Biografia completa de Ana Braga e sessão magna da saudade na Academia Goiana de Letras
15 agosto 2023 às 16h31
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por Abílio Wolney Aires Neto*
No entardecer do último dia 03 de agosto de 2023, a Academia Goiana de Letras abriu a Sessão Magna da Saudade em homenagem à Acadêmica Ana Braga Machado Gontijo, que ocupou a cadeira nº 32, patroneada por Eurídice Natal e Silva.
No auditório repleto da AGL, assistimos e documentamos em vídeo e fotografias a distinta reverência à memória de Ana Braga, como passou a ser conhecida essa goiana-tocantinense desde o seu mandato de vereadora em Goiânia e depois Deputada Estadual e autora de diversos livros.
O Jornalista, Acadêmico e Escritor Luiz de Aquino, igualmente titular de Cadeira na AGL, emocionou a todos ao trasladar a fotografia de Ana Braga do painel esquerdo dos Acadêmicos para o lado direito onde se estampa a Galeria da Saudade dos imortais, no mesmo ambiente da sala ‘Casa Colemar Natal e Silva’, Auditório Jaime Câmara da Academia Goiana de Letras, no Centro de Goiânia, cuja sena ficou registrada para sempre e canal digital e redes sociais.[1]
Do Rio de Janeiro veio o escritor Gilberto Mendonça Teles para abrilhantar a ocasião. A distinta escritora Maria Augusta Sant’Ana, autora, dentre outros, da obra clássica “A Oligarquia dos Bulhões”, se destacou juntamente com os nomes de Maria do Rosário Cassimiro e Leda Selma.
O ponto alto do evento, entretanto, se deu após a abertura quando na tribuna agigantou-se o Escritor e Prof. Antônio César Caldas Pinheiro, que proferiu um panegírico rico em conteúdo e substancioso na pesquisa, legando à posteridade uma biografia completa dessa mulher forte, imensamente mãe, parlamentar, ativista de direitos humanos, oradora, escritora e acadêmica.
Dele destacamos os informes do seu gênero contextual que relata a vida, principais ações, experiências e legado biográfico de Ana Braga para a honra das nossas origens comuns do antigo norte goiano, que sempre foi o Tocantins e da outra margem a caudal do Rio do Peixe em suas ligações históricas com a vetusta São José do Duro, hoje Dianópolis, destacada cidade do sudeste do Estado:
“Ana Braga Machado Gontijo nasceu na cidade do Peixe, no antigo Meio-norte Goiano, hoje, no estado do Tocantins, no dia 29 de novembro de 1923. Região de povoamento antigo, por ali, antes mesmo que o Anhanguera iniciasse o povoamento do sul da região que mais tarde seria a capitania de Goiás, bandeirantes e Jesuítas palmilharam aqueles sertões.
Na região do Peixe ficaram célebres as fazendas Santa Tereza e Santa Cruz das Itans, pertencentes aos jesuítas, que depois se recolheram ao aldeamento de São José do Ouro, que por corruptela da gente do sertão se transformou em São José do Duro, hoje Dianópolis.”[2]
Sem mais vagar, confiram o saboroso panegírico reproduzido na íntegra por este colunista:
Ilustríssimo Escritor Ubirajara Galli, digníssimo presidente da Academia Goiana de Letras e ao cumprimentá-lo estendo os cumprimentos a todos os ilustres componentes da mesa.
Cumprimentamos o ilustre confrade escritor Gilberto Mendonça Teles, decano dessa Casa de Letras e orgulho de Goiás e na sua pessoa todos os confrades presentes.
Prezadas escritoras Maria do Rosário Cassimiro e Maria Augusta Santana de Morais, ao cumprimenta-las, saúdo as confreiras que nos honram com suas presenças.
Prezadas escritoras Maria do Rosário Cassimiro e Leda Selma, ao cumprimenta-las saúdo as confreiras que nos honram com suas presenças.
Cumprimento os familiares de Doutora Ana Braga, que se juntam a nós nessa homenagem que, se por um lado confere força estatutária, por outro, brota do coração dos confrades e confreiras da Academia Goiana de Letras.
Prezados amigos e amigas da cultura.
