Além da vacina, a utilização de máscara, a higienização das mãos e o distanciamento social ainda se fazem completamente necessários para que a infecção seja contida em seu máximo

Variante indiana do coronavírus | Foto: Reprodução

Identificada inicialmente na Índia, mas encontrada em alguns estados brasileiros há cerca de um mês após viajantes chegarem no Maranhão e no Paraná, a variante Delta (antes B.1.617.2) do coronavírus preocupa especialistas. Ter uma taxa de transmissibilidade mais alta, para o médico infectologista Marcelo Daher, é o maior problema dessa variante. “É mais rápida e mais efetiva na infecção, é preciso uma menor quantidade de vírus para que a doença seja desenvolvida”, explica.

Apesar de, para o infectologista, a variante Delta não diferir das demais presentes no Brasil quanto seu agravamento, em entrevista ao Uol, o professor Tim Spector, que dirige o estudo de Zoe Covid Symptom, no Reino Unido, explicou a diferença de sintomas entre ela e as demais cepas.

De acordo com Tim, os sintomas mais comuns à variante Delta são as dores de cabeça, além de também poder apresentar dor de garganta, coriza e febre. Diferente das demais variantes e da versão original do Sars-CoV-2, não há ocorrência frequente de perda de olfato, paladar ou tosse.

Marcelo explica que a variante que mais comumente é comparada com a variante delta é a variante do Reino Unido. “Ela é mais ou menos 50 a 60% mais infectante do que a do Reino Unido. Ela não é mais agressiva, ela não mata mais, mas ela infecta mais”, esclarece. No entanto, apesar da grande preocupação dos especialistas, sua presença no Brasil ainda não é tão significativa quanto a variante Gama (também conhecida como P.1) – que, para o infectologista, é tão perigosa quanto a Delta.

“Toda infecção viral produz variantes que são vírus que não são clones de si mesmos, eles mudam um pedaço. Quando a mudança é importante, a gente chama de uma fração imunogênica, ou antigênica, quando essa fração muda a conformação. O problema dessas variantes é que elas variantes são capazes de escapar dos anticorpos, principalmente os anticorpos monoclonais que foram feitos inicialmente como medicamento para tratar a Covid-19, por exemplo”, explica Marcelo.

Eficácia das vacinas

Na busca pela melhor forma de se prevenir contra a nova variante, o estudo publicado pela revista científica Nature, nesta quinta-feira, 8, mostrou que as células do sistema imunológico que tiveram maior eficácia contra a variante Delta são a das pessoas que tomaram duas doses das vacinas Pfizer e AstraZeneca. Quando completa a imunização, a neutralização da variante esteve na taxa de 95%. O imunizante da Janssen Biotech, que é subsidiária da Johnson & Johnson também mostrou eficácia contra a variante.

Esse estudo da Nature, no entanto, também deixou claro que a eficácia contra a variante Delta só ocorre de forma significativa quando são tomadas ambas as doses dos imunizantes. “Uma única dose de Pfizer ou AstraZeneca foi pouco ou nada eficiente contra as variantes Beta [da África do Sul] ou Delta. Ambas as vacinas geraram uma resposta neutralizante que afetou de maneira eficiente a variante Delta somente depois da segunda dose”, escreveram os pesquisadores.

As porcentagens da Coronavac, no entanto, ainda permanecem incertas, uma vez que a Sinovac, empresa chinesa que criou o imunizante, não publicou o resultado dos estudos contra a nova variante. Um porta-voz da empresa, no entanto, chegou a afirmar, na semana passada, a possibilidade da utilização de uma terceira dose da Coronavac para que haja proteção contra a variante indiana.

Marcelo Daher, médico infectologista, acredita na proteção da Coronavac contra a variante delta, ao considerar que esta utiliza uma tecnologia tradicional e semelhante à da vacina indiana Covaxin. Isso, porque na primeira semana de julho, a empresa farmacêutica Bharat Biotech anunciou que a Covaxin fornece cerca de 65,2% de proteção contra a variante Delta, sendo 78% contra infecções sintomáticas. Os dados foram publicados no site MedRxiv.

