A hipocrisia é uma flor artificial que fala mal da falta de perfume

02 julho 2024 às 15h10

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Há uma polêmica exalando fumaça no ar. Fumaça esta que tem endoidecido muitos parlamentares federais e assim não verem fumus boni juris na questão, haja vista que alardeiam que não há direito na fumaça. Vou explicar melhor antes que a fumaça deixe a bússola do meu raciocínio tresloucada. Recentemente, mais precisamente no dia 26 do mês junho, o Supremo Tribunal Federal (STF), num placar de 6 a 3, decidiu pela descriminalização da maconha. O imbróglio se arrasta há nove anos. Na decisão, a Corte descriminalizou o porte da erva para uso pessoal e estabeleceu a quantia de 40 gramas para se distinguir os usuários de traficantes.
O respectivo assunto fez um até um senador goiano dar um piparote na orelha da ortografia. Em vez de escrever “Não à descriminalização da maconha”, escreveu “Não à ‘discriminalização’ da maconha”. Ele escorregou na semântica dos verbos “descriminar” (deixar de ser crime, inocentar) e “discriminar” (diferenciar, separar).
Estou observando atentamente esse auê midiático dos parlamentares contra a maconha. Percebo muita trolagem e pouquíssimo tirocínio, o qual é fundamental ao desempenho da função parlamentar. Querem por tudo jogar na fogueira a decisão do STF. Há, porém, nessa escaramuça verbal, um teatro barato por parte dos parlamentares contrários à descriminalização. Não estou vendo nenhuma palavra deles contra o consumo de álcool.
Eu tive a sorte de não ter tido sérios danos físicos nem causado a ninguém nos dois acidentes que tive. Talvez morrido ou matado. Em ambos, eu estava bem encharcado de álcool. Felizmente meti o pé no freio na bebedeira. Hoje consumo muito pouco: não passo de três taças de vinho. Antes era cerveja. Tomava umas, mais algumas e outras mais… Na juventude, andei matando alguns baseados, mas aí surgiram algumas ondas ruins: em vez de ser abduzido por um disco voador e assim viajar no espaço, passei a ser perseguido por Cérbero: o cão cruel da mitologia grega de três cabeças, que guardava as portas do inferno.
O álcool, conforme pesquisa divulgada recentemente pela Organização Mundial, mata 2,6 milhões de pessoas anualmente no mundo e 600 mil perdem por uso de drogas psicoativas. Vejo nesse barulho parlamentar as palavras de François La Rochefoucauld: “Hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude”. Ele alfineta mais: “O homem que frequentemente se exibe como honrado e probo dá justos motivos de suspeitar-se que não é tal ou tanto como se recomenda”.
O deputado Gustavo Gayer, que para o bem de Goiânia, desistiu da candidatura a prefeito, vejo-o dentro do que falou Rochefoucauld. Ele, que tem álcool e mortes em sua capivara, fez postagem em suas redes sociais se valendo de uma montagem: a sessão do STF sobre decisão relacionada à maconha com folhas da erva ao fundo. E acima da postagem, chutou o traseiro da ortografia: “Mas democracia está ‘punjante’”. Ele, acredito, quer é uma democracia (pum)jante, uma democracia fétida moralmente…

Ele ostenta-se honrado e probo, mas exibe motivos explícitos de que não é simpatizante de uma democracia “pujante” como a que está em curso conforme manda nossa Constituição, a qual foi defendida pelo admirável comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, em sua posse em dezembro de 2023: “Democracia pressupõe liberdade, garantias individuais, políticas públicas e também é o regime do povo, alternância de poder. Alternância de poder. É o voto. E, quando a gente vota, tem que respeitar o resultado da urna”.
Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza