestos e uma tramitação relâmpago no meio da madrugada, a Câmara dos Deputados aprovou, nesta quinta-feira, 17, o Projeto de Lei nº 2.159/2021, também conhecido como “PL da Devastação”, que altera as regras do licenciamento ambiental no Brasil. Por 267 votos a favor e 116 contra, os parlamentares deram aval a uma proposta que ambientalistas e movimentos sociais classificam como um “retrocesso histórico” na proteção dos biomas brasileiros.
A votação, iniciada por volta das 23h45 de quarta-feira, foi concluída pouco antes das 2h da manhã, em um formato híbrido, com parte dos deputados no plenário e outros participando remotamente.
Apesar dos esforços da base governista para barrar o avanço da matéria, a proposta foi aprovada com apoio majoritário da bancada ruralista e de setores ligados à mineração e petróleo. A derrota do governo reforça a ofensiva do Congresso conservador, que já havia imposto derrotas importantes ao Planalto, como a aprovação do marco temporal para terras indígenas. O resultado foi proclamado oficialmente às 3h40, selando mais uma vitória da chamada “bancada do boi”.
O texto aprovado inclui duas emendas que preocupam ao máximo especialistas em meio ambiente. A primeira delas autoriza atividades de mineração com base em regras flexibilizadas de licenciamento, mesmo sendo um setor historicamente apontado como de alto impacto ecológico.
A segunda, de autoria do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), cria um prazo máximo de um ano para que órgãos ambientais se manifestem sobre empreendimentos considerados estratégicos, como a exploração de petróleo na margem equatorial, região sensível e ainda pouco estudada da costa brasileira.
O PL 2.159/2021, representa uma guinada radical na política ambiental nacional. O projeto institui a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) como mecanismo central para autorizar empreendimentos, inclusive de médio impacto, sem que haja análise técnica prévia ou estudos aprofundados. A nova lógica permite autodeclarações de empresários, além de renovações automáticas e ampla possibilidade de dispensa do licenciamento.
Técnicos do setor alertam que o texto ignora o princípio da precaução, desconsidera jurisprudências do Supremo Tribunal Federal (STF) e fragiliza as condicionantes ambientais exigidas atualmente.
Além disso, o projeto transfere para estados e municípios a prerrogativa de definir, de forma independente e sem diretrizes nacionais unificadas, que atividades estão sujeitas ao licenciamento. Na prática, essa descentralização pode criar uma espécie de “guerra ambiental federativa”, em que estados mais permissivos podem atrair empreendimentos à custa do meio ambiente.
Outra preocupação é a ameaça a comunidades tradicionais, o texto abre espaço para que áreas ocupadas por povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos sejam alteradas sem necessidade de licenciamento prévio.
Parlamentares de esquerda tentaram adiar a discussão, mas os requerimentos de retirada de pauta e de adiamento foram derrotados. Indignada, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) denunciou o caráter sigiloso da votação: “Congresso inimigo do povo, votando uma matéria dessas na calada da noite. Eu sei qual será o resultado desta votação, mas nós estamos aqui para fazer a luta”.
Em tom igualmente alarmado, a deputada Duda Salabert (PDT-MG) alertou para os impactos diretos da proposta: “Se esse PL aqui for aprovado agora, 86% dos projetos de mineração e suas barragens em Minas Gerais serão aprovados de forma automática. Do ponto de vista ambiental, social e econômico, esse projeto é uma tragédia, que vai abrir caminho para que os crimes que aconteceram em Mariana e Brumadinho se repliquem no Brasil. Por isso, somos contra o ‘PL da Devastação’”.
A reação da sociedade civil também foi contundente. Mais de 350 entidades, incluindo movimentos populares, organizações indígenas, instituições acadêmicas, sindicais e ambientalistas, se uniram em um manifesto conjunto contra o projeto.
A carta, entregue a parlamentares e integrantes do governo, reúne assinaturas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Observatório do Clima, entre outros. Os signatários argumentam que o PL ameaça conquistas históricas na área ambiental e pode abrir as portas para uma escalada sem precedentes do desmatamento.
A proposta, antes de virar lei, seguirá para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), declarou que o presidente Lula deve vetar parte dos dispositivos aprovados. Se for sancionada na íntegra, a nova lei pode colocar sob ameaça de degradação uma área maior do que o território da Grécia, conforme alertam organizações ambientalistas.
Leia também:
Aparecida de Goiânia tem cerca de 70 mil lotes vagos e vira desafio para a zeladoria da cidade
Alexandre de Moraes valida decreto de Lula sobre IOF, com exceção ao “risco sacado”