César Garcia estava presente na comemoração de 11 anos de relacionamento dos arquitetos Marcelo Trento e Léo Romano. Confira o posicionamento da Arquidiocese da capital sobre o fato

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Padre César Garcia: “Tratam como delito, como se um ato de bondade fosse crime” | Foto: Arquivo Pessoal

O afastamento por tempo indeterminado do padre secular César Garcia de suas atividades religiosas por conta de oração em público pela união de dois homens traz novamente ao debate público questões referentes à fé e ao preconceito contra homossexuais, fixados numa linha tênue que diz respeito aos dogmas religiosos –– que passam por mudanças substanciais desde o início do papado de Francisco, em março de 2013. O fato ocorreu em 20 de maio último e foi registrado em fotos divulgadas em uma rede social. As imagens chegaram ao conhecimento da Arquidiocese de Goiânia, que por meio do arcebispo dom Washington Cruz, afastou a partir da tarde da última terça-feira (10/6) padre César da Paróquia São Leopoldo, no Setor Jaó, onde atuava há seis meses. Ele exerce o sacerdócio na capital há 30 anos. Um inquérito para apurar o caso foi aberto pela Igreja Católica.

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Em sua defesa, o sacerdote alega que sua atitude não passou de um ato ousado de bondade, próprio de Jesus Cristo. Em entrevista ao Jornal Opção Online na manhã desta quarta-feira (11), padre César Garcia classificou o afastamento como uma forma de tirar-lhe “o direito de ajudar as pessoas”, visto que não pode, neste período, exercer qualquer atividade ligada à instituição. “Tratam como delito, como se um ato de bondade fosse crime”, desabafou, referindo-se à nota oficial divulgada hoje pela assessoria de imprensa da Arquidiocese de Goiânia na qual se lê, de início: “A Igreja Católica, desde sempre, entende que o casamento é a união estável sacramental entre um homem e uma mulher, para juntos constituírem uma família. Esta compreensão é de valor inestimável para todas as comunidades católicas”.

Casal abençoado por padre César Garcia são os arquitetos Marcelo Trento e Léo Romano, juntos há 11 anos, tendo sido essa a motivação para a benção a eles e à residência | Foto: Reprodução Arquivo Pessoal Léo Romano
Casal abençoado por padre César Garcia são os arquitetos Marcelo Trento e Léo Romano, juntos há 11 anos, tendo sido essa a motivação para a benção a eles e à residência | Foto: Reprodução Arquivo Pessoal Léo Romano

O casal abençoado por padre César Garcia são os arquitetos Marcelo Trento e Léo Romano, juntos há 11 anos, tendo sido essa a motivação para a benção a eles e à residência. Em sua conta no aplicativo Instagram Léo abordou o afastamento do sacerdote e comentou que padre César é um amigo da família e que, naquela benção, sequer usava batina ou fez menção às características de uma missa. “Ainda assim, sofremos essa reação homofóbica e retrógrada da Igreja. Nos sentimos indignados com essa ação excludente, que não permite, acima de tudo, o direito de um ser humano manifestar seu afeto e carinho por amigos.”

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A reportagem buscou esclarecimentos junto a dom Washington Cruz, porém a assessoria de imprensa informou que outro porta-voz foi designado para comentar o caso, o Padre Luiz Henrique Brandão Figueiredo. Questionado quanto ao provável tempo de duração do processo, ele explicou não haver prazos pré-estabelecidos visto que depende das circunstâncias de cada caso. “Uma coisa é muito importante, a Igreja é muito prudente e veraz em sua avaliação, por isso prazos não vão ser estendidos, justamente para se ater à esta celeridade, à verdade e à prudência”, disse.

Tanto padre César Garcia como o porta-voz da arquidiocese não souberam responder sobre a possível punição para a atitude. “Ainda não se conhece todos os fatos dessa situação. A primeira medida foi o afastamento temporário, até para ele poder apresentar as suas explicações e defesas”, responde Luiz Henrique, frisando que o afastamento não é definitivo e vai durar o tempo que for necessário.

