O poeta-crítico-professor-cidadão do mundo: Gilberto Mendonça Teles
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04 dezembro 2024 às 23h00
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Artigo originalmente publicado em 9 de janeiro de 2022
Maria de Fátima Gonçalves Lima
Gilberto Mendonça Teles é um cidadão do mundo, lúcido, amoroso, senhor de si e da arte construtiva de sua poética estigmatizada pela perfeição: a maior, a mais ousada, a mais completa, apurada no cadinho do corpo e alma, do cérebro e do coração.
O poeta-crítico-professor-doutor tem seu vasto currículo a publicação de 24 livros de poemas, 16 antologias poéticas do autor; 30 livros de ensaios críticos relevantes, 23 obras em colaboração, totalizando 93 obras, além de vasta discografia, e seus poemas traduzidos em mais de 10 línguas.
Segundo a Professora Isabel Ponce Leão, da Universidade Fernando Pessoa do Porto, Portugal, em sua fala, em homenagem ao aniversário do poeta, em junho de 2021: “Gilberto Mendonça Teles é um mito em Portugal, é considerado um dos maiores ensaístas da obra camoniana com seu estudo ‘O Mito Camoniano’. Gilberto é uma referência no país de Camões”.
O poeta é considerado — na França, Rennes, Lili, Paris (na Sorbonne Nouvelle Paris 3) e na Espanha, especialmente em Salamanca — como um dos críticos brasileiros mais eminentes quando o tema é Camões, Machado de Assis, Drummond, da Vanguarda Europeia e, claro, poesia em geral.
Conhecendo a filosofia de vida e obra do poeta, aprendi que a simplicidade não reside na qualidade do que simples, mas na desafetação e busca da naturalidade. Essa é a lição primeira que o grande escritor transmite para que tem o prazer de seu convívio e que faz com que todos se encantem com o eminente autor goiano. Pesquisador incansável, vive intensamente a literatura, dorme tarde, acorda muito cedo e está sempre escrevendo o grande livro de sua vida. Está em permanente conexão com a contemporaneidade, é ágil nas ações e sempre realiza com propriedade tudo que se propõe. Seu trabalho é pautado pela perfeição que é sua maior devoção. Vive numa contínua imersão no rio da linguagem procurando a poesia que se esconde no silêncio das palavras, nas imagens retorcidas, como ele já escreveu: “As coisas não me falam de improviso:/ a pedra, o rio, o pássaro, a cor/ que toma a nuvem no final da tarde,/ primeiro se eternizam nos meus olhos,/ depois se reinventam, se revelam/ serenas no seu verbo inusitado”.
O poeta seleciona a “coisa / vida” das palavras, num aprendizado contínuo em busca da perfeição formal, do aprimoramento da forma poética, sempre escolhendo cada palavra na medida justa para buscar o esmero da linguagem poética. Sua alma aspira por tudo que encerra a vida transitória e procura a imortalidade por meio da verdadeira poesia, da beleza suprema, da perfeição. O seu ideal é a poesia em seu mais alto estilo, como poetizou: “Anseio pela Perfeição suprema/ das ideias e formas, que imagino/ nos acordes maviosos de um violino/ ou nas estrofes suaves de um poema”.
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Ainda muito jovem, Gilberto Mendonça Teles encontra a poesia. Em 1955, lança seu primeiro livro – Alvorada. Foi o crepúsculo matinal, o compromisso inicial com o poema. Em Alvorada, o ideal poético não passa de um “sonho” das noites de inspiração.
