É a pergunta que não quer calar no Oriente Médio e que ecoa por todo o mundo ocidental: uma revolução poderá ter início no Irã a qualquer momento?

Parece que sim. E não é preciso ir a fundo ou procurar os mais recentes relatórios dos serviços de inteligência para responder essa questão. Basta abrir o feed do seu Instagram, TikTok, X e outros aplicativos. A resposta está na web. Esses aplicativos se tornaram o oxigênio da geração Z no país, que está completamente isolado. Os jovens iranianos são mais conectados do que podemos imaginar, e eles estão cada vez mais indignados e com muita raiva.

“Não há mais como interromper o nosso ódio”: esse é o slogan que as mulheres iranianas resolveram encampar desde que passaram a desafiar a polícia dos costumes ao não usar o hijab ou chador, o véu que cobre a cabeça. De acordo com a lei islâmica que rege a teocracia iraniana, todas as mulheres do país — até visitantes — têm que usar o véu. Em caso de desobediência, a mulher pode ser presa e condenada a centenas de chicotadas ou até mesmo à pena de morte. Mas o clima de revolta que paira na capital, capitaneado pelas mulheres iranianas, tornou-se a grande dor de cabeça dos aiatolás. A nova geração não tem medo de tomar as ruas em protestos contra o regime. A resistência já virou estilo de vida e se espalhou por todo o país.

São tantos protestos que a oposição acabou se fragmentando. Agora, cada grupo tem sua própria agenda de prioridades na busca pelos direitos sequestrados em 1979 pela Revolução Islâmica. Muitos querem reformas, outros lutam pela queda do regime, e alguns grupos têm exigências mais urgentes, como o abastecimento de água, a segurança e até mudanças na condução da economia do país.

A sociedade civil iraniana despertou. Não há mais medo nas ruas em relação à força governamental que antes esmagava, com “mão de ferro”, qualquer tipo de protesto. A guerra contra Israel e o financiamento de grupos como Hamas, Hezbollah e houthis deixaram claro que o regime dos aiatolás não se importa com seu próprio povo. A população sente-se abandonada pelos governantes. As multidões que tomam as ruas de Teerã em desespero já não têm mais nada a perder e querem mudanças, nem que isso custe a própria vida. É um caminho sem retorno.

A revolução dos feeds e a geração Z

Até recentemente, os feeds iranianos funcionavam como forma de escapar da dura realidade imposta pela lei islâmica. Quase todos os vídeos publicados eram sketches do cotidiano. Os criadores tiravam sarro do custo de vida ou dos velhos costumes, mas, desde o mês passado, o humor deu lugar ao protesto. Essa mudança dramática começou assim que o país entrou numa espiral de crise na infraestrutura.

d13bdfea-d835-4e14-8f4d-6ed053a3f465
A revolução da geração Z | Foto: Reprodução

Primeiro foi o setor elétrico, que gerou apagões e deixou a população no escuro por várias horas por dia. Na sequência, teve início o desabastecimento de água não só na capital, mas em todo o país. A falta d’água chegou ao trending topics do TikTok no Irã através de vídeos que mostram o “antes e depois”, com imagens dos jovens nadando em represas, reservatórios e lagos e, depois, a realidade: imagens de um deserto formado por barro seco e trincado.

A seca catastrófica

A razão para a crise não recai somente sobre a natureza, com a diminuição dos períodos chuvosos e o aumento das temperaturas, mas também — e principalmente — sobre a ação do homem, que usou exageradamente os recursos naturais ao desviar o curso dos rios para a agricultura e pela falta de gerenciamento governamental da distribuição e do estoque de água. E, como tudo o que está ruim pode piorar, nos últimos dias as redes sociais dos jovens iranianos ficaram entupidas de imagens dos incêndios florestais que devastam boa parte do país. O governo não sabe o que fazer diante da catástrofe natural, porque não há aviões, nem equipamentos e, pior de tudo: não há água para combater o fogo porque o país secou.

