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A crise iraniana

No começo do mês, o governo iraniano alertou o país que, em duas semanas, a capital, Teerã, não teria mais água potável disponível porque as fontes naturais se esgotaram.

O Irã enfrenta uma seca histórica com potencial de se transformar numa tragédia nacional. São 80 milhões de pessoas sem água potável, sem esgoto, sem banho e os aiatolás ainda não sabem o que fazer.

Desde o ano passado, quando choveu apenas metade do esperado, 19 das 31 províncias, além da capital, enfrentam o mesmo drama.

Reservatórios e lagos que abastecem a capital estão completamente secos e operam com a capacidade mínima de apenas 5%.

A situação de calamidade é tão iminente que já existe um plano de evacuação de Teerã, caso não haja solução imediata para o problema.

O líder supremo Ali Khamenei e o presidente Masoud Pezeshkian foram a público e reconheceram a gravidade do momento.

Uma crise que vem se formando há anos sem que nada ou quase nenhuma ação que mitigasse os efeitos da seca fosse tomada. Inércia que poderá levar ao fim o regime iraniano. A água, sua falta, pode ser a causa da debacle do sistema dos aiatolás.

A atual escassez hídrica chega a ser irônica para o Irã, país que criou, há mais de mil anos, um sistema pioneiro conhecido como qanat — que permitia o gerenciamento e uso correto da água por meio de poços artesanais, aquíferos e outros sistemas modernos, eficientes e ecologicamente corretos — como os canais que percorrem toda Teerã com água captada da neve derretida das montanhas que circundam a capital.

A ponte permanece mas o Rio Isfahan secou no Irã
A ponte permanece mas o Rio Isfahan, no Irã, secou | Foto: Reprodução

Um sistema que garante à cidade de 10 milhões de habitantes um ambiente com temperaturas agradáveis o ano todo, mas até isso já não funciona mais devido à escassez de água.

A crise também é produto de outros fatores, como a explosão demográfica, exploração dos recursos naturais em demasia e sua má distribuição — tudo isso se juntou às mudanças climáticas e uma seca prolongada.

O desgoverno e a corrupção que assolam o país também contribuíram para o caos hídrico.

Em 2010, o governo iraniano e a ONU declararam abertamente que havia uma crise à vista.

Em julho de 2013, o ex-ministro da Agricultura Isa Kalantari fez um discurso chamando atenção para o problema. Ele alertou que a crise hídrica que se aproximava seria um desafio muito maior do que qualquer ameaça externa ou interna como as disputas pelo poder que ocorrem entre membros da elite do país.

O ministro encerrou o discurso profetizando o problema que os iranianos enfrentam: “Se nada for feito, o país ficará inabitável no futuro”.

No mês passado, o presidente do Irã, Masoud Pezeshkian, alertou os habitantes de Teerã que, caso as chuvas de dezembro não venham, a capital terá que ser evacuada — um cenário sem precedentes.

Ao regime islâmico, que conduz o país com mão de ferro, restou apenas pedir à população que reze com mais afinco.

A princípio, os aiatolás culparam as mulheres como se fossem a causa do problema hídrico. Porque há uma revolta no país que pede o fim do uso do hijab (o véu que cobre a cabeça). As mulheres estariam decepcionando Alá ao desobedecer ao clérigo.

Depois, culparam a comunidade internacional, principalmente os Estados Unidos, com às sanções econômicas impostas ao país devido ao seu programa nuclear. Por fim, culparam Israel e a guerra que durou 12 dias. Segundo o governo, os bombardeios afetaram a infraestrutura aquífera iraniana.

Agora, que Teerã está à beira do colapso e a caminho do “dia zero” — quando não haverá nem mais uma — gota d’água a oferecer à população, ao regime dos aiatolás restou apenas pedir que os iranianos rezem por chuvas abundantes.

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A Turquia está secando

Na semana passada, o papa Leão XIV realizou a primeira viagem papal desde que assumiu o trono de Pedro.

O roteiro foi planejado por seu antecessor, Francisco, que não pôde viajar devido a saúde debilitada. Visava dois países: a Turquia e o Líbano.

O governo turco preparou um roteiro especial para a visita do papa, que ficou quatro dias no país.

O que chamou a atenção durante o tour religioso foi a chegada do papa à cidade de Iznik — onde pôde não só avistar, mas visitar as ruínas da Basílica de São Neófito. Aí acredita-se ter ocorrido o primeiro Concílio Ecumênico — uma reunião entre bispos —, há 1700 anos.

