Ao Jornal Opção, cônsul fala sobre parcerias com Goiânia e expectativas para a missão do governo de Goiás no Japão

05 julho 2025 às 14h45

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Na próxima semana, o governador Ronaldo Caiado embarca para o Japão, liderando uma comitiva formada por autoridades, políticos e empresários. A missão, que terá duração de 10 dias, tem como objetivo estreitar os laços diplomáticos e comerciais entre Goiás e o país asiático. Além da capital Tóquio, a agenda inclui a cidade de Hamamatsu, considerada a mais brasileira do Japão, com cerca de 30 mil brasileiros residentes.
Às vésperas da viagem, o cônsul-geral do Brasil em Hamamatsu, Adelmo Garcia, concedeu uma entrevista exclusiva ao Jornal Opção durante sua passagem por Goiânia. Na conversa, ele compartilhou expectativas em relação à missão goiana e destacou os possíveis desdobramentos da visita para o fortalecimento das relações bilaterais.
Diplomata de carreira, Garcia já atuou em embaixadas como Toronto (Canadá) e Paris (França). Antes de assumir o consulado em Hamamatsu, esteve à frente da representação brasileira no Timor-Leste. Na entrevista, ele detalha as principais ações do governo brasileiro e do consulado voltadas à comunidade brasileira no Japão, comenta as semelhanças e diferenças entre os dois povos e ressalta quanto um pode aprender com o outro.
Garcia também falou sobre a possibilidade de formalizar um acordo de “Cidades Irmãs” entre Goiânia e Hamamatsu. “As possibilidades são muitas: turismo gastronômico, intercâmbios culturais, capacitações técnicas. A parceria entre cidades pode ser um grande motor para o desenvolvimento conjunto”, afirmou.
Ton Paulo- O senhor é cônsul-geral do Brasil em Hamamatsu, uma cidade conhecida como uma das mais brasileiras do Japão. Pode nos explicar por que Hamamatsu recebeu esse título e quais fatores levaram tantos brasileiros a se estabelecerem lá?
Estou há quatro anos na função de cônsul-geral do Brasil em Hamamatsu. Antes disso, fui embaixador do Brasil no Timor-Leste, também por quatro anos. Lá, o trabalho era completamente diferente, muito mais político do que técnico-operacional.
Hamamatsu é considerada a cidade mais brasileira do Japão. Temos cerca de 30 mil brasileiros vivendo na cidade, de um total de pouco mais de 200 mil no país inteiro. Eles chegaram durante a onda migratória dos anos 1990, quando o Japão vivia um boom econômico, especialmente na indústria automobilística. Naquele período, havia uma grande demanda por mão de obra estrangeira, já que o país não dispunha de trabalhadores suficientes. Como você sabe, a população nikkei no Brasil é muito numerosa, e o governo japonês passou então a conceder vistos de trabalho para brasileiros descendentes.
A ideia inicial era que essas pessoas ficassem no Japão por três ou quatro anos, juntassem dinheiro e voltassem para o Brasil, a maioria vinda do interior de São Paulo e do Paraná, para comprar uma casa, por exemplo. No entanto, esse movimento se transformou. Cerca de 85% a 90% acabaram não retornando. Por quê? Pela qualidade de vida. Mesmo trabalhando em fábricas de autopeças, instrumentos musicais ou automóveis, é possível alcançar um padrão de vida que, no Brasil, seria considerado de classe média alta. Você tem seu carro, compra seu freezer, sua TV de LED, vive com conforto.

Além disso, o Japão é um país seguro: não há assaltos, não há armas. Se você perder o celular, ele é devolvido. A comunidade brasileira no Japão é composta por pessoas trabalhadoras e ordeiras. No Japão se trabalha muito, e eu sempre faço questão de destacar, em eventos japoneses, que os brasileiros contribuem de forma significativa para o desenvolvimento econômico da região.
Ton Paulo – Quais ações o consulado brasileiro desenvolve para apoiar essa população, especialmente no que diz respeito ao incentivo à permanência no Japão?
Temos um serviço no consulado que considero muito interessante: o Espaço do Empreendedor Brasileiro. Ele foi criado para incentivar aqueles que, mesmo trabalhando nas fábricas, têm o desejo de se tornar microempreendedores. Querem empreender, ter o próprio negócio, e a gente apoia essa iniciativa.
Desenvolvemos, por exemplo, o Guia do Empreendedor Brasileiro no Japão, que oferece um passo a passo completo explicando como abrir uma microempresa, como pagar impostos, como se formalizar. A ideia não é só ajudar o brasileiro a se estabelecer no país, mas também a se desenvolver, a crescer.
Hoje, temos muitos casos de brasileiros que deixaram as fábricas e abriram seu próprio negócio: padarias, restaurantes, bares, cafés, supermercados, pet shops, salões de beleza. A nossa comunidade tem feito essa transição, do trabalhador fabril para o empreendedor, e isso contribui muito mais para o desenvolvimento local.
Também organizamos o primeiro Brazilian Day em Hamamatsu, evento que já está na sua quarta edição. Na primeira vez, trouxemos o Tony Garrido, e no ano seguinte, o Saulo Fernandes. Tudo foi feito com apoio da iniciativa privada, sem usar nenhum recurso público. Foram dois dias de shows, somando 16 horas de música brasileira, realizados na praça principal de Hamamatsu.

