O Congresso Nacional derrubou, na quinta-feira, 27, os vetos do presidente Luís Inácio Lula da Silva, a 63 dispositivos da Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei 15.190/2025). Conhecida como “PL da Devastação”, a nova norma, agora prestes a ser promulgada integralmente, esvazia mecanismos de controle, simplifica procedimentos para atividades de alto impacto e institui modalidades de autodeclaração para obtenção de licenças.

A decisão parlamentar, que contrariou apelos expressos do Palácio do Planalto e de entidades ambientalistas, ocorre menos de uma semana após o Brasil buscar se consolidar como líder global na COP30, conferência do clima da ONU realizada em Belém.

Por maioria de votos em ambas as Casas, os parlamentares consolidaram o texto original aprovado pelo Legislativo. Na Câmara, o placar foi de 295 votos pela derrubada contra 167 pela manutenção dos vetos. Posteriormente, no Senado, a medida foi ratificada com 52 votos a favor e 15 contrários.

A articulação para a votação foi liderada diretamente pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), principal interessado na nova legislação.

Consequentemente, retornam ao texto legal trechos que tratam da dispensa e simplificação do licenciamento ambiental, além de modificar a função dos órgãos federais, estaduais e municipais nesses processos. Imediatamente, o resultado foi classificado como uma severa derrota para a agenda ambiental do governo.

“A derrubada dos vetos contradiz o esforço ambiental e climático do governo que acaba de realizar a COP30. Uma péssima notícia”, afirmou a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, nas redes sociais.

O conteúdo da lei e os pontos críticos restaurados

A derrubada dos vetos significa, na prática, o fim do sistema de licenciamento ambiental como era conhecido. Os procedimentos convencionais, que envolvem análise prévia de impactos e controle sistemático pelos órgãos competentes, tornam-se agora uma exceção.

Diante disso, organizações da sociedade civil já anunciaram medidas judiciais para contestar a constitucionalidade da lei. Uma Nota Técnica do Observatório do Clima, rede que congrega dezenas de organizações ambientalistas, institutos de pesquisa e movimentos sociais, aponta que, dos 66 artigos do PL aprovado, 42 contêm inconstitucionalidades ou retrocessos ambientais.

Dentre os principais pontos restaurados pelo Congresso, destacam-se:

  • Licença por Adesão e Compromisso (LAC): A modalidade, que funciona como uma espécie de autolicenciamento, vira regra. Por meio dela, atividades consideradas de baixo e médio porte, ou com baixo e médio potencial poluidor, podem obter licenças mediante o preenchimento de um formulário online, onde o empreendedor assume, por “boa-fé”, o compromisso de seguir as regras. Segundo o governo, essa brecha poderá beneficiar inclusive obras com “risco relevante” ao meio ambiente, como barragens de rejeito. O STF já possui decisões contrárias a medidas similares implantadas em legislações estaduais.
  • Dispensa de licenças: A lei concede isenção automática de licenciamento para 13 atividades econômicas. A lista inclui agricultura, pecuária, “manutenção e melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes” e sistemas de tratamento de água e esgoto. Ademais, os parlamentares decidiram livrar de licença ambiental as obras de saneamento básico até o atingimento de metas de universalização.
  • Flexibilização na Mata Atlântica: Um dos biomas mais ameaçados do país perde proteção. A nova regra permite desmatamento sem análise prévia dos órgãos ambientais estaduais ou federais, abrindo brecha para que municípios, mesmo sem estrutura técnica adequada, possam autorizar o corte de vegetação.
  • Desconsideração de áreas protegidas: Terras Indígenas e territórios quilombolas cuja regularização fundiária não foi concluída não serão considerados nos processos de licenciamento de empreendimentos que os impactem. Unidades de Conservação só serão levadas em conta se o impacto for considerado direto. Especialistas alertam que mais de 80% das áreas quilombolas com titulação em andamento e cerca de 32% dos territórios indígenas em processo de reconhecimento seriam ignorados.
  • Autonomia para Estados e Municípios: A norma confere poder ampliado para que estados e municípios estabeleçam seus próprios critérios e listas de isenção para o licenciamento. Especialistas temem que isso provoque uma “guerra ambiental”, onde entes da Federação compitam para flexibilizar suas regras e atrair investimentos, gerando caos regulatório e insegurança jurídica.
  • Condicionantes ambientais: O texto aprovado pretende isentar empreendimentos privados do cumprimento integral das “condicionantes ambientais”, que são obrigações para prevenir, reduzir e reparar impactos. Dessa forma, a conta dos danos socioambientais pode ser transferida para a população e os cofres públicos.

O Licenciamento Ambiental Especial (LAE) e os interesses em jogo

O Licenciamento Ambiental Especial (LAE) cria um processo simplificado de uma única etapa para liberação de obras consideradas “estratégicas”. Articulado pessoalmente pelo senador Davi Alcolumbre, o LAE permitiria que atividades, independentemente de seu impacto ambiental, fossem liberadas de forma célere, pulando etapas fundamentais do processo regular, que prevê estudos detalhados e três tipos de licença.

A modalidade é de interesse direto de Alcolumbre para facilitar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, região que engloba seu estado de origem, o Amapá. 

Para a bancada do agronegócio e de mineração, que atuou de forma coordenada para derrubar os vetos, os novos procedimentos representam a desburocratização necessária para destravar obras de infraestrutura e agilizar empreendimentos. Eles argumentam que a lei anterior engessava o desenvolvimento econômico.

Contudo, para entidades socioambientais, a medida consolida um cenário de risco e impunidade.

“O Congresso acabou de enterrar o licenciamento ambiental, ao derrubar os vetos do Poder Executivo”, criticou Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC). Em nota, a maior rede de organizações ambientalistas do país confirmou que deverá entrar com uma ação contra a nova legislação.

Insegurança jurídica e consequências ambientais

“Mantendo essa lei como ficou hoje, teremos uma alta insegurança jurídica e o enfraquecimento da proteção socioambiental. Não haverá outra saída a não ser judicializar essa norma nascida inconstitucional”, alerta a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Alice Dandara de Assis Correia.

“O Congresso hoje concretizou a institucionalização do racismo ambiental e a ampliação dos conflitos em territórios de comunidades indígenas e tradicionais”, completa. Esta avaliação é compartilhada por movimentos sociais que veem a aprovação da lei como um aceno a um modelo de desenvolvimento que prioriza interesses econômicos setoriais em detrimento de direitos historicamente conquistados.

A percepção é que a nova lei imuniza megaempreendimentos contra contestações jurídicas, técnicas e sociais, conferindo um selo de aprovação “pública” a um processo de “autolicenciamento”. Na prática, isso transforma prognósticos de lucratividade em quase-certezas para setores intensivos em recursos naturais, mas à custa do rebaixamento generalizado das normativas ambientais.

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