Na esteira do atual momento brasileiro, autores aproveitam para lançar obras para explicar como o Brasil chegou até ele

Montagem

Vinícius Mendes
Especial para o Jornal Opção

Desde que o processo de deposição da presidente Dilma Rousseff (PT) começou, em dezembro de 2015, o Brasil parece não ter saído de uma imensa crise política complexa que se estendeu para a economia e para a sociedade como um todo.

De lá para cá, a Operação Lava Jato, da Polícia Federal, já prendeu mais de uma centena de pessoas – entre políticos, empresários e funcionários públicos -, a Câmara dos Deputados já teve três chefes, o atual presidente já enfrentou duas denúncias de crimes feitas pela Procuradoria Geral da República e novos candidatos a governar o Brasil, antes nas sombras, surgiram com força.

Na economia, o país registrou uma retração de 3,6% no PIB no ano passado – mesmo ano em que a vizinha Bolívia, por exemplo, teve crescimento de 5% -, chegou a ter uma taxa de inflação mensal de 9% e reuniu aproximadamente 14 milhões de pessoas sem emprego. Em julho deste ano, o jornal estadunidense New York Times publicou um artigo chamando o momento brasileiro de “caos”.

Durante esse período, cresceu ainda a polarização entre dois lados do país: um que reúne pessoas do espectro progressista, que defenderam Dilma Rousseff durante o processo do seu impeachment, são opositoras ao governo de Michel Temer (PMDB) e se manifestaram favoráveis a pautas como legalização do aborto e contrárias aos projetos de redução da maioridade penal e de reformas trabalhista e previdenciária.

O outro tende a se dividir entre liberais e conservadores que, liderados em sua maioria pelo Movimento Brasil Livre (MBL), são críticos do tamanho do Estado brasileiro, do que chamam de “marxismo cultural” e, mais recentemente, da arte contemporânea do país. No momento mais tenso dessa divisão, a Polícia Militar do Distrito Federal chegou a erguer um imenso muro na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para dividir defensores e críticos do então governo de Dilma, em abril de 2016. As fotos das pessoas separadas pelos tapumes de ferro rodaram o mundo.

Em meio à crise, também pululam autores que tentam oferecer visões do Brasil que colaborem na compreensão do momento. Nas livrarias, o crescimento de obras que prometem explicar o país pode ser visto nas principais estantes, assim como nas promoções feitas pela internet. Neste mês, durante a Black Friday de livros, a expectativa dos lojistas é que textos sobre a situação brasileira atual sejam sucesso de vendas. Para ajudar os possíveis interessados, o Jornal Opção lista três deles:

Por que o Brasil é um país atrasado?

Luiz Phillipe de Orleans e Bragança

Editora Conceito, 2017, 248 páginas

Ainda em giro pelas principais capitais brasileiras, o empresário Luiz Phillipe de Orleans e Bragança, membro da família real brasileira e ativista político no Movimento Acorda Brasil, se prepara também para participar do seu primeiro grande evento político: o congresso nacional do MBL, no final deste mês. Em outubro, ele publicou Por que o Brasil é um país atrasado?, seu primeiro livro desde que decidiu entrar para o debate público. “Eu era alienado até 2014”, conta ele ao Jornal Opção.

Na obra, Luiz Phillipe defende o liberalismo ortodoxo, em que o Estado deve atuar apenas para equilibrar determinados aspectos da economia e da política. Para ele, o Brasil é atrasado porque, desde a proclamação da República, foi governado por interesses de oligarquias ligadas ao poder central que, por meio do excesso de regulamentações estatais, puderam se perpetuar no poder.

“Nossa constituição tem 160, 170 artigos, e, desde 1988, foi modificada 100 vezes. Ou seja, dois terços da constituição já foram alterados. O resultado é o mesmo: ainda temos um país medíocre em termos de qualidade de vida – nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é medíocre -, temos instabilidade política e temos pobreza. Será que não é fato de que estamos intervindo demais? Quanto mais interferência há, menos estabilidade se dá e menos capacidade de gerar poupança. É essa poupança que traz riqueza para a sociedade, não é regulamentação e interferência do Estado”, explica.

