Na noite da última terça-feira, 12, a cerimônia de colação de grau da Escola de Música e Artes Cênicas (Emac), da Universidade Federal de Goiás (UFG), ganhou um brilho especial. A turma de Teatro Licenciatura 2025/2 escolheu a atriz e professora aparecidense Ludmyla Marques, de 37 anos, como docente homenageada.

O reconhecimento marcou o encerramento de seu contrato como professora substituta na instituição, após um ano e nove meses de atuação. Para ela, o gesto dos estudantes simboliza não apenas a valorização de sua trajetória profissional, mas também a reafirmação da importância das políticas públicas de inclusão no ensino superior.

Durante a solenidade, presidida pela reitora Angelita Pereira de Lima, os formandos receberam seus diplomas e celebraram o fechamento de um ciclo acadêmico. A presença de Ludmyla na tribuna de honra, destacada pelos próprios alunos, tornou-se um dos momentos mais emocionantes da noite.

A reitora enfatizou que homenagens dessa natureza reforçam o papel dos professores na formação crítica e humana dos novos profissionais. Ela também lembrou que, em 2025, a UFG passou a integrar o seleto grupo das vinte universidades federais de excelência reconhecidas pelo Ministério da Educação (MEC).

Em entrevista ao Jornal Opção, Ludmyla revelou que soube da homenagem no dia 15 de julho, justamente quando encerrava oficialmente seu contrato com a universidade. A notícia, segundo ela, trouxe um sentimento de fechamento de ciclo repleto de significado.

“A homenagem veio como um fechamento de ciclo, mas também como uma forma de reconhecimento pelo trabalho, pela conexão com os estudantes, pela oportunidade de ocupar um espaço, que é um espaço importante para quem faz pesquisa, para quem faz arte em Goiás”, destacou.

A atriz recordou sua própria caminhada até chegar à docência universitária. Primeira da família a concluir a escola, ingressar em um curso superior e obter o título de mestra, Ludmyla reforçou o simbolismo de sua presença naquele espaço. Ela explicou que sua trajetória, marcada por desafios e superações, conecta-se diretamente às conquistas das gerações anteriores de sua família.

“É como se a gente tivesse, como diz a escritora Conceição Evaristo, quebrando ciclos de submissão e construindo uma história onde pessoas como eu, como a minha família, podemos sonhar e realizar coisas grandes”, afirmou.

Muito além de um tributo pessoal, o reconhecimento da turma representou para a artista uma reafirmação da importância da diversidade e da democratização do ensino superior. Para Ludmyla, políticas públicas como as ações afirmativas foram decisivas para abrir caminhos. “Eu sou fruto de políticas públicas que ampliaram o número de vagas na universidade, que permitiram que a gente pudesse acessar aquele espaço. E não só como uma estudante, mas podendo voltar agora como professora. Isso é simbólico. Mas também é político”, observou.

Na sua avaliação, estar em sala de aula como educadora foi um desafio diário que exigiu dedicação, sensibilidade e compromisso com a formação de futuros profissionais. Ela destacou que a docência vai além do simples repasse de conteúdo: envolve mediação de processos de socialização, estímulo à reflexão crítica e incentivo à criação. Ao refletir sobre o período na UFG, ressaltou: “Ali a gente está para formar profissionais, mas mais do que isso, a gente está promovendo processos de socialização. (…) É conseguir dialogar com esses estudantes e manejar esses conteúdos para que a prática e a teoria não se desconectem”.

Com mais de 15 anos de experiência no teatro, Ludmyla tem conciliado carreira artística e acadêmica de maneira intensa. Atualmente, prepara-se para iniciar o doutorado em pedagogia do teatro, área em que já desenvolveu pesquisas desde a graduação e no mestrado. Paralelamente, mantém forte atuação em projetos culturais, seja no palco, no cinema ou na música.

“Acabo de filmar uma série sob direção de Gabriel Newton, da Setup Filmes. Produzi o clipe da banda Boogarins, dirigido por Patrick Mendes, e agora entro em circulação nacional com o espetáculo ‘Caixa Mundo Eu’. Valorizo muito a possibilidade de aliar a carreira acadêmica à produção cultural, porque acredito que teoria e prática são indissociáveis”, explicou.

Sua rotina atual inclui uma circulação nacional de espetáculos, a preparação de novas obras audiovisuais aprovadas pela Lei Federal de Incentivo à Cultura e o desenvolvimento de trabalhos que dialogam com a infância, a memória coletiva e as raízes goianas. Para ela, equilibrar a agenda acadêmica e artística exige disciplina, mas traz recompensas valiosas. Além disso, mantém vivo o desejo de levar seus projetos a diferentes estados brasileiros, ampliando o alcance de sua produção.

Natural de Goiânia e moradora do Jardim Tiradentes, em Aparecida, desde o primeiro ano de vida, Ludmyla começou sua trajetória no teatro comunitário ainda na adolescência. Ela atribui ao palco a possibilidade de romper estatísticas e enxergar novos horizontes. Aos 15 anos, em uma experiência artística no bairro, descobriu o encantamento pelo teatro e decidiu que aquela seria sua vida. Essa conexão permanece até hoje, alimentando sua atuação como atriz e educadora.

Mais recentemente, Ludmyla também recebeu o título de Destaque Cultural de Aparecida de Goiânia, concedido pela Secretaria Municipal de Cultura, reconhecimento que se soma às homenagens da UFG. Para ela, os prêmios reforçam que seu trabalho tem repercussão não apenas individual, mas coletiva. “Eu penso que é uma forma de voltar para casa, trazendo para a minha família também um reconhecimento, porque eu acredito que essa trajetória é construída coletivamente. Sem a minha família, sem o meu bairro, minha vizinhança, eu não teria podido estudar”, pontuou.

Ao olhar para trás, Ludmyla vê sua trajetória como um percurso repleto de obstáculos, mas também de conquistas que transformaram não apenas sua carreira, mas sua vida. Entre os sonhos que ainda pretende realizar, está o de circular o Brasil com seus espetáculos, conectando-se com diferentes públicos e ampliando o diálogo cultural. “Meu grande sonho é poder passar pelo máximo de cidades e estados do Brasil, levando o meu trabalho e me conectando com artistas, com pessoas que gostam de teatro, que se interessam”, revelou.

Para além do reconhecimento pessoal, a artista ressalta a importância coletiva das ações afirmativas que possibilitaram sua presença na universidade. Segundo ela, ampliar espaços de diversidade transforma não apenas trajetórias individuais, mas também o próprio futuro da educação e da cultura brasileira. “As pessoas da periferia, as pessoas negras têm muito a dizer. O que nos falta muitas vezes é espaço. Se a gente tiver espaço, nós temos muito a contribuir e tornar esse país um lugar melhor para todo mundo que vive aqui”, concluiu.

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