Artistas goianos criticam critério de seleção do Fundo Estadual de Cultura
11 abril 2014 às 13h50
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Muitos projetos inscritos foram desclassificados por questões técnicas. Insatisfação ganhou as redes sociais na última semana, motivando polêmica que se estendeu a outros processos de seleção a iniciativas culturais promovidas pelo Estado. Gestores alegam transparência
Dos 1.200 projetos inscritos no primeiro edital do Fundo de Cultura de Goiás, 269 foram selecionados pelo Conselho Estadual de Cultura, responsável por todo o projeto de análise e seleção. A divulgação dos aprovados sofreu com atraso de aproximadamente duas semanas, até sair no último dia 1º, terça-feira passada. Serão liberados a estes 269 projetos um total de R$ 13,5 milhões, que correspondem a 0,5% da receita tributária líquida do Estado. O próximo edital terá o valor quase dobrado, sendo que a partir do terceiro a expectativa é que seja fixado em torno de R$ 50 milhões.
E nesta última semana não foram poucas as polêmicas levantadas em debates motivados, sobretudo, pela insatisfação de artistas não selecionados. Encabeçam as críticas nomes conhecidos da MPB goiana, entre os quais os músicos Fernando Perillo e Marcelo Barra. A cantora Renata Vieira e o agitador cultural, jornalista e compositor Carlos Brandão também participaram do debate, além de outros jornalistas e admiradores da música goiana. A discussão se estendeu a outras vertentes do segmento cultural em Goiás, como as leis de inventivo estadual e municipal e à seleção dos artistas que se apresentam anualmente no Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica).
O princípio da exposição de que os critérios adotados pelo Conselho Estadual de Cultura desagradaram o segmento pode ter sido post no Facebook do cantor Marcelo Barra lamentando o fato de os três projetos apresentados não terem sido aprovados neste primeiro edital. “SONHO QUEBRADO / 03 projetos apresentados no Fundo de Cultura do Estado de Goiás. / NENHUM APROVADO”, publicou o músico no dia 4, com uma foto de violão quebrado. Ele recebeu vozes de apoio, “curtidas” (32), e compartilhamentos (22).
Procurado pela reportagem, Marcelo Barra preferiu não estender a polêmica em torno do fato. Em seu nome conversou brevemente com o Jornal Opção Online o irmão e empresário, Rinaldo Barra, que garantiu não se tratar necessariamente de uma reclamação, mas um lamento, porque os projetos inscritos pelo irmão não foram aprovados por alegação de falta de documento. Rinaldo disse que vai avaliar se compensa reinscrever os projetos no próximo edital e concluiu dizendo esperar que nos próximos processos de seleção haja amadurecimento dos critérios.
Fernando Perillo conversou abertamente com a reportagem sobre a insatisfação de ver seu projeto de divulgação do CD e DVD que marcam sua trajetória musical nos últimos 30 anos reprovado. O trabalho intitulado “Fernando Perillo 30 anos esta noite” será lançado este mês e o músico buscou recursos junto ao Fundo Estadual de Cultura para a realização de shows de divulgação na capital e pelo interior. Como no caso de Marcelo Barra, foi alegada a falta de documentos.
“Foi rejeitado porque não tinha no corpo do projeto o currículo do técnico de som, que pode nem ser o que fosse colocado porque imprevistos acontecem. Pode ter sido uma falha de quem elaborou, mas é um detalhe irrelevante”, considerou o músico. Fernando Perillo defende que a forma como o fundo seleciona os aprovados é pouco prática e burocrática. “Se analisassem o conteúdo da proposta e me alertassem da documentação que faltou eu a apresentaria na prestação de contas, como em outros processos que participei. Parece que a intenção não é facilitar”, desabafa, dizendo-se frustrado pela falta de flexibilidade do Fundo Estadual de Cultura.