Reunimo-nos, hoje, para fazermos memória de uma mulher excepcional, que deixou atrás de si um rastro luminoso de realizações. Boa filha, excelente esposa, mãe, avó e bisavó; política decantada por sua honestidade e eloquência na tribuna, escritora de largos recursos literários, poetisa, jornalista, pesquisadora séria e metódica, confreira compenetrada de seus deveres para com as letras e a cultura em geral, amiga fiel, insigne brasileira, goiana, tocantinense.
Antes, porém, de discorrermos sobre a vida de Ana Braga, permitam-nos refletir sobre o que vem a ser memória. Segundo os dicionários “Memória é um termo que se refere a uma capacidade mental, cuja função é codificar, armazenar e recuperar informações, ou seja, permite-nos guardar, no nosso interior, experiências tais como sentimentos, acontecimentos, imagens, ideias, etc”.
Não obstante esse conceito científico, a ação que nos congrega aqui, é mais que meramente recordar. O termo grego para memória, etimologicamente se refere à atualização de algo, de uma personalidade, de uma ideia. Portanto, ao fazermos memória de nossa Confreira, reconhecemo-la presente, aqui, neste momento.
E não é preciso grandes cogitações para entendermos isso; basta que abramos nosso coração e com ele relativizemos o tempo, o espaço, essa dimensão passageira e material da vida e entremos no terreno transcendente do sentimento, que vê muito além do sensorial, e nos deixemos sentir, perceber e apreender o inefável, sublime, fluídico.
Esta casa, a casa dos imortais, o é justamente por isso, por meio da memória a imortalidade contempla os que são lembrados por suas produções litero-culturais. No âmbito sobrenatural, porém, fazer memória vai muito além da presença simbólica, da capacidade mental humana de recordar, pura e simplesmente. Para os que creem, fazer memória tem outro sentido. No âmbito da fé, quando fazemos memória de alguém, aquele de quem recordamos se faz, realmente, presente entre nós.
Lembremo-nos das palavras do Divino Mestre quando, no Memorial de sua paixão, nos deixou o mistério da fé: fazei isto em memória de mim: isto é meu corpo, isto é meu sangue. Assim, ao celebrarmos a memória de Cristo, Ele se faz presente, redivivo, transubstanciado nas espécies do pão e do vinho. E aqueles que creem, participam dessa vida imanente.
A vida não termina com a morte física, é apenas transformada. Nesse sentido, Ana Braga participa conosco dessa solenidade em sua homenagem e se alegra por ver aqui reunidos, a confraria, familiares e amigos que vieram testemunhar os valores morais e intelectuais de sua longa vida, plena de lutas e vitórias, sempre na senda do bem, na perseverante construção de um mundo melhor.
Aqui relembramos fatos e ações já por todos conhecidos, pois Ana Braga teve uma vida fulgurante, a partir da educação que recebeu de seus pais, de seus estudos no vetusto Colégio Santa Clara. Mas, também, ao romper com os padrões esclerosados de nossa sociedade, ao ocupar espaços antes reservados, apenas, aos homens, ao gritar e protestar por meio de sua voz e de seus escritos, ao conclamar homens e mulheres de boa vontade para se juntarem em prol de uma sociedade mais justa, onde todos pudessem ter voz e vez.
Lisonjeados com a incumbência com a qual o presidente Ubirajara Galli nos distinguiu, para falarmos sobre Ana Braga, precisamos fazer uma confissão. Ao lermos e relermos, pois o fizemos muitas vezes, o livro de autoria de Irmã Áurea Cordeiro Menezes intitulado Ana Braga, a têmpera da mulher tocantinense, magistral biografia de nossa homenageada, em um estilo escorreito que poderíamos classificar como lítero-científico, pois congrega a fluidez da narrativa elegante com a seriedade do método investigativo histórico-científico, vimo-nos possuídos por um sentimento estranho à nossa maneira de ser e pensar.
O epíteto mulher tocantinense deixava-nos como que uma pontinha de contrariedade. É que nos acostumamos desde pequenos a ouvir notícias sobre a atuação político-social de Ana Braga em nosso estado. Notícias elogiosas, que enalteciam sua vida e seus feitos.
Essas notícias e falas muitas vezes nascidas em conversas informais com nossos avós e tios, ou mesmo brotadas no calor das pesquisas e entrevistas que realizamos com dezenas de homens e mulheres que vivenciaram a história de nosso Estado no século XX, sempre terminavam assim: é, Ana Braga é uma grande goiana! Isso ficou gravado em nós.
