Um estudo de grande escala, realizado e prolongado pela Universidade de São Paulo (USP), aponta que 54% dos casos de demência na América Latina podem ser evitados. A pesquisa, liderada pela professora Claudia Kimie Suemoto, da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), foi publicada recentemente na The Lancet Global Health, uma das revistas científicas mais respeitadas da área da saúde. O estudo, que analisou mais de 107 mil pessoas de diferentes países da América Latina, identifica 12 fatores de risco modificáveis que podem reduzir significativamente a incidência da doença na região.

O estudo, que se estendeu de 2015 a 2021, investigou a relação entre condições de saúde e comportamentos com a prevalência de demência em sete países: Brasil, Argentina, Chile, México, Peru, Bolívia e Honduras. Os pesquisadores descobriram que fatores como obesidade, hipertensão, inatividade física, depressão e consumo excessivo de álcool são os principais determinantes de risco para o desenvolvimento de demência. A pesquisa revelou ainda que esses fatores podem ser controlados ou modificados com mudanças no estilo de vida ou com o uso de tratamentos médicos adequados, o que abre um caminho para a prevenção da doença.

“Este estudo representa a primeira análise robusta sobre os fatores de risco da demência em toda a América Latina, o que é um marco para a saúde pública. Não existe nada parecido na Europa ou na Ásia, o que torna as descobertas ainda mais significativas”, afirmou a Dra. Claudia Suemoto, que coordenou a pesquisa. Para ela, os dados fornecem uma base sólida para políticas públicas focadas na prevenção da demência, especialmente em países de renda média e baixa, como os da América Latina.

A pesquisa se concentrou em 12 fatores de risco que podem ser modificados ao longo da vida, como a falta de educação formal, perda auditiva, hipertensão, obesidade, tabagismo, depressão, isolamento social, inatividade física, diabetes, consumo excessivo de álcool, poluição do ar e lesões cerebrais traumáticas. A identificação desses fatores tem implicações diretas na prevenção da demência, uma vez que, ao serem tratados ou evitados, podem reduzir consideravelmente a prevalência da doença.

Entre os fatores mais prevalentes na região, a obesidade, a inatividade física e a depressão se destacam como os maiores contribuintes para o aumento do risco de demência. Além disso, o estudo sugere que a implementação de políticas públicas voltadas à redução desses fatores de risco pode ter um impacto substancial na prevenção de novos casos. A pesquisa apontou que, no Brasil, 48,2% dos casos de demência poderiam ser evitados com mudanças no estilo de vida, uma taxa abaixo da média regional, que é de 54%.

Os dados também mostram variações significativas entre os países latino-americanos. Por exemplo, a taxa de prevalência da baixa escolaridade foi particularmente alta na Bolívia (63,5%), enquanto no Brasil a taxa foi de 46,7%. Já a hipertensão foi mais prevalente no Brasil (46,4%) e menos comum na Bolívia (3%). Em relação ao consumo de álcool, a Argentina apresentou a maior taxa (32,8%), enquanto o Brasil teve a menor (4,3%).

Outro achado relevante do estudo foi a análise sobre o tabagismo e a poluição do ar. Honduras teve a maior taxa de tabagismo entre os países estudados (86,9%), enquanto o Peru registrou a menor taxa (58,3%). A poluição do ar também variou consideravelmente, com o Chile apresentando a maior taxa de exposição (86,2%) e o Peru, a menor (47,6%).

Em relação à saúde pública, o estudo evidencia que a combinação de políticas eficazes e a conscientização sobre os fatores de risco podem ser fundamentais para a prevenção da demência. “Países como a Argentina já implementaram políticas públicas que contribuíram para a redução de fatores como a baixa escolaridade e o tabagismo. Isso mostra que mudanças políticas e sociais podem ter um impacto positivo na saúde da população”, destacou a Dra. Suemoto.

No Brasil, o Ministério da Saúde já iniciou campanhas de conscientização sobre a importância da prevenção da demência, com foco na redução dos fatores de risco identificados pelo estudo. A principal mensagem é que a prevenção deve começar cedo e que mudanças no estilo de vida, como a adoção de uma dieta equilibrada e a prática regular de atividades físicas, podem reduzir o risco de desenvolver a doença no futuro.

Embora o estudo tenha identificado que 54% dos casos de demência na América Latina são evitáveis, a Dra. Suemoto reforça que a doença é complexa e envolve múltiplos fatores, muitos dos quais ainda não podem ser controlados ou modificados. “A demência não é uma condição inevitável da velhice. Podemos reduzir significativamente os casos se controlarmos os fatores de risco. No entanto, a prevenção não é simples e depende de um esforço conjunto entre a sociedade, os governos e o sistema de saúde”, explicou.

A doença de Alzheimer, a forma mais comum de demência, é responsável por cerca de 60% dos casos. Contudo, a demência não afeta apenas idosos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 9% dos casos se iniciam antes dos 65 anos, o que torna ainda mais urgente a necessidade de ações preventivas.

O estudo da USP é um dos maiores já realizados sobre o tema na América Latina e traz uma mensagem clara: a prevenção da demência deve ser encarada como uma prioridade na saúde pública. Com o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento populacional, a adoção de hábitos saudáveis e o controle de fatores de risco podem desempenhar um papel crucial na redução da carga dessa doença.

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