Estrela-d’alva (1956) dá continuidade à trajetória do poeta em direção ao conhecimento da poesia; Planície (1958) fez uma esplanada para descobrir novos rumos em sua caminhada poética. Fábula de fogo (1961) realiza uma travessia entre o poeta-romântico e o poeta-crítico. Pássaro de pedra (1962), apresenta uma consciência criadora, livre de medos e sombras que o embotam em seu estado noturno. [Sonetos do azul sem tempo] (1964); Sintaxe invisível (1967) inicia a etapa denominada pelo poeta de “Sintaxe” e mergulha no rio da linguagem e, numa incessante procura do poético, chega às profundezas do discurso, onde tudo é silêncio. A poesia está invisível e o poeta deverá saber decifrá-la, encontrá-la nesse rio da fala, do discurso e invade ansiosamente o mundo das palavras, tentando decifrá-las, pois tal como a famosa esfinge de Tebas, elas anunciam: “Decifra-me ou devoro-te.
Em “A Raiz da Fala” (1972) as teorias do poeta-crítico sobre a linguagem são colocadas em prática com intensidade. A preocupação com a descontinuidade que mora na poesia pura passa a existir mais profundamente agora.
Arte de armar (1977) opera em nosso espírito o livro do poeta latino Arte de Amar. Mas não estamos nos referindo ao livro de Ovídio e sim, ao de Gilberto Mendonça Teles falando de cátedra sobre todas as artes e manhas do amor pela poesia e os mistérios das palavras e apresentação agora que há sempre uma armadilha no discurso. Isto quer dizer que, embora conhecendo todos os seus mistérios, é preciso ficar atento com as armas e bagagens / e algumas apólices / armadura, / a(r)ma o teu próximo / para a melhor viagem / nesta leitura, como poeticamente exprimiu.
A partir de Arte de armar a poesia de G. M. T. ficou liberta da palavra exata do modismo. O poeta pronuncia-se contra a palavra santa, pura, convencional e demonstra sua rebeldia, ensinando como fazer um poema gilbertino, como afirmei no livro O signo de Eros em GMT, publicado em 2020, com edição ampliada por outros ensaios sobre o escritor. Nesse meu estudo, defendendo que estilo gilbertino é caracterizado pela transgressão e que sua poesia está, nesta fase, maliciosa e erótica. O próprio poeta admitiu essa classificação e fez um poema denominado “Soneto goiano”, publicado em Falavra, em que fala de seu modo gilbertino de amar-poetar: “Libertino não sei, mas gilbertino/ com certeza se diz, enviando setas/ contra o meu jeito arisco de menino,/ contra as minhas manias prediletas”.
Saciologia goiana (1980) é um canto de amor à língua portuguesa, o seu instrumento de trabalho e a um Estado que fica no coração do país e, principalmente, no peito do poeta: Goiás. Tal como o maior nome da língua lusitana, Luis Vaz de Camões, que amou a língua mãe como ninguém, cantou as glórias de sua terra, mostrou o heroísmo do seu povo e morreu amando seu país, Gilberto Mendonça Teles vestiu-se de Camões para falar de seu estado, sua terra: “Goiás”: “Só vejo, Goiás, quando me afasto/ e, nas pontas dos pés, meio de banda,/ jogo o perfil do tempo sobre o rasto/ desse quarto-minguante na varanda.” (TELES, G.M. (1993) p.88/89)
Saciologia goiana fala dos heróis (sem “agá”) de Goiás, com seus jeitos e seus ais, é, antes de tudo, a explosão de toda paixão, até então acumulada — é a volúpia, o prazer, a liberdade de falar de seus amores e de seus desafetos sem medo.
O poeta canta o seu amor por tudo que lembra seu Estado: o rio Araguaia, o amigo do poeta, que se levanta da planície e corre pelo sertão de silêncio e mito. O Rio Araguaia da paixão pela linguagem de sua sintaxe invisível; dos anzóis matreiros com peixes e sereias míticas; dos inesquecíveis amigos e horas de sonho e de saciologias. Assim, para cantar este sertão o artista da palavra torna-se o saci dos ermos goianos, e transforma-se em Camongo: “Minha perna foi se enrijecendo,/ Foi-se tornando longa feito um veio/ Uma pepita de ouro, o estratagema/ De uma forma visual que vai possuindo” .