Daí esta contrariedade infantil, prosaica até, mas de modo algum, pejorativa. Era, talvez, o gérmen do egoísmo humano, a nos tentar e a querer Ana Braga só para Goiás. Sem dúvida, é um pensamento pueril, de adolescente mal saído da infância. Compreendemos, porém, o porquê daquele sentimento. O que é bom queremos para nós, nossa família, nosso povo. Hoje entendemos claramente!
Aqueles que possuem a nobreza da envergadura moral, do amor à cultura que dissemina em seu redor, na verdade não pertencem a uma comunidade. Pessoas desse jaez são universais, como universal é o amor que as impulsiona a servirem ao bem comum. Por isso Ana Braga é tida como tocantinense, goiana, patrimônio primoroso da história do Brasil Central.
Queridos Confrades, familiares de Ana Braga, prezados amigos!
Ana Braga Machado Gontijo nasceu na cidade do Peixe, no antigo Meio-norte Goiano, hoje, no estado do Tocantins, no dia 29 de novembro de 1923. Região de povoamento antigo, por ali, antes mesmo que o Anhanguera iniciasse o povoamento do sul da região que mais tarde seria a capitania de Goiás, bandeirantes e Jesuítas palmilharam aqueles sertões.
Na região do Peixe ficaram célebres as fazendas Santa Tereza e Santa Cruz das Itans, pertencentes aos jesuítas, que depois se recolheram ao aldeamento de São José do Ouro, que por corruptela da gente do sertão se transformou em São José do Duro, hoje Dianópolis.
Peixe, cujo primeiro nome foi Santa Cruz das Itans, em lembrança à fazenda dos jesuítas, foi fundada pelo alferes José Antônio Ramos Jubé, antepassado do saudoso confrade Antônio Geraldo Ramos Jubé.
Os antepassados de Ana Braga vieram de Portugal e Espanha, e chegaram à região da cidade do Peixe quando o brilho áureo cintilava nas bateias, a enriquecer muitos e impulsionar o desbravamento do interior da colônia brasileira, particularmente o paraíso mesopotâmico do Araguaia e Tocantins.
Se por um lado em sua família corre grande porção do sangue europeu, sua genealogia se vê enriquecida com o sangue ameríndio, autóctone, dos povos da terra. Naquela região banhada pelos rios Tocantins, Santa Tereza e inúmeros regatos, a filha de Anísio Pereira Braga e Edetina Nunes Braga cresceu em unidade com a natureza, correndo solta pelos quintais, pelos largos da cidadezinha, a subir nas árvores para alcançar as frutas sazonadas, vislumbrando, do alto das copas das mangueiras, o caudal do Tocantins portentoso, na sua faina perene, em busca do oceano.
Tempos encantados vividos sob o sol meridiano, em contato direto com a natureza pródiga ou sob o luar, a contar estrelas, nos folguedos da infância, nas rezas, nas festas juninas e quermesses, junto ao povo simples, sertanejo, treinado nas intempéries e resoluto nas ações cotidianas da sobrevivência.
Aos 05 anos de idade, foi alfabetizada por seu avô materno, Joaquim Nunes Pinheiro. Desde aí tomou gosto pela leitura. Um dos primeiros livros que leu foi Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, leitura que a fazia deleitar-se com a narrativa telúrica e que falava de perto com a realidade de nossas cidades, povoados e arraiais cuja vida pouco diferia da vida rural daquele tempo.
Na vizinha Porangatu estudou com a Mestra Adelina Gonçalves na Escola Pública Feminina. De retorno ao Peixe, estudou com a Professora Fany de Oliveira Machado, normalista que estudara com as Irmãs Dominicanas Francesas, de Porto nacional.
Em 1934 transferiu-se com a família para o sul de Goiás. Em Trindade, após rigorosa avaliação, foi matriculada no 4º ano primário, do Grupo Escolar João Pessoa, dirigido pela professora Ana Maria de Oliveira (1892-1984), conhecida por Mestra Sinhá. Ao término do curso, em 1935, como prognóstico de seu dom para a eloquência, foi escolhida oradora da turma. Em Trindade morava seu tio paterno Constantino Pereira Braga. Ali também estudou com Eunina Hermano (Sanina – 1918-1998), depois fundadora do Lar das Meninas de Santa Gertrudes.
Em Campinas, então transformada em bairro da nova capital de Goiás, ingressou, em 1936, como aluna interna no Colégio Santa Clara dirigido pelas Irmãs Franciscanas alemãs da Terceira Ordem Seráfica de Au Ann In.