“Nos processos do MinC [Ministério da Cultura] a gente vai recebendo orientação, ou seja, eles buscam facilitar a aprovação, diferente daqui. Quem sabe um dia nosso fundo chegue a isso”, cobra Fernando Perillo, dizendo-se feliz com a instituição do fundo, mas desgostoso com a burocracia. “Não misturo questões pessoais. O governo está de parabéns pelo fundo. Vou reapresentar no próximo e esperar”, concluiu.
O produtor cultural Carlos Brandão disse em post compartilhado por Iuri Godinho que existe “má vontade” em relação a alguns artistas por parte dos selecionadores de projeto. Em entrevista ao Jornal Opção Online nesta quarta-feira (9/4) ele salientou que não tem motivos para reclamar do fundo em si, pois não se inscreveu. Todavia, por ser conhecedor do cenário local e de artistas de todos os campos artísticos –– ele foi diretor dos centros culturais do Estado ––, Brandão tem acesso a informações sobre motivos de desclassificação que evidenciariam sua alegação. “Não quero julgar quem seleciona, mas é preciso que quem julgue tenha conhecimento aprofundado do que é produzido em Goiás. Participe dos eventos, dos espetáculos, dos shows. Raramente encontro um ou outro”, diz.
Além do caso de Fernando Perillo e Marcelo Barra, cujos projetos foram desclassificados por problemas na documentação, Carlos Brandão citou o caso do ator Ivan Lima, carioca que é tido como goiano por ter dedicado 20 dos quase 50 anos de carreira teatral a Goiás. “O currículo dele recebeu nota 1 dos julgadores. Se isso não é má vontade é falta de conhecimento mesmo”, disse, frisando em seguida que não quer ser interpretado como crítico da competência dos membros do conselho, mas que o processo de seleção de um artista não pode ser embasado somente nos critérios técnicos do projeto, mas considerar os históricos.
“Quem está chegando tem que respeitar quem fez história. Não precisa gostar, mas respeitar precisa, porque quem está sendo aprovado agora, com menos de dez anos de carreira, não sabe da dificuldade que era antes. Os novos artistas já nasceram com os benefícios de incentivo”, defende.
Carlos Brandão sugere que o Estado reveja os critérios de seleção e defende que seja criado um novo júri a cada novo edital do Fundo de Cultura, “com pessoas notáveis e que conheçam verdadeiramente nosso cenário.”
O outro lado
No último dia 7 a reportagem ouviu o secretário de Cultura de Goiás, Gilvane Felipe, sobre a polêmica em torno dos critérios de aprovação do primeiro edital do fundo. O gestor afirma que cabe ao Conselho Estadual de Cultura todo o processo de seleção e que por isso prefere não comentar. Gilvane disse somente que a atual maneira de seleção busca a transparência, tendo ressaltado que a pasta ou o conselho não são donos da verdade e que alternativas podem ser apresentadas. “Estamos abertos”, sentenciou.
O presidente do Conselho Estadual de Cultura, Carlos Cipriano, também foi procurado pelo Jornal Opção Online durante quatro dias. Como não atendia as ligações em seus telefones pessoais, outro membro do conselho foi procurado. Segundo ele, Cipriano está temporariamente sem telefone celular. Uma solicitação de entrevista por meio de uma rede social foi solicitada na terça-feira (8), mas não foi respondida até estaquinta-feira (10).
Diante do impasse, a reportagem buscou sua versão em postagens recentes no Facebook em que Cipriano explica que a análise para seleção no edital do Fundo Estadual de Cultura realmente não se ateve “à análise do mérito artístico ou cultural do projeto apresentado”, pois é um concurso público como qualquer outro, ou seja, “observa o princípio da formalidade”. A explicação foi feita em postagem do dia 2, um dia após a divulgação dos selecionados e início dos manifestos de insatisfação e dúvidas.
Afirmando que não caberia comentar cada caso de desclassificação, Cipriano explicou da seguinte maneira o atual critério de seleção: “[…] quero dizer que currículo e excelência artística não superam, nesse tipo de concurso, a não observação das normas que exigiam, entre outras coisas, a adequação do projeto à modalidade ou linha de ação em que foi inscrito, a apresentação de currículos e/ou cartas de aceite dos membros da equipe citados na ficha técnica, a assinatura das declarações obrigatórias pelo proponente, no formulário de apresentação de propostas e a observação do limite individual de apoio, no valor solicitado (pra ficar entre os principais motivos de exclusão de propostas que levaram à desclassificação de muita coisa boa, mas boa mesmo, que ficou de fora)”.