O sertão goiano – com sua Iara encantada, seus fantasmas, superstições e saci — é exaltado neste poema épico. Para falar desse duende, o poeta torna-se a própria entidade fantástica e faz uma descrição “saciológica”, uma vez que com a alma do Saci torna-se um pesquisador das lendas e fatos de Goiás, utilizando-se sempre da sociologia e da lógica para falar a verdade, mas, antes de tudo torna-se lendário como o próprio saci.
Mas, é claro que, para quem tem poderes especiais, não faltará quem o provoque, dizendo: É de Goiás e tem bodoque… (Teles, G.M. SG. (1982) p.21) Muitos intelectuais surpreendem-se ao saber que Gilberto se formou e se fez em Goiás. Para esses intelectulóides do litoral, que confundem Goiás com Mato Grosso, por aqui só há índios. E podem ter certeza de que sim: há índio e há saci. O índio é perigoso, é antropófago e tem bodoque. Sua flecha nunca erra, sempre bate para debelar e ruir por terra os invejosos.
Em Saciologia goiana acontece a aproximação do poeta com seu Estado, seu povo e as suas lendas. O Saci é uma figura lendária, percorre o chão goiano cheio de peripécias, onde o fantástico predomina com todas as letras, tanto na beleza física como nas suas histórias. Tanto o Saci quanto o poeta têm deixado várias estórias pelos lugares que percorreram. Muitas dessas narrativas não passam de meras ficções: assim como o Saci, o poeta carrega a sua diabrura como um estigma.
O poeta-Saci percorreu todo o mundo, mas sua alma ficou nos ermos Goianos. Saciologia goiana, já se disse, é livro de amor dedicado a Goiás. O poeta dá uma lição sobre seu Estado. Na geografia aparecem as fronteiras, todo sertão goiano é descrito, incluindo localidades e hidrografia. Para comprovarmos esta afirmação, escolhemos um poema que sintetiza todo esse amor por Goiás.
O livro “Plural de nuvens” concebe, em seu título, o seu significado multifacetário, simbólico e cheio de sugestões. Entre as várias leituras que podemos fazer dessa graduação plural, preferimos trabalhar com algumas lições plurais que o poeta-crítico nos transmite, doutrinas qualificadas de herméticas por serem ricas.
Além das obras mencionadas são destaques: Caixa de fósforos (Poemas Dedicados e Circunstanciais) (1999) Álibis. ( 2000. Arabiscos. Improvisuais. (2012) Linear G. (2010). Prêmio Jabuti, 2011.Aprendizagem (2011) Improvisuais (2012) Brumas do silêncio. 2014. O terra a terra da linguagem (2017). O lirismo rural. (Ou Sereno do Cerrado) (2017) Edição bilíngue (português-inglês).
Devo ressaltar que “Lirismo Rural” é um livro que possui características ecocríticas e originais e nele o artista da palavra expõe o homem em seu mergulho interior, a natureza no contexto do cerrado goiano, apresenta uma ecopoesia tecida e os “espaços” revelados por meio da palavra: a imagem e as palavras, o poema e sua transcendência.
Os mitos poéticos do Cerrado representados na obra perpassam pelas vidas dos que aí habitam. E, de forma genial, o autor deixa em seus poemas espaços para que os mesmos transitem de forma imagética com o real. Lirismo Rural é uma obra de regresso imaginário do poeta ao Cerrado. Dessa forma, o poema que dá início à obra, intitulado “Nascimento de Sereno”, remete à vida de todo os seres viventes presente no bioma.
Diante do exposto, sempre travando uma consciente e diuturna convivência amorosa com as palavras, Gilberto Mendonça Teles compromete-se, de uma obra para outra, com o aperfeiçoamento da forma. É considerando esta perspectiva que ele escreve. Pensando em uma comunicação essencial e real com o mundo e com o outro é que ele joga sua alma, criadora e inteligente, às letras, trazendo-as a uma nova dimensão, original e excepcional. Assim