Ao considerar que todas as vacinas disponíveis no Brasil possuem alguma eficácia contra a nova variante, o problema, para Marcelo, se encontra no fato de que estar imunizado não impede a contaminação, mas faz com que a doença seja mais branda. “É o mesmo que com a vacina da gripe: não é que a pessoa não vai gripar, mas tende a ter uma forma mais leve da doença. É isso que a gente espera que aconteça com a Covid. Que a pessoa se infecte, mas não de forma grave”, pontua.

Assim, além da vacina, a utilização de máscara, a higienização das mãos e o distanciamento social ainda se fazem completamente necessários para que a infecção seja contida em seu máximo.

Reduzir intervalo entre as doses protege mais?

Após estudos comprovarem que apenas uma dose da AstraZeneca tem pouca ou nenhuma ação contra a nova variante, alguns estados brasileiros decidiram reduzir o intervalo entre a primeira e a segunda dose do imunizante desenvolvido pela FioCruz.

O objetivo é fazer com que as pessoas se encontrem completamente vacinadas com maior rapidez. Isso, porque a bula da AstraZeneca disponibilizada pela Fundação Oswaldo Cruz, responsável pela produção e importação da tecnologia utilizada no imunizante, informa que o reforço pode ser aplicado entre 4 e 12 semanas da primeira dose.

O intervalo atual, que é o padrão recomendado pelo Ministério da Saúde, é de 12 semanas, ou três meses, tempo suficiente para que o corpo produza os anticorpos necessários. O Ministério da Saúde (MS), no entanto, ainda não se posicionou a favor da redução. A pasta até chegou a estudar a possibilidade de reduzir o intervalo entre as aplicações, no entanto, a Câmara Técnica manteve o prazo padrão de 12 semanas.

Até o momento, contudo, alguns estados já chegaram a inclusive divulgar o novo intervalo. Pernambuco e Ceará, por exemplo, aplicará a segunda dose da AstraZeneca em um prazo de 60 dias, enquanto Espírito Santo e Piauí darão prazo de 70 dias e o Acre de apenas 45 dias. Alagoas e Sergipe também fizeram mudanças pontuais em suas aplicações. Já o estado de São Paulo chegou a se manifestar em prol da redução, mas aguarda o aval da Anvisa para oficializar e divulgar prazos.

Em nota emitida nesta sexta-feira, 9, a Secretaria de Estado de Saúde do Estado de Goiás (SES-GO) afirmou que segue as recomendações do Ministério e que não irá reduzir o intervalo enquanto a pasta não tomar a mesma iniciativa.

“O MS refere no Plano Nacional de Operacionalização da Imunização contra a Covid-19 (PNO) estudos de soroconversão das vacinas com duas doses tem eficácia melhor ao ser administrada nos intervalos preconizados”, explicou a SES-GO, em comunicado oficial que orienta os municípios goianos a seguirem os intervalos definidos pela pasta.

O médico infectologista, Marcelo Daher, acredita que a decisão de reduzir esse prazo deve ser tomada com cuidado e que é preciso analisar onde há maior infecção dessa variante para saber se vale a pena. “Nos Estados Unidos, ela está ganhando força e já representa mais de 50% dos casos. Na Inglaterra, a Delta é a variante que predomina, mas para reduzir o prazo entre as doses, primeiro é preciso saber se a variante Delta está realmente circulando nesses estados, porque tem alguns trabalhos que mostram que o intervalo de 12 semanas é mais imunogênico, ou seja, faz com que o organismo produza mais anticorpos do que em 6 semanas, por exemplo”, acrescenta.

Para Marcelo, o cuidado se faz necessário já que, no caso de a redução de tempo entre as doses da AstraZeneca causar menor produção de anticorpos, a possibilidade de infecção acaba se tornando maior. “Isso já não acontece com a Pfizer, no caso da necessidade de se diminuir o prazo”, afirma.