O impacto foi enorme. Nunca tinham visto nada parecido por lá. Foi um evento complexo, porque no Japão tudo precisa ser muito certinho: começar na hora exata, manter controle de som, respeitar regras rígidas. Mesmo assim, conseguimos realizar um evento de grande sucesso.
Também criamos os Jogos Escolares Brasileiros no Japão, que já estão em sua quarta edição. Na mais recente, reunimos 1.300 crianças e adolescentes brasileiros, vindos de várias regiões do Japão, disputando 12 modalidades esportivas. E mais: conseguimos levar os campeões de oito dessas modalidades para competir nos Jogos da Juventude, em Brasília. Foi um trabalho de gestão de um ano inteiro.
Imagina o que é isso: um jovem nascido no Japão, que nunca conheceu o Brasil, vindo disputar uma competição de atletismo, de taekwondo, aqui em Brasília, na capital do seu país de origem. É algo muito significativo.
Ton Paulo – Antes de sua atual missão em Hamamatsu, onde está há quatro anos, o senhor já tinha uma carreira admirável desde a década de 90, atuando em embaixadas como Toronto e Paris, além do Ministério das Relações Exteriores. No entanto, essa é sua primeira experiência como cônsul no Japão. Como foi essa adaptação? Houve choque cultural? E de que forma sua trajetória profissional ajudou nesse processo?
O Japão não estava no meu radar. Quer dizer, eu tinha trabalhado no Timor-Leste, onde o Brasil tem uma presença muito significativa, especialmente na área de cooperação técnica. Para você ter uma ideia, cheguei a ter nove encontros com o presidente da República e falava diretamente com qualquer ministro de Estado. Era um ambiente muito diferente.
Lá, prestávamos cooperação em praticamente todas as áreas do país. Mas o número de brasileiros era pequeno, apenas cerca de 100. Eu me comunicava com todos eles por meio de um grupo de WhatsApp. Quando cheguei ao Japão, especificamente a Hamamatsu, me deparei com uma realidade totalmente diferente: 10 mil brasileiros na cidade. Pensei: como vou me comunicar com esse pessoal todo? Um grupo de WhatsApp já não dava conta.
Foi então que criamos um programa semanal. Nele, falávamos sobre o que o consulado havia feito na semana anterior, o que estávamos planejando, e também entrevistávamos um microempreendedor brasileiro de sucesso, alguém que tivesse vencido desafios por aqui. Fazíamos perguntas e compartilhávamos essas histórias com a comunidade.
Agora, estou me preparando para uma reunião com o presidente da Confederação Brasileira de Esportes. O objetivo é permitir que os campeões dos Jogos Escolares Brasileiros no Japão também possam participar dos JEBs [Jogos Escolares Brasileiros] no Brasil. Afinal, são estudantes de escolas brasileiras, são brasileiros, e têm esse direito.

