O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), adiou nesta terça-feira, 11, a votação do Projeto de Lei Antifacção, que endurece regras contra o crime organizado. A votação foi remarcada para quarta-feira, 12, após tentativas de construir consenso entre o relator, Guilherme Derrite (PP-SP), e as principais lideranças partidárias.

O adiamento atendeu a um pedido do governo, segundo confirmou o líder da base na Câmara, José Guimarães (PT-CE). “O presidente Hugo Motta atendeu ao nosso pedido para não votar a matéria hoje. Vamos construir o entendimento até a noite”, afirmou Guimarães ao portal Metrópoles.

A proposta é alvo de críticas de parlamentares governistas por alterar regras de atuação da Polícia Federal (PF) no combate a facções criminosas. Em versões anteriores, Derrite previa que a PF só poderia atuar com as polícias estaduais mediante pedido formal de governadores, o que gerou reação negativa dentro e fora do governo.

Após as críticas, o relator recuou e manteve a competência da corporação, mas inseriu um novo requisito: a PF deverá comunicar todas as operações às autoridades estaduais competentes.

  • O novo texto estabelece que a atuação da Polícia Federal poderá ocorrer:
  • Por solicitação fundamentada do delegado de polícia estadual ou do Ministério Público estadual;
  • Por iniciativa própria, desde que haja comunicação às autoridades estaduais.
  • Governo busca acordo com relator e Justiça

A falta de consenso levou Motta a convocar novas rodadas de diálogo entre líderes partidários. O presidente da Câmara também deve se reunir com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, para discutir ajustes no texto.

Segundo Guimarães, o governo pretende negociar até o último minuto para evitar rupturas na base e garantir que o projeto não afete a autonomia da PF. “Estou otimista. Se for preciso, vamos madrugada adentro para fechar um acordo”, disse o líder.

A expectativa é de que o texto seja votado ainda nesta semana, caso haja entendimento entre as bancadas.

Críticas do governo

Integrantes do governo federal reagiram negativamente às alterações feitas por Derrite no texto do PL Antifacção. Além de considerarem que o relatório restringe a atuação da Polícia Federal nas investigações contra o crime organizado, há discordâncias sobre outros pontos centrais:

  • Equiparação de facções a grupos terroristas, o que poderia gerar repercussões diplomáticas e econômicas;
  • Aplicação da mesma pena (de 20 a 40 anos) para todos os envolvidos com facções e milícias, sem distinguir o grau de participação;
  • Novas regras de progressão de regime, que exigem o cumprimento de até 85% da pena antes da progressão;
  • Destinação dos bens apreendidos para fundos estaduais de segurança pública, medida que o governo teme incentivar disputas por recursos.

O projeto original havia sido elaborado por um grupo de trabalho do Ministério da Justiça, a pedido do ministro Ricardo Lewandowski, e previa o endurecimento das punições, mas dentro da Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013). Derrite, no entanto, optou por alterar a Lei Antiterrorismo (13.260/2016), o que ampliou as críticas.

Entre os pontos mais controversos está o que previa que a PF só poderia atuar mediante provocação dos governadores, o que, segundo integrantes da corporação, fere a Constituição. Após o recuo, Derrite ajustou o texto para permitir a atuação da PF em cooperação com as polícias estaduais, mas manteve a exigência de comunicação prévia, o que a direção da PF também rejeita.

“Não há e não haverá acordo que implique em supressão das atribuições e autonomia da Polícia Federal”, afirmou o diretor-geral Andrei Rodrigues em nota.

Além disso, técnicos do Ministério da Justiça criticam a falta de proporcionalidade nas penas e o risco de inconstitucionalidade nas regras de progressão de regime. A pasta também vê perigo na criação de fundos estaduais com dinheiro de apreensões, o que, na avaliação do governo, pode gerar incentivos perversos na atuação policial.

Resposta da PF

A PF afirmou, em nota, que “acompanha com preocupação as alterações produzidas pelo relatório sobre o Projeto de Lei Antifacção”. A corporação também disse que o projeto original visa “endurecer o combate ao crime e fortalecer as instituições responsáveis pelo enfrentamento às organizações criminosas. Entretanto, o texto em discussão no Parlamento ameaça esse propósito ao introduzir modificações estruturais que comprometem o interesse público”.

Além disso, a Polícia Federal diz que as alterações, somadas à supressão de competências da Polícia Federal, “compromete o alcance e os resultados das investigações, representando um verdadeiro retrocesso no enfrentamento aos crimes praticados por organizações criminosas, como corrupção, tráfico de drogas, desvios de recursos públicos, tráfico de pessoas, entre outros”.

Leia a nota na íntegra:

A Polícia Federal acompanha com preocupação as alterações produzidas pelo relatório sobre o Projeto de Lei Antifacção, atualmente em debate no Congresso Nacional.

A proposta original, encaminhada pelo Governo do Brasil, tem como objetivo endurecer o combate ao crime e fortalecer as instituições responsáveis pelo enfrentamento às organizações criminosas. Entretanto, o texto em discussão no Parlamento ameaça esse propósito ao introduzir modificações estruturais que comprometem o interesse público.

Pelo relatório apresentado, o papel institucional histórico da Polícia Federal no combate ao crime — especialmente contra criminosos poderosos e organizações de grande alcance — poderá sofrer restrições significativas. A execução de operações pela Polícia Federal dependeria de solicitação do governo estadual da região investigada, o que constitui um risco real de enfraquecimento no combate ao crime organizado.

Essa alteração, somada à supressão de competências da Polícia Federal, compromete o alcance e os resultados das investigações, representando um verdadeiro retrocesso no enfrentamento aos crimes praticados por organizações criminosas, como corrupção, tráfico de drogas, desvios de recursos públicos, tráfico de pessoas, entre outros.

É importante ressaltar que, em agosto, a Polícia Federal realizou a maior operação contra o crime organizado da história do país. Pelas regras propostas no relatório em discussão, operações como essa estariam sob ameaça de não ocorrerem ou de terem seus efeitos severamente limitados.

A Polícia Federal reafirma que continuará defendendo suas atribuições constitucionais e a preservação da sua autonomia funcional, a fim de garantir o cumprimento da lei e a defesa da sociedade brasileira.

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