O fato envolvendo padre César Garcia ficará concentrado na Arquidiocese de Goiânia, que segundo padre Luiz Henrique, possui total autonomia de julgamento deste tipo, mas nada impede que “a discussão em nível público seja ampliada” e que o caso possa vir a chegar ao conhecimento do papa Francisco, por exemplo. De acordo com o porta-voz, este é o primeiro caso deste tipo que a Arquidiocese de Goiânia julga.

Discursos e atitudes

Dentre as atitudes e declarações do papa Francisco que indicam as mudanças pelas quais começa a passar a Igreja Católica está a de que não seria ninguém para julgar os gays. A declaração data da última Jornada Mundial da Juventude, sediada no Rio de Janeiro no ano passado. Sabe-se que em posição anterior à de pontífice, Jorge Mario Bergoglio chegou a se manifestar contrário à união homoafetiva, bem como a outros tabus para a instituição, como o aborto e o divórcio.

Porém, ao assumir a direção da Igreja Católica, o que começou a ser percebido com as atitudes do papa Francisco é a de reanálise dos dogmas católicos e busca pela adequação dos mesmos à realidade atual da sociedade. Em breve síntese sobre sua atitude ante à homossexualidade, em entrevista à revista jesuíta “Lá Civilta Cattolica” em setembro de 2013, Francisco disse que a religião até pode emitir opinião a respeito, mas “que Deus na criação nos fez livres”. O papa relata ao entrevistador que quando perguntando se aprovava a homossexualidade, preferiu responder com outra pergunta: “Diga-me: ‘Deus quando olha uma pessoa homossexual aprova a sua existência com afeto ou a repele condenando-a?’ É preciso sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus acompanha as pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua condição. É preciso acompanhá-las na misericórdia, quando isso acontece, o Espírito Santo inspira o sacerdote a dizer coisas mais justas”.

Sobre o exemplo do papa Francisco em comparação com a atitude da Arquidiocese de Goiânia em desfavor de padre César Garcia, padre Luiz Henrique disse à reportagem que é importante distinguir entre a pessoa e as atitudes. “As pessoas devem ser sempre acolhidas, e isso não significa necessariamente que nós aprovamos o que a pessoa faz.” Para exemplificar, o porta-voz citou a receptividade do papa Francisco a autoridades mundiais que o procuram, como presidentes, o que para ele não significa que o pontífice aprove situações de injustiça socais motivadas da parte desses presidentes. “Neste sentido todas as pessoas são acolhidas pela Igreja, o que não significa que todas as atitudes dessas pessoas sejam louváveis, isso não seria uma questão de homofobia”, fez questão de salientar.

Questionado sobre qual seria a orientação da Igreja Católica no acolhimento pessoas não hetéro que queiram seguir a religião católica, mas que não podem, por exemplo, casar-se dentro do rito católico, padre Luiz Henrique disse: “Com relação às pessoas que têm tendências homossexuais, elas são acolhidas e são convidadas a viver a fé na sua integralidade. Elas não estão impedidas de serem católicos nem de viverem a fé dentro da Igreja, mas assim como qualquer outra pessoa, ela é convidada a viver integralmente a sua fé.” Segundo o porta-voz, o casal homoafetivo que considere-se católico e siga os demais ensinamentos, estaria incorrendo numa falta devido à escolha do sexo de seu parceiro, como quaisquer outros católicos que, embora religiosos, não sigam todos os preceitos da Igreja Católica.

Para padre César Garcia, a Arquidiocese de Goiânia precisa “acordar para acatar as orientações vindas das atitudes do papa Francisco.” “Não analisaram a situação antes de me afastar. Eu orei com muito respeito, não desrespeitei a Igreja. O papa Francisco é um homem de Deus, que ajuda as pessoas sem julgá-las.”