WhatsApp Image 2025-12-12 at 15.45.18
Seca catastrófica | Foto: Reprodução

Enquanto o fogo consome florestas centenárias, em Teerã a crise da água acabou gerando um novo desafio às autoridades: a cidade está literalmente afundando, desde que a população passou a fazer poços artesianos e a bombear a água do subsolo. São tantos poços que o solo da cidade foi abalado e entrou em colapso. Nos últimos seis anos, desde o início da crise hídrica, Teerã afundou quase dois metros. Somente este ano, o solo da capital iraniana desmoronou mais de 30 cm. Vídeos postados no Instagram e no TikTok registram buracos enormes — os famosos sinkholes — em ruas, calçadas, estradas e outras vias da região metropolitana.

A situação é tão grave que o presidente Masoud Pezeskian veio a público para informar que talvez o Irã tenha que erguer uma nova capital, porque a situação em Teerã é catastrófica. Segundo ele, a cidade está afundando e vai entrar em colapso total em breve; por isso, os 15 milhões de habitantes talvez tenham que ser evacuados para outro local.

Apologia ao Xá

64ce0457-b796-4173-8ebc-10621173fca4
Á esquerda, o último Xá da Pérsia, Reza Pahlavi – à direita, o líder da Revolução Islâmica, Ali Khomeini | Foto: Reprodução

A questão ecológica colide de frente com uma grave crise econômica, provocada em parte pelas sanções impostas ao país pela comunidade internacional devido ao programa nuclear. O preço dos alimentos nunca esteve tão alto desde o início do regime dos aiatolás, em 1979. A dificuldade econômica levou outras gerações a se unirem à geração Z, não só nos protestos, mas em vídeos desesperadores em que pedem abertamente o fim do governo religioso do Irã. E aqui um elemento fascinante entra nessa história: a nostalgia. Ao contrário das gerações passadas que viveram a Revolução Islâmica, a geração Z não foi governada pelo Xá, Mohamed Reza Pahlavi Tudo o que sabem são histórias contadas por pais ou avós, mas a comparação que circula online é devastadora para o atual regime. Os jovens dividem a tela no TikTok e colocam, de um lado, membros do atual governo falando um inglês ruim e, do outro, o Shah, que se comunica num inglês aristocrático e eloquente. Uma forma de chamar atenção para a questão internacional. A comparação se estende até mesmo à vestimenta: de um lado, as roupas elegantes que os iranianos usavam até a revolução; de outro, os robes negros dos aiatolás e o chador também escuro das mulheres. Roupas que a geração Z considera fora de moda ou “old fashion”.

Não nos ataque. Não desperdice seus mísseis

A guerra com Israel viralizou entre os jovens iranianos, mas não de forma negativa. Pelo contrário, os vídeos publicados sobre o assunto não exigem a destruição de Israel. Ao gravarem, eles encaram a câmera de frente e não escondem o rosto ao mandar a mesma mensagem para Tel Aviv e Jerusalém: “Não nos ataque. Não desperdice seus mísseis. O Irã será destruído pelo regime que o governa — e sem a sua ajuda.”

WhatsApp Image 2025-12-12 at 15.56.19
Israel x Irã | Foto: Reprodução

A revolução que poderá mudar o Irã já começou. Mas há algo que não pode ser ignorado: a República Teocrática se baseia em um regime messiânico que idolatra a morte, não a vida. Por isso, ao tentar interromper a onda revolucionária para evitar seu colapso interno, o regime vai apontar um inimigo externo — que, por enquanto, ainda é um mistério — para tentar unir a população. Os aiatolás sabem que o custo dessa escolha será alto e severo. Mesmo assim, farão de tudo para se manter no poder, nem que os civis tenham que pagar o preço dessa tentativa que poderá garantir a sobrevivência da República Islâmica Socialista do Irã.

Leia também:

O “vidente” Zé Dirceu sugere “golpe” em 2026, caso Lula não seja reeleito, mas ninguém o denuncia