Neste vetusto estabelecimento de ensino concluiu o curso complementar em 1937, e o curso normal em 1941, sendo mais uma vez escolhida para ser oradora da turma de formandas. Interessante dizer que diversas alunas do Santa Clara se notabilizaram na arte retórica.
É que o Colégio se esmerava em ministrar aulas de Califasia e Retórica; Califasia, a arte ou técnica de pronunciar as palavras de modo expressivo e elegante, e Retórica, a arte de falar e expressar-se com desenvoltura.
Em 1956 bacharelou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Goiás e pouco mais tarde receberia o diploma em Licenciatura Plena em Geografia e História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Goiás, mais tarde integrada à Universidade Católica de Goiás, hoje PUC Goiás.
Sua vida profissional foi prenhe de realizações:
Aos 17 anos, tornou-se professora, nomeada pelo governador Pedro Ludovico Teixeira. Mais tarde, transferiu-se para o Lyceu de Goiânia onde exerceu o magistério por vinte e dois anos.
Lecionou, ainda, no Grupo Escolar Padrão, no Colégio Santa Clara e no Instituto de Educação de Goiás, em Goiânia.
Sua vida política é exemplo de dedicação e serviço ao povo. Em todas as suas ações postou-se sempre com lisura no lidar com a coisa pública e não poupava energias quando em jogo o bem-estar social. Neste sentido, já em 1947, aos 24 anos de idade, foi eleita vereadora na primeira legislatura da Câmara Municipal de Goiânia. Nessa época, lutou com denodado ardor pela redemocratização do Brasil, que vivia a ditadura Vargas
Uma outra bandeira que Ana Braga abraçou, foi em favor da vinda da capital federal para Goiás. O Professor Wolmir Amado, em sua tese doutoral intitulada A participação da Igreja Católica em Goiás na transferência da capital federal do Brasil, de 2021, chamou a atenção para a presença de Ana Braga na luta para a interiorização da capital.
Escreveu ele: Austregésilo de Athayde menciona apenas os “rapazes” entusiasmados que protagonizaram a 1ª Semana Nacional Mudancista. De fato, aquele evento foi majoritariamente masculino. Mas, no movimento nacional pela transferência da Capital Federal, também é possível localizar o protagonismo da mulher. Ela tinha nome, rosto e história: chamava-se Ana Braga Queiroz, era goiana e foi até Porto Alegre, em 1958, para enfrentar e difundir, com outra linguagem e outro método, a causa da “mudança” da Capital Federal.
Compôs, então a Comissão de Interiorização da Capital Federal. Aderiu ao Movimento Mudancista, e mesmo quando ainda aluna do curso de Direito, não deixou de propugnar por essa ideia. Realizou diversas viagens pelo interior do estado e para outros estados da federação, para apresentar e defender o projeto de transferência da capital do Brasil para o Planalto Central, em Goiás. Pregava que a interiorização da capital era uma necessidade, e pelo viés da Educação, explicava “o quanto ficaria mais fácil de se expandir a educação por todo o País a partir da interiorização”.
Em 1958, no Congresso de Educadores ocorrido em Porto Alegre, proferiu diversos discursos que visavam arrebanhar o apoio de outros estados ali presentes. Naquela ocasião levou para se apresentarem no Congresso as irmãs cantoras, Heloísa e Honorina Barra. Fizeram tanto sucesso que receberam o convite para participarem da inauguração da Rádio Farroupilha, oportunidade que Ana Braga aproveitou para conclamar os gaúchos a se engajarem na campanha em prol da mudança da sede administrativa da federação para Goiás.
Com sua eloquência, Ana Braga se opunha, então, ao Rio de Janeiro e outros estados contrários à mudança para o Planalto Central. Tal foi sua atuação em Porto Alegre que o jornal Diário de Notícias daquela capital, publicou, em diversos números, matérias referentes às suas falas e mesmo uma sua entrevista. Também foi colaboradora da Revista de Educação do Estado de Goiás, dirigida em épocas distintas por Floracy Artiaga Mendes, Vasco dos Reis Gonçalves e Amália Hermano Teixeira.