Como já comentei, também realizamos o Brazilian Day. Um dos objetivos é mostrar à comunidade brasileira a riqueza da nossa cultura, que é variada, vibrante. Temos muito mais do que bossa nova. Aliás, o Brasil tem cerca de 400 ritmos diferentes! Esses eventos são uma oportunidade para mostrar a força da cultura brasileira, do esporte brasileiro.
Além disso, temos promovido exposições de arte. Há muitos brasileiros que pintam, produzem artesanato, mas não têm espaço para mostrar seus trabalhos, não conseguem furar a bolha da comunidade brasileira e alcançar a japonesa.
Por isso, elaboramos um belo catálogo de artesanato e de artes plásticas, com QR Code traduzido para o japonês. Estamos distribuindo esse material para todas as prefeituras, e os resultados já começaram a aparecer: vários desses artistas estão sendo convidados para exposições individuais em diferentes regiões do Japão.
Ton Paulo – O governador Ronaldo Caiado está prestes a embarcar para uma missão ao Japão, e Hamamatsu está entre os destinos da visita. Como está hoje a relação entre Goiás, o Japão e, em especial, Hamamatsu? Essa conexão já existe? E quais são as suas expectativas para essa viagem?
Estamos aguardando com grande expectativa a visita do governador Ronaldo Caiado. Todos conhecemos sua trajetória, um político de projeção nacional, com perfil presidenciável, e que vem realizando um governo bastante popular em Goiás.
Durante a visita, ele terá compromissos oficiais em Tóquio, na nossa embaixada, e reuniões com interlocutores japoneses. Também vai visitar a feira de Osaka. Em Hamamatsu, a ideia é promover um encontro com a comunidade brasileira.
O governador fará uma palestra em um auditório com capacidade para cerca de 100 pessoas. É uma pena que o evento será em um dia útil, se fosse no fim de semana, certamente atrairia muito mais público, já que a maioria da comunidade trabalha bastante durante a semana. Mas, ainda assim, vamos fazer bonito. Esperamos uma boa audiência.
Estamos discutindo algumas ideias envolvendo gastronomia goiana para o evento. E a proposta principal é construir uma parceria entre a cidade de Hamamatsu e Goiânia.
Mesmo que ainda não consigamos assinar um termo formal durante essa visita, queremos ao menos deixar o acordo alinhavado, para que seja oficializado futuramente. Também visamos fortalecer os laços entre o estado de Goiás e a província japonesa de Shizuoka. Por que Shizuoka? Porque há muitas afinidades. Por exemplo, Catalão abriga a fábrica da Mitsubishi.
Ton Paulo – Como seria a parceria entre Goiânia e Hamamatsu?
Chamamos esse tipo de acordo de Cidades Irmãs. Trata-se de uma parceria formal em que duas cidades se comprometem a trocar experiências e manter um intercâmbio contínuo. Um ano, uma delegação japonesa visita Goiânia; no outro, é a vez de uma delegação de Goiânia ir ao Japão. Essas trocas podem acontecer em diversas áreas. Um exemplo muito relevante é o campo dos desastres naturais. O Japão é, hoje, o país mais preparado do mundo para lidar com esse tipo de situação. Lá, todos vivem com a consciência de que um terremoto não é uma possibilidade remota, é uma certeza para a qual é preciso estar sempre pronto.
Cada pessoa, por exemplo, tem uma mochila de emergência em casa, equipada com itens essenciais: capacete, esteira, lanterna, corda, apito, máscara, toalha, entre outros. São 18 itens ao todo. Trouxe até um exemplar para mostrar, porque é realmente algo muito interessante. Essa preparação é parte da cultura local, e, mesmo que no Brasil a ameaça não seja de terremotos, temos enchentes, deslizamentos e outros desastres. Podemos adaptar esse modelo japonês à nossa realidade e aprender muito com ele.
A ideia é que essa cooperação se formalize por meio de termos de parceria, convênios, projetos de lei, e que o intercâmbio ocorra também em outras áreas.

Na educação, por exemplo, há muita coisa que pode ser trocada. O que Hamamatsu pode oferecer a Goiânia, com base em sua experiência? E o que Goiânia pode trazer para Hamamatsu? O turismo é outra área com grande potencial. O próprio governador falou da importância de promover o estado de Goiás, com iniciativas como a campanha Visite Goiás.
As possibilidades são muitas, turismo gastronômico, intercâmbios culturais, capacitações técnicas. A parceria entre cidades pode ser um grande motor para desenvolvimento conjunto.
Ton Paulo – Desde que o senhor se tornou cônsul no Japão, o que mais chama atenção do senhor em relação a esse povo?
O povo japonês é muito cordial. Embora seja um pouco mais retraído e reservado, é também extremamente amável. Claro, quando a gente chega lá, algumas diferenças culturais ficam muito evidentes. Uma delas é a rigidez com horários. Isso é realmente impressionante.
Se um compromisso está marcado para às 10 horas, ele começa exatamente às 10. Não são 10h03 ou 10h05. O japonês costuma chegar com 5 ou 10 minutos de antecedência, espera do lado de fora e só toca a campainha no horário exato. Essa pontualidade é levada muito a sério.
Outra coisa que impressiona muito é a limpeza das ruas. Você não vê latas de lixo espalhadas, mas mesmo assim tudo é impecavelmente limpo. Cada um leva o seu lixo para casa. É uma atitude cultural que mostra o nível de consciência coletiva da população.
O sistema de transporte também é um exemplo. O Shinkansen, o trem-bala japonês, é algo que impressiona. De Hamamatsu até Tóquio, por exemplo, a viagem é rápida, eficiente e confortável. O Japão tem o maior e mais complexo sistema ferroviário do mundo. A estação de Shinjuku, em Tóquio, é um exemplo: são sete andares de integração entre trens e metrôs, um verdadeiro labirinto urbano que funciona com precisão.
Acredito que temos muito a aprender com o Japão em diversas áreas, especialmente em mobilidade urbana e transporte público. E vejo essa visita do governador Caiado como um marco importante nesse processo. Vai representar um antes e um depois na relação entre o estado de Goiás e o Japão, não apenas com a província de Shizuoka, mas com o país como um todo.