Cipriano continuou lembrando aos não selecionados neste primeiro edital que restam o próximo edital da Lei Goyazes e do próprio Fundo –– cujo segundo edital é previsto para o início de junho, após projeto de lei que reestabelece a integralidade dos valores ser aprovado na Assembleia Legislativa. “[…] se não deu – ou não der nessa, mesmo após a etapa dos recursos – outras chances virão e isso é o mais importante. O setor cultural de Goiás precisa amadurecer”, concluiu.
Os editais do Fundo Estadual de Cultura de Goiás são regidos pela Lei Federal 8.666, de 1993, chamada lei da licitação. A adoção dessa legislação como critério foi uma recomendação da Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
Além do fundo…
Ligado ao setor cultural, o jornalista Iuri Godinho levou ao debate em rede social a crítica aos gestores culturais no sentido de não buscarem a valorização dos artistas que a partir da década de 80 impulsionaram a música popular produzida em Goiás.
Segundo ele, músicos como Fernando Perillo, Marcelo Barra, João Caetano, Maria Eugênia e Pádua não deveriam estar buscando recursos de fundo ou tentando se apresentar em eventos culturais promovidos pelo Estado. “Deveria era haver uma política estadual para incentivá-los. Nada justifica nomes como Marcelo Barra e Fernando Perillo ficarem tantos anos fora do Fica”.
Foi Iuri Godinho um dos compartilhadores do post de Marcelo Barra citado anteriormente. Ele vai além. Critica a falta de homenagem a esses nomes e se diz contra a política de lei de incentivo, que segundo ele leva o empresário a achar que não precisa investir em cultura, mas sim apoiar com o objetivo de se livrar de impostos. Quanto ao Fundo Estadual de Cultura, o jornalista admite ser um avanço para o setor cultural, ainda em fase de adaptação, implantação e amadurecimento.
Sobre participações no Fica, Fernando Perillo lembra que participou da criação do festival, tendo sido diretor executivo do evento por oito anos. O cantor coordenava as apresentações nos palcos do Coreto e da casa de Cora. “Apresentação eu só fiz no primeiro [Fica]. Foi o show de encerramento, inclusive porque o Estado já não tinha recurso. Meu descontentamento é com relação aos últimos oito anos, depois que sai da direção executiva”, relata.
O músico diz acreditar que o fato de nunca mais ter sido selecionado para se apresentar no evento pode ser uma perseguição a seu nome. “Não há outra explicação. Tem amigos meus que nem se inscrevem mais, porque só vemos artistas em início de carreira sendo contemplados”, considera, ponderando que não pretende desqualificar os iniciantes, mas somente ter a mesma abertura.
A respeito do processo de seleção do Fica o secretário Gilvane Felipe aceitou comentar. O gestor alega que a curadoria do festival é independente e classifica essa discussão de “esgotada.” “Se não for da forma como fazemos hoje, só tem outras duas: a maneira autoritária de indicação a dedo ou o sorteio”, afirmou, emendando que seja talvez uma dessas formas que os insatisfeitos prefiram. “O critério atual é o de maior transparência, porque os candidatos se inscrevem, a curadoria é indicada por entidades do setor cultural.”
Perguntado sobre a questão levantada por Iuri Godinho no que se refere a homenagens aos artistas com maior tempo de carreira em Goiás, Gilvane Felipe procurou ser republicano. Respondeu que esse reconhecimento é feito na “medida do possível” dentro das possibilidades orçamentárias do Estado. “Os recursos são finitos.”
O secretário defende que este primeiro edital priorizou todas as regiões do Estado, algo inédito para o setor cultural. “Ao apostar em projetos da sociedade estamos abrindo oportunidade a todos, inclusive àqueles que já detêm nome”, concluiu.