Em uma dessas notícias dizia o citado jornal: Ana Braga Queirós é goiana. Inteligente e viva, fala com muita facilidade e foi uma das figuras destacadas do III Congresso. Ao encerrar a entrevista, Ana Braga ao ser perguntada sobre a nova capital, finalizou dizendo: Brasília fará com que os olhos do país se voltem para o Brasil Central. (JORNAL DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 26/01/1958). Esse era o motivo pelo qual ela abraçou aquela luta, que o interior do país fosse conhecido e que o progresso pudesse abrir caminhos pelo sertão tão prodigamente favorecido pela natureza, e com um povo então esquecido em face à população privilegiada do litoral.
Em 1959 foi eleita Deputada Estadual. Transferindo-se para Tocantinópolis, foi primeira-dama do Município, acumulando o mandato de Deputada Estadual. Com a criação do Estado do Tocantins, foi Secretária de Estado e em todos os cargos que exerceu, atuou com honestidade, desempenhando sua missão na vida pública com aplauso popular, por ser conhecido o seu caráter e sua luta em favor do povo.
Seus projetos de lei ficaram famosos, eram elogiados e são modelos para os que buscam desempenhar bem o mandato que a sociedade lhes concede. Que o senso de responsabilidade de Braga possa ter seguidores na geração atual de nossa política. Felizes seríamos se nela se espelhassem no serviço à pátria.
Dra. Ana Braga aposentou-se como procuradora do Estado, em 1973, jamais, porém, deixou de servir à causa pública. Podemos dar o nosso testemunho quanto a isso. Das vezes que estivemos em sua casa, em nossos encontros para tratarmos de sua posse na Academia Itaberina de Letras e Artes, pudemos presenciar sua casa cheia. Pessoas do Norte, do Tocantins, chegavam à sua casa, e solicitavam a sua intercessão para isso e aquilo, pedindo conselhos e outros auxílios.
E Ana Braga, incansável, servia a todos, era realmente ministra, no verdadeiro sentido da palavra, ou seja, servidora. Estão aí a demonstrá-lo seu trabalho dedicado aos mais carentes nos diversos projetos sociais implantados em Tocantinópolis, Porangatu e Goiânia.
Em Porangatu fundou o ginásio e a escola normal, os primeiros cursos do Colégio Estadual. Em Goiás e Tocantins sua atuação humanitária sempre foi além dos cargos que exerceu, trabalhar para minorar o sofrimento do próximo era inerente à sua compleição religiosa e moral, herdada de seus pais, de seus maiores.
Oradora reconhecida pelos recursos de eloquência, seus discursos são memoráveis, harmônicos, escorreitos e precisos. Na campanha para a criação do Estado do Tocantins, sua voz ressoou vibrante. Sua luta em prol do novo Estado já era antiga. Herdou-a, certamente, de seus antepassados que já em 1823, reivindicavam a criação de uma província autônoma no Norte de Goiás.
Inteligência fulgurante, Ana Braga deixou publicadas as obras: A Comunicação no Médio Norte Goiano (1973); Nelly, a escritora amiga (1983); Nossa Senhora da Natividade, Padroeira do Tocantins (1999); A força do regionalismo na obra de Juarez Moreira Filho – 20 anos de literatura (2001); Retalhos (2006) e tantos outros escritos, discursos, palestras e conferências que se enfeixados fossem, formariam diversos volumes.
Casada a primeira vez, em 1951, com Luiz de Queiroz, seu primo, também natural do Peixe, quatro anos após, grávida da terceira filha, enviuvou-se. Desse consórcio teve três filhas: Maria Luíza, Efigênia e Edetina Augusta.
A segunda vez se casou, em 1960, com o médico Trajano Machado Gontijo Filho, nascendo-lhes quatro filhos: Antônio Paulo, Cláudio, Fernando e José Augusto. Nessa quadra de sua vida, Ana que fora enfermeira socorrista voluntária na Segunda Guerra, disposta a servir o País, se preciso fosse, nos campos da Itália, colocou em prática seus conhecimentos no hospital de seu esposo.
Dra. Ana Braga recebeu, país afora, diversas homenagens nas áreas da política e da cultura. Em 1969 fundou, junto com Rosarita Fleury e Nelly Alves de Almeida, a Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás; foi membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás, dessa Casa, a Academia Goiana de Letras, da Academia Tocantinense de Letras, Academia Trindadense de Letras, Ciências e Artes, Academia Itaberina de Letras e Artes e de outras entidades e instituições do gênero.
