57 anos do AI-5: o dia em que a ditadura institucionalizou o autoritarismo
14 dezembro 2025 às 10h34

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Em 13 de dezembro de 1968, o presidente Marechal Arthur Costa e Silva convocou uma reunião do Conselho de Segurança Nacional no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, para discutir medidas em resposta à afronta da Câmara dos Deputados que, horas antes, havia rejeitado o pedido de cassação do deputado Márcio Moreira Alves, com base em seu discurso em que pedia que as jovens brasileiras não namorassem oficiais do exército.
O discurso do deputado emedebista pela Guanabara foi muito mais duro do que um pedido para que as mulheres não namorassem os militares. “Vem aí o 7 de setembro e as cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão que os colégios desfilem junto com os algozes dos estudantes…. seria necessário que cada pai e cada mãe se compenetrasse de que a presença dos seus filhos esse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas”, seguiu. O pedido pelo fim da ditadura repercutiu entre a cúpula militar que respondeu com a reunião citada acima.
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Como resultado e resposta à fala de Alves, foi instituído o Ato Institucional nº 5, que autorizava o presidente da República a decretar intervenção nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição de 1967. O documento garantia ainda o direito ao presidente do regime ditatorial de suspender os direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos em todos os níveis.
Ouça a reunião que decretou o AI-5 na íntegra
“O presidente da República, que se considera ainda um legítmo representante da revolução de 1964: vê-se num momento crítico em que ele tem que tomar uma decisão optativa: ou a revolução continua ou a revolução se desagrega”
Com essas palavras, Costa e Silva inicia a reunião que desabrocharia nos períodos mais sombrios da história política brasileira. O AI-5 representou não apenas mais um, entre tantos outros, atos autoritários, mas uma ruptura definitiva com qualquer resquício de legalidade dentro do regime. Para além da cassação de mandatos e direitos políticos, o ato critou o ambiente que possibilitou os anos mais sangrentos da repressão (1969 a 1974).
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Entre as medidas, o AI-5 suspendeu o Habeas Corpus para crimes políticos; retirou do Judiciário qualquer poder de controle sobre os atos do Executivo; determinou o fechamento do sistema político com o fechamento do Congresso Nacional e institucionalizou a censura – já existente naquela época -, embora os jornais passaram a ter seus textos cortados ou substituídos; músicas, peças, filmes e livros foram proibidos e artistas, jornalistas e intelectuais foram perseguidos, presos e exilados.
Perda de apoio político
Politicamente, a instituição do AI-5 foi um fracasso total. Os grandes jornais, embora apoiadores, instigadores e entusiastas do golpe, reagiram de maneira fria e discordante que nem a censura conseguiu abafar. O Arena, partido que garantia a sustentação dos milicos no parlamento, tornou-se praticamente irrelevante nos assuntos do governo, que passou a tratar com desdém seus quadros políticos ao ponto de escolher ténicos e lideranças jovens para cargos de responsabilidade.

Dembarcou também do regime o governo norte americano, cujos representantes no Brasil foram instruídos a aumentarem o diálogo com as forças de oposição. A opinião majoritária entre os representantes norte americanos, segundo o historiador Rodrigo Patto Sá Motta, foi contrária ao AI-5, considerado como um lance perigoso e arriscado.
Ele aponta que a curto prazo, foram adotadas medidas tímidas para mostrar essa desaprovação, como corte de ajuda financeira e o embargo de aviões militares. Mas essa desaprovação se aprofundou com “ações críticas mais contundentes contra o governo brasileiro, sobretudo após o começo da adminsitração republicana de Richard Nixon, em 1969”
Márcio Moreira, o exemplo pedagógico
Símbolo inaugural da nova fase da ditadura militar, a cassação de Márcio Moreira é reconhecida por historiadores como o primeiro cassado diretamente pelo AI-5. A escolha de Márcio Moreira não foi casual. Jovem, articulado e com visibilidade nacional, ele representava um tipo de oposição que o regime considerava perigosa: institucional, eloquente e com capacidade de mobilização simbólica.

A partir de dezembro de 1968, as cassações se multiplicaram, atingindo parlamentares, governadores, ministros do Judiciário, intelectuais e professores universitários. O AI-5 forneceu a base legal para uma limpeza política em larga escala. Entre os atingidos nos meses e anos seguintes se descatam:
- Mário Covas (MDB-SP) – deputado federal, posteriormente senador e governador de São Paulo
- Almino Affonso (MDB-SP) – ex-ministro do Trabalho no governo João Goulart
- Francisco Julião (PSB-PE) – liderança histórica das Ligas Camponesas
- Hermano Alves e outros quadros do MDB considerados mais combativos
Pouco depois, o AI-5 avançou sobre um terreno até então intocado: ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram depostos. Em janeiro de 69, três ministros foram aposentados compulsoriamente: Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva.
O AI-5 também abriu caminho para a intervenção direta nos estados, com a deposição ou afastamento de governadores eleitos antes do golpe de 1964 ou considerados pouco alinhados ao regime, além de prefeitos de capitais e cidades estratégicas.

