Após crises, Comurg se prepara para deixar coleta do lixo e promete reestruturação em ‘nova fase’ da companhia
17 março 2024 às 00h01
COMPARTILHAR
A Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) está prestes a entrar em uma nova fase de sua existência. Nascida no final da década de 70 e autodescrita como uma empresa de economia mista “instituída com a finalidade legal de executar os serviços de limpeza urbana em forma de concessão e de realizar investimentos dos programas de equipamento urbano e de infraestrutura”, a companhia – alvo de crises sucessivas nos últimos anos – se prepara para abrir mão daquela que foi, até hoje, sua função de maior destaque: a coleta de lixo e a limpeza urbana em geral. Com isso, a empresa vai passar por uma reestruturação completa, com impactos e seu orçamento, quadro pessoal e atuação na capital.
Vencedor do processo de licitação da Prefeitura de Goiânia, o Consórcio QC Ambiental – que engloba as empresas CGC Concessões limitadas, Clean Master Ambiental e Quebec Ambiental – deve assinar, em breve, o contrato no valor de R$ 470 milhões para assumir o serviço de coleta do lixo, coleta seletiva, remoção e entulho e varrição mecanizada em Goiânia. De acordo com a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra), a assinatura do contrato deve ocorrer ainda em março deste ano.
Após isso, a Prefeitura ficará por conta de emitir a ordem de serviço e comunicar à Comurg. A partir desse fato, a companhia terá o prazo de 30 dias para fazer uma espécie de transição dos serviços de limpeza para a QC Ambiental, atendendo à legislação federal e à uma orientação do Tribunal de Contas do Estado de Goiás (TCM-GO), para adequação à Lei 13.303/16, a Lei de Responsabilidade das Estatais. O processo todo deve acontecer em cerca de dois meses, ou seja: a Comurg ficará por conta de coletar o lixo em Goiânia somente até maio deste ano, passando a bola para o Consórcio em seguida.
A retirada dessa atribuição representa um alívio para a Comurg, uma vez que o próprio presidente da companhia, Alisson Borges, já declarou em diversas ocasiões que o histórico de déficit da empresa torna inviável a coleta do lixo na capital. Em entrevista ao Jornal Opção, Borges revela o início de uma reestruturação que fará com que a empresa foque no que ela se propôs a fazer quando foi criada mais de 40 anos atrás: urbanizar a cidade.
Uma das primeiras questões que se levantam diante do fim do serviço de limpeza por parte da Comurg é o destino dos funcionários que a realizam atualmente. À reportagem, o presidente garante que não haverá demissões – pelo menos não por conta da terceirização dos serviços. Segundo Borges, a companhia sempre operou com déficit de pessoal na limpeza, e os funcionários atualmente ativos serão realocados para suprir as lacunas atuais.
“Em 1983, a Comurg tinha 10 mil funcionários. Agora, 41 anos, depois temos praticamente a metade dos funcionários fazendo o mesmo serviço. Nós temos que levar em consideração a evolução do crescimento da cidade, a quantidade de bairros que nós temos hoje. A Comurg tem déficit na varrição, na remoção [de entulho]. Só não temos déficit na coleta porque, se tiver déficit nessa parte, vemos o problema instantaneamente nas ruas”, diz.
Conforme a companhia, que conta hoje com um quadro pessoal de cerca de 6 mil pessoas, 1.157 funcionários que atuam na limpeza e coleta de lixo serão remanejados para funções na urbanização que envolvem manutenção nas cerca de mil praças da capital e canteiros, além da varrição manual (função que seguirá com a Comurg).
O presidente explica que há na Comurg os cargos de TLU, TLP e coletor 10. O TLU se refere aos garis, que trabalham na varrição. Já o TLP trata-se do funcionários que podem prestar serviços em todas as áreas da Comurg previstas no edital no qual ele foi aprovado. O único que não poderá mudar de função é o coletor 10, que é justamente o responsável pela coleta de lixo. No entanto, de acordo com o presidente, esse funcionário ficará por conta da coleta somente nas praças alvos de manutenção. “Esses servidores que as pessoas imaginam que ficariam ociosos, eles terão outras atribuições”, assegura.
Contudo, apesar da garantia de que os funcionários que trabalham hoje na limpeza não serão demitidos, já está em vigor um programa de desligamento voluntário para aqueles que optarem deixar a empresa por conta própria. “Quanto a isso, a adesão tem sido bem pequena”, destaca Borges.