Não nos delongamos na apresentação das obras e feitos de Ana Braga no curso de sua vida pública e cultural e mesmo nas diversas homenagens recebidas Brasil afora. Fizemo-lo de propósito. Queremos exaltar o que sabemos estar na base de toda a sua vida edificante.
Sabemos de onde lhe veio a seiva que a impulsionou a viver fazendo o bem, e a fazer bem tudo o que fez. Sua família lhe proporcionou tudo isso. Foi a força do sangue a penetrar o âmago, a falar alto ao coração e a direcionar os passos da filha amantíssima, que jamais manchou a memória dos que lhe deram a vida. Pelo contrário, foi sempre motivo de orgulho dos pais que se não possuíam as riquezas que passam, foram ricos das que não passam, daquelas que os ladrões não roubam e as traças não roem.
Conservou no escrínio do coração e nas ações da vida o tesouro fecundo que seus pais lhe deixaram, incutido desde tenra idade, regado, guardado e abençoado, herança fecunda que passou a seus descendentes.
Honra teu pai e tua mãe para teres vida longa sobre a terra, ditou o Criador a Moisés. Ana Braga, no tarde da vida, ao olhar para trás, certamente em silêncio cantou o Te Deum Laudamus, o Magnificat anima mea Domino, em agradecimento pelas graças recebidas em sua vida tão pródiga de realizações. Sabemos também que entoou várias vezes o De profundis clamavi, ad Dominum.
Sim, foram muitos os sofrimentos, a perda do filho e de pessoas queridas, as incompreensões, decepções, a ingratidão. Mas, a tudo respondeu, e só ela saberia dizer com que esforço, com a serenidade daqueles que colocam em Cristo sua confiança. O ouro é provado no fogo! Mulher forte, de fibra, sua vida é para nós precioso ensinamento de como viver nesse mundo e não se contaminar com as misérias da alma humana, a fazer das dificuldades do caminho, das pedras encontradas, trampolins para a ascensão.
Mulher de fé profunda, foi amiga do hoje Venerável Padre Pelágio Sauter e como nos contou, recebeu dele alguns favores sobrenaturais, que a credenciaram a ser testemunha no processo instaurado para a canonização do denominado “Apóstolo de Goiás”.
Ana Braga, com a mão direita sobre o livro dos Evangelhos, narrou e jurou serem verdadeiros os fatos miraculosos que o taumaturgo Padre Pelágio realizou em seu favor.
Nos últimos anos, até mesmo em razão da pandemia que assolou o mundo, manteve-se recolhida em sua casa, rodeada pelos filhos e parentes. Imaginamos, que ao olhar para o passado pode aquilatar que não escondeu os talentos recebidos do Criador. Ela os multiplicou a mancheias, em favor das comunidades onde pontificou.
Certamente, no dia 20 de junho do corrente ano, Padre Pelágio pode receber sua amiga Ana Pereira, seu nome de solteira e pelo qual ele a chamava. Também as suas amigas sempre lembradas, Irmãs Glória Artiaga e Nelly Amorim, as companheiras de fundação da AFLAG, Rosarita Fleury e Nelly Alves de Almeida, seus pais, seu filho, amigos, e tantos anônimos e anônimas que auxiliou com seu trabalho nas obras sociais que empreendeu, ali estavam para recebê-la após a longa jornada, quase cem anos de vida. E Padre Pelágio tomando a frente a conduziu pela senda de luz, às moradas que Cristo prometeu àqueles que seguissem seu exemplo, amam a Deus e ao próximo como a si mesmos.
À Dra. Ana Braga, e seus familiares, a sincera admiração desse Sodalício e a gratidão por sua vida, por suas ações em prol de Goiás e Tocantins, em favor da cultura, por seu exemplo denodado de amor pela Pátria. Dra. Ana Braga, alma e coração, paradigma da mulher forte, honesta e destemida, trabalhadora, sensível poetisa e artesã da palavra escrita ou falada, orgulho de nossa gente, de Goiás, Tocantins, do Brasil!
[1] Abilio Wolney Aires Neto é Juiz de Direito, professor, autor de 15 livros, mestre em Direito e graduando em Jornalismo. Confira o canal no Youtube e Instagram de Abilio Wolney
[2] (Panegírico pronunciado pelo acadêmico Antônio César Caldas Pinheiro na Sessão Magna da Saudade em homenagem à Acadêmica Ana Braga Machado Gontijo, na Academia Goiana de Letras, no dia 03 de agosto de 2023).