Basílica de São Neófito no Lago Iznik antiga Niceia

A cidade de Iznik antigamente era conhecida como Nicéia. Os cristãos referem-se a este local como o berço da religião já que ali foi realizado o primeiro Concílio, o de Nicéia, onde fora estabelecidos os primeiros fundamentos do cristianismo.

As ruínas da Basílica estiveram debaixo d’água desde o ano 740 — quando um terremoto devastou a região, destruiu o templo e formou um lago natural que agora está quase seco.

Em 2014, as ruínas da Basílica ressurgiram e agora, 12 anos depois desde que emergiu, puderam ser novamente visitadas pelo líder máximo da Igreja Católica.

O fato histórico que marcou a visita do papa à Turquia só aconteceu porque o país vive a pior seca desde os tempos do imperador Constantino — que comandou o Concílio de Nicéia em 325 d.C.

O Iznik, uma das principais fontes de água doce da Turquia, está secando rapidamente. O nível da água já recuou 350 metros. As famosas praias já não existem mais, assim como os ancoradouros que foram abandonados desde que a navegação foi proibida, assim como o uso do aquífero no verão para atividades agrícolas. Mesmo assim, o lago continua secando.

A Turquia passa pela pior seca em mais de meio século. O volume de chuvas diminuiu pelo menos 30% este ano em comparação com as últimas três décadas.

Entre primeiro de outubro de 2024 e 31 de agosto deste ano, a precipitação no país teve uma média de 401,1 milímetros em comparação com os 584,5mm de chuva entre 1991 e 2020, de acordo com o relatório mensal do Serviço Meteorológico Estatal da Turquia.

No sudeste de Anatólia, região turística, repleta de resorts luxuosos, que faz divisa com a Síria, tipicamente árida, a redução das precipitações chegou a mais de 70%.

As regiões mediterrâneas da Turquia não foram poupadas. Marmara e a costa ao longo do Mar Egeu registraram, em 2025, o pior índice no acúmulo de chuvas dos últimos 18 anos.

Perto de Istambul e na capital Ankara, a situação de calamidade é a mesma. Os reservatórios atingiram os níveis mais baixos, em termos de a armazenamento de água, dos últimos 15 anos.

A produção agrícola foi afetada e está ameaçada — se as condições climáticas piorarem ainda mais.

A seca derrubou as safras de trigo e cevada — que impulsionavam as exportações do país.

De acordo com um documento de medição produzido pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, a produção de trigo na Turquia — entre 2025/26 — deverá cair 15%. A colheita deverá registrar uma baixa de mais de 60% em relação ao ciclo anterior, refletindo a estiagem severa nas regiões produtoras.

A grave seca que afeta a Turquia, assim como o Irã, em algumas regiões — como a província de Bursa, a quarta mais populosa do país — já não há mais água potável.

O principal aquífero de Nilufer chegou ao nível zero de água. A população que, há algumas semanas, já enfrentava 12 horas sem água por dia, desde a semana enfrenta as consequências do “dia zero” — que é quando não há mais água para beber.

Porém, diferentemente da inércia do governo iraniano, os turcos correm contra o tempo para evitar uma calamidade. Por isso estão abrindo canais que vão levar água de outros lagos que ainda possuem água para a região de Bursa nos próximos dias.

Mesmo assim, o ditador Recep Taype Erdogan pediu à população que reze e peça a Alá o retorno das chuvas.

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Afeganistão: colapso à vista

Cabul, capital do Afeganistão, com cerca de 6 milhões de pessoas, há décadas enfrenta a escassez hídrica.

Segundo a ONU, medições recentes apontam que os reservatórios subterrâneos que abastecem a cidade estão secando e deverão atingir o nível zero nos próximos três anos.

O bombeamento dos lençóis freáticos já supera a recarga natural em cerca de 44 milhões de metros cúbicos por ano. Se continuar neste nível de extração e nada for feito para amenizar a crise, especialistas acreditam que até 2030 Cabul terá que ser abandonada porque não terá como abastecer milhões de habitantes.

Cabul foto reprodução
Cabul, com uma população gigantesca, não tem água | Foto: Reprodução

As causas da crise são uma combinação de fatos como mudanças climáticas, crescimento urbano exagerado, explosão populacional e a frágil gestão dos recursos hídricos.