Impacto no orçamento
Com a retirada de uma de suas atribuições mais rentáveis, em relação aos contratos com a Prefeitura de Goiânia, Alisson Borges também garante que a diretoria da empresa tem se preparado para o impacto no orçamento que a chegada da nova empresa trará.
A renovação do contrato da Comurg com a Seinfra foi firmada no final do ano passado, pelo valor anual de R$ 680 milhões. Agora, o contrato será reajustado com o desconto de uma fatia considerável. A empresa deixará de ganhar até R$ 13 milhões ao mês – o equivalente a quase R$ 160 milhões por ano. O presidente afirma que, desde a confirmação de que outra empresa tomaria para si a demanda da limpeza urbana, a Comurg começou a se preparar para as perdas orçamentárias.
Leia também: Luxo do lixo: Comurg é rentável e ineficiente ao mesmo tempo?
Conforme noticiado pela reportagem anteriormente, a companhia deve buscar, inclusive, repor essas perdas com novos contratos tanto com a Prefeitura de Goiânia quanto com o governo do Estado. “Hoje, a área da segurança pública depende muito de manutenções que a Comurg faz. Então já estamos avaliando a possibilidade de assinar um contrato com o governo do Estado para a gente continuar e aumentar a manutenção do Autódromo [Internacional de Goiânia], do Estádio Serra Dourada, dos comandos operacionais da Polícia Militar e Polícia Civil, e do Detran”, detalhou.
Histórico de crise
Questionado sobre as sucessivas crises que atingiram a Comurg nos últimos anos, o presidente Alisson Borges argumenta que a companhia nasceu já em um cenário de insuficiência, cenário esse que cresceu de forma desproporcional nas últimas décadas. “Quando ela entra em operação, em 1979, ela já entra deficitária, ela já entra devendo um empréstimo que havia sido feito em 1974. Deveria ter sido integrado ao seu capital social, à época, cerca de 50 milhões de reais, atualizando para os valores de hoje, mas só foram R$ 15 milhões. Então, a Comurg vem se arrastando desde sua criação”, narra.
Ainda segundo o presidente, a companhia carrega um débito fiscal grande, com origem em sua “criação deficitária”. Os gestores, de acordo com ele, precisavam escolher entre investir, fazer o pagamento da folha e pagar os tributos. Com isso, narra Borges, a opção feita ao longo dos anos foi a do não pagamentos dos impostos. “Foi virando uma bola de neve. A tributação foi acontecendo, a Comurg não deu conta e chegou-se a um ponto em que foi preciso fazer parcelamento”, argumenta.
Borges diz ainda que “algumas tomadas de decisões podem ter sido erradas, não de forma dolosa”. “O cara estava tentando acertar, mas tomou uma decisão equivocada. Então foi contribuindo para que a Comurg chegasse a um colapso financeiro”, completa. O presidente se referiu ainda ao último contrato da companhia, na gestão passada, como “desastroso” e “lesivo”, feito durante a pandemia da Covid-19 em uma formatação que, segundo ele, reduziu a receita da empresa de R$ 42 milhões para R$ 32 milhões.
“Ao invés de nós reequilibrarmos o contrato da Comurg, aumentarmos o valor do contrato, nós reduzimos em 25%, e os fornecedores, respaldados pela legislação, pediram o reequilíbrio. O que aconteceu? Reduzimos a receita e a inflação aumentou o custo da empresa”, expõe.
Conforme Alisson Borges, a escolha da atual gestão foi a de “escancarar o problema” e não mais jogar “para debaixo do tapete”. O presidente conta que o contrato mais recente, feito seguindo as normas do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás (TCM-GO) e com o acompanhamento de um técnico contratado do próprio tribunal, com a recomposição de custos, foi celebrado “respeitando a nova empresa que chegaria”. “Nós precisávamos equilibrar as contas da empresa sem onerar a administração direta e pensando que, após um ano, perderíamos algum serviço”, arremata.
Vale lembrar que, no ano passado, após aval em duas votações da Câmara Municipal de Goiânia de uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) que investigou apontadas irregularidades na companhia, o prefeito Rogério Cruz (Republicanos) sancionou o Projeto de Lei que autoriza a liberação de um aporte financeiro de R$ 68 milhões à Comurg, com vistas à recomposição de seu capital social. “Essa medida visa garantir a continuidade e a qualidade dos serviços prestados pela Comurg, bem como preservar seu patrimônio e seu equilíbrio econômico-financeiro”, alegou o Paço Municipal, na época.