Luiz ainda critica o excesso de poder em Brasília, a ausência de dispositivos de recall de políticos e de um chefe de Estado paralelo ao presidente. Uma das saídas, para ele, é a restauração da monarquia e a mudança para o modelo parlamentarista. A manutenção da República, no entanto, é possível por meio de uma série de alterações – a começar pela Constituição de 1988 que, na visão do autor, é demasiadamente de “esquerda”.

O pecado original da República

José Murilo de Carvalho

Editora Bazar do Tempo, 2017, 294 páginas

Um dos principais historiadores brasileiros e autor de estudos que se tornaram pilares para a historiografia do país, como A cidadania no Brasil, de 2004, José Murilo de Carvalho acaba de lançar seu nono livro sobre o mesmo tema: O pecado original da República fala sobre a transição da monarquia à república no Brasil.

Assim como já havia argumentado em outras obras, Murilo diz que, apesar da questão da legitimidade do movimento republicano ser complexa e pautada por vieses ideológicos do presente, a proclamação de Marechal Deodoro em novembro de 1889 foi um “golpe militar” que não contou com a participação popular. Assim como o título de seu livro de 1993, a imensa maioria do povo assistiu àquela profunda transformação “bestializada”.

“Embora os propagandistas falassem em democracia, o pecado foi a ausência do povo, não só na proclamação, mas pelo menos até o fim da Primeira República. Nesse período, tivemos uma república patrícia e oligárquica, não democrática. Incorporar plenamente o povo no sistema político é ainda hoje um problema de nossa República. Pode-se dizer que as condições do país não permitiam outra solução e que os propagandistas eram sonhadores. Muitos realmente eram”, contou à BBC.

O problema disso, para Murilo, é que a República brasileira sempre foi desigual em diversos espectros: não apenas econômica, em que a divisão social se reflete tanto nos grandes centros urbanos como no campo, mas também política, em que nem todos os cidadãos têm seus direitos respeitados. Uma possível solução implícita no texto publicado agora é que o povo seja mais inserido nas decisões sobre o país, fazendo com que a realidade brasileira seja adequada ao projeto republicano.

Todos contra todos – O ódio nosso de cada dia

Leandro Karnal

Editora Leya, 2017, 144 páginas

Ao contrário dos outros autores, o historiador e professor Leandro Karnal ficou conhecido por sua presença constante em reportagens da mídia alternativa paulistana e pela proliferação de seus pensamentos nas redes sociais. Em junho, ele lançou seu primeiro livro, que fala sobre a sociedade atual: Todos contra todos – O ódio nosso de cada dia. Antes, ele havia publicado apenas obras sobre religião e história, além de textos pedagógicos sobre as relações entre professores e alunos.

No livro, Karnal retoma um assunto pelo qual passou desde que se tornou famoso, em 2012: o ódio entre as pessoas em cenários de crise. Um dos seus focos de observação são as redes sociais, onde ele acredita que se manifesta uma realidade contrária ao que sempre se acreditou. “O brasileiro não é pacífico. Ele é violento. No trânsito, em casa, nas ruas, nos comentários das redes sociais e nas fofocas nas esquinas. Somos violentos ao torcer por nosso time e ao votar. Somos violentos cotidianamente”, afirma.

Curiosamente, ele mesmo vem sofrendo com esse tipo de violência nas redes sociais. Em sua página no Facebook, onde é seguido por 1,2 milhão de pessoas, ele sofre constantes ataques – sejam xingamentos, provocações ou até mesmo ironias. Ele garante, no entanto, que já sabe como lidar com eles. Nem tudo, porém, é ódio: recentemente, um seguidor lhe perguntou por que ele não entra para a política. “Sou mais influente como professor do que como político”, respondeu.