Soma-se a isso, o clima na cidade — que, nas últimas décadas, tornou-se mais quente e seco.

As chuvas estão cada vez mais escassas na região, o que impede que os aquíferos naturais possam encher novamente.

Em Cabul, cerca de 90% da população depende de poços perfurados no quintal de casa. Eles estão cada vez mais secos. Além disso, o problema ficou ainda maior desde que o Talibã voltou ao poder em 2021 quando os Estados Unidos deixaram o país.

Rio praticamente seco em Cabul Foto Reprodução ok2

Rio praticamente seco em Cabul | Foto: Reprodução

Boa parte da ajuda internacional foi suspensa e projetos de infraestrutura foram interrompidos.

Desde então, o setor de água e saneamento trabalha com um décimo dos recursos necessários para atender a população. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 80% das pessoas consomem água contaminada por esgoto, salinização e metais como arsênio, que acaba elevando os casos de diarreia, cólera e outras doenças.

Organizações Humanitárias alertam que a crise hídrica em Cabul se tornou, há tempos, uma crise humanitária sem solução a curto, médio ou longo prazo enquanto o país for conduzido pelo grupo terrorista Talibã.

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Solução pode vir de Israel

Durante os quase 20 anos que morei em Israel — para onde fui enviado pela Rede Record, a rede do bispo Edir Macedo, para abrir, gerenciar e trabalhar como correspondente internacional —, acompanhei de perto o drama da seca severa que afetou o país e que agora chegou pra valer aos países da Ásia Central como Irã, Turquia e Afeganistão.

Em 2016, a crise hídrica em Israel quase chegou ao ponto do não retorno.

Dessalinização da água em israel
Dessalinização da água em Israel: um exemplo para o Oriente Médio | Foto: Reprodução

O lago Kineret, conhecido como Mar da Galileia — principal aquífero do país —, chegou ao limite. De tão seco, por pouco não se tornou um lago salgado como o Mar Morto.

A seca trouxe à tona cidades milenares submersas, restos de embarcações do tempo de Jesus, anzóis feitos de argila por pescadores há mais de 2 mil anos podiam ser vistos por toda a superfície do lago, que secava rapidamente.

Nas várias reportagens que realizei na área, pude pular do barco na água bem no meio do “Mar” onde Jesus teria caminhado e onde também caminhei — mais pelo lodo e barro do que na água, que chegava abaixo dos meus joelhos. O retrato era desolador.

No Oriente Médio, onde a escassez de água faz parte da natureza da região, qualquer decisão sobre água pode definir o futuro de uma nação.

Diante da ameaça de seu principal reservatório de água doce colapsar, Israel apostou na tecnologia e decidiu colocar em prática um plano que há anos já estava no papel, mas não era implementado: bombear a água do Mar Mediterrâneo para filtrar até que se tornasse potável e bombear a água montanha acima para encher um lago que agonizava.

O país preferiu não esperar pelas chuvas e construiu um sistema que começa com as famosas usinas de dessalinização na costa do Mediterrâneo, passa por túneis e adutoras gigantescas que escalam o famoso e bíblico Monte Carmel, local por onde passaram profetas como Elias, Daniel, Josias e Jesus.

Ao descer o monte rumo à cidade bíblica de Tiberíades, erguida por Herodes em homenagem ao imperador romano Tibério, há mais de dois mil anos, a água chega a um reservatório de equalização que se conecta ao sistema nacional invertido, capaz de fazer a água correr ao contrário e assim é despejada no Kineret ou Mar da Galileia.

Enquanto esse sistema era montado, o país desenvolveu uma máquina de reuso que recicla 90% do esgoto e sustenta toda agricultura da região apoiada em irrigação por gotejamento, sistema também desenvolvido pelos israelenses que evita o uso indevido da água.

Com este sistema implantado, a região da Galileia, onde a agricultura é o carro-chefe da economia local, deixou de usar a água do lago e passou a utilizar a água de reuso.

Além disso, toda polinização e colheita na região é realizada por sensores e robôs.

O resultado: um ecossistema hídrico artificial, complexo, mas altamente eficiente, criado para não permitir, jamais, que o Mar da Galileia chegue novamente à beira da morte.

Israel mostra que rezar ajuda e conforta. Mas a ciência é o caminho para resolver, ao menos em parte, o problema da seca no Oriente Médio.