Argentina de Javier Milei deve manter relações prósperas com Brasil em 2024

23 dezembro 2023 às 16h30

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Miguel Magul
A eleição presidencial da Argentina, amplamente comentada pelos brasileiros, parece ter sido uma continuidade da onda de polarização que se iniciou há alguns anos em diferentes países do mundo, incluindo o nosso. Para fazer análise dos resultados e comentar um pouco sobre o que acredito vir como propostas futuras na relação entre Brasil e Argentina, gostaria antes de identificar brevemente a História que nos trouxe ao momento atual.
Há séculos, na época em que a Revolução Francesa vivia seus tempos de grande movimento, a ascensão dos burgueses – os comerciantes daquele tempo, trouxe dois questionamentos políticos centralizadores para muitos momentos a partir dali: era justa a concentração de poder nas mãos dos Aristocratas – o povo ligado diretamente ao Rei? E também era justa a condição de trabalho imposta aos servos, os trabalhadores? Em ágoras, uma espécie de arquibancada num formato de meia lua, representantes de todas essas classes se reuniam e discutiam os problemas do seu tempo. Sentavam-se à Direita os defensores do sistema vigente, à esquerda, os pró movimento, ao centro, os burgueses, que precisavam conversar com os dois lados.
Fato é que a passagem do tempo fez o conceito de Direita e Esquerda se expandir para além da georeferência das ágoras, isso se tornou um ponto de partida para muitas repúblicas democráticas dividirem seus sistemas partidários e chancelarem políticos dos mais diversos perfis sempre dentro de uma caixinha ou da outra. Ainda que sejamos cientes que nações produzem seu próprio domínio político pela forma cultural de se posicionar internacionalmente, as políticas governamentais, nem sempre levadas com conceitos científicos de políticas públicas, trouxeram vastas críticas tanto à Esquerda quanto à Direita da América nas últimas duas décadas.
A depender do grupo ou território com quem conversamos sobre o assunto, é possível ouvir um pouco de tudo. Impossível mesmo é defender tendências de somente um desses espectros quando trata-se de comandar um país, há benesses nas ideias políticas de todos os lados, não por nada difícil de se compreender, mas somente pelo fato de que vivem no país pessoas que se identificam com todos os dois, ou mais, tipos de conceitos. A campanha eleitoral é totalmente diferente de um mandato, justamente porque campanha é exposição de ideias que o candidato julga serem mais fáceis de reproduzir ao longo do trabalho. O mandato, por outro lado, pode acatar essas ideias, em maior ou menor grau, mas trata-se da produção de trabalho independente de vontade, mas dependente sim da realidade posta.
A Argentina de 2023, um país que concentra um alto índice de pobreza e desemprego, com uma inflação nas nuvens, não é um país cujo dirigente consegue escolher fazer ou não uma política inflacionária-contingencionista e focada na geração de emprego e renda. Perceba, portanto, que essa não seria uma escolha de Javier Milei ou Sérgio Massa, de anarcoliberalismo ou peronismo, de Direita ou Esquerda ou qualquer outro conceito nesse vão. Essa é uma realidade imposta pelo país, uma verdade.
Como uma pessoa nascida em Buenos Aires e uma pessoa que enxerga a política como uma ciência, me senti decepcionado ao perceber que os debates presidenciais, não somente aqueles do 2º turno, focaram em vários fatores polêmicos – na intenção de inflar a opinião pública – mas deixaram de lado a economia! O elefante branco continuou na sala e ainda está. A impressão é que, antes de discutir sobre política propriamente dita, os candidatos gostariam de seguir a onda que mencionei ter tomado conta da América nas últimas décadas: a de atacar por atacar, a de gerar o confronto buscando estressar o eleitor, a de produzir um vídeo que viralizasse ou qualquer coisa do tipo, colocando os candidatos em caixinhas, talvez não necessariamente de Direita e Esquerda, mas sim entre a caixinha do antigo e da novidade.
Ainda assim, admito que a formação do perfil heróico de Milei nos faz lembrar das eleições vitoriosas de Trump e Bolsonaro, com a construção de uma imagem extremamente focada em “corrigir o problema deixado por quem chegou antes”. Não acredito que esse perfil é bom ou mau, depende da semântica que é buscada e, no final, vemos sim que agradou a maioria. No entanto, comparado ao perfil dos candidatos da Direita dos EUA e Brasil nas últimas eleições à Presidência da República, Javier Milei notoriamente recua do perfil mais radical ao longo do 2º turno.
O então candidato negocia um pouco mais e, aparentemente, a parcimônia adquirida na reta final foi decisiva, mas ainda assim, sua vitória foi potente. É preciso reconhecer que sim, independente se você gosta ou não do agora Presidente da Argentina, sua vitória foi potente. Muitas barreiras históricas foram ultrapassadas e, ainda que eu apresente minhas críticas ao excesso de caras e bocas e à falta de foco em dados e evidências, assim como tenho duras críticas ao Sergio Massa – que podemos deixar para um artigo à parte sobre análise do Peronismo, desejo ao país que viva um ótimo período em sua História nos próximos anos.
Não somente por ter minha história pessoal ligada àquela terra, mas também pelo que considero como meu lugar desde a época em que me entendi como o homem político e social que sou hoje, onde faço meu presente e penso meu futuro, que é Goiânia e, extensivamente, o Goiás. Nosso estado merece seguir sendo um grande exportador de grãos, sem abalos diplomáticos nas transações internacionais. A Argentina trouxe para nosso país, apenas em 2023, quase 15 bilhões de dólares em compra de commodities e produtos. A soja, principal cultivar do nosso estado, aponta em primeiro lugar nessa lista de compras.
Além de ser o 4º país que mais compra do Brasil, é um país que também vende muito para nós, e esse comércio precisa continuar e prosperar. Onde há um demandante, há um ofertante, não há vácuo comercial no mercado internacional de 2023: grandes potências emergiram, muita tecnologia foi criada e as barreiras territoriais ficam quase invisíveis com o advento da globalização. Não podemos perder espaço, não podemos perder esse vínculo com a Argentina, nem com qualquer outro país que ajuda nossos estados e municípios manterem seus quadros de emprego e estabilizarem a renda das famílias brasileiras.
Há impacto negativo caso isso aconteça, mas acho difícil de fato acontecer. Além de otimista, sou também muito confiante na diplomacia dos cargos públicos. Sobre a democracia em si, ainda que tenha havido momentos em que Javier Milei acena na contramão da organização político-democrática, não considero que será um antidemocrata. Considero que foi mais um discurso impensado em um momento que precisava marcar território de alguma forma. É como destaquei anteriormente, o populismo da briga polarizada só ajuda a inflar campanhas políticas e atingir as urnas.
O pós eleição, o mandato, esse exige parcimônia, acordos matematicamente pensados e muita democracia. Não é permitido e nem mesmo inteligente que um mandatário queira derrubar o próprio sistema democrático que o elegeu. O Presidente Milei pode e deve, portanto, se afastar de qualquer flerte com a antidemocracia e compreender de uma vez por todas que sua eleição em si foi puramente um reforço de que a democracia é soberana. Já concluindo minhas ideias, devo ressaltar que considero que o Governo de Javier Milei terá uma oposição segmentada e enfraquecida, porém atenta.
Seu Governo deve contar também com líderes mundiais apreensivos com suas primeiras decisões, e o povo Argentino todo, sem distinção, aguardando por resultados, que só virão se precedidos pelo bom senso e pela governabilidade. É justamente esses dois critérios que me fazem crer que as relações com o Brasil seguirão prósperas e diplomáticas. Os presidentes das duas Repúblicas em questão não precisam ter afeição pessoal ou ideológica entre si, precisam apenas compreender que eles são sim menores que as cadeiras que ocupam, e essas cadeiras exigem acenos progressivos em prol do bem estar das duas populações, das duas economias e da proteção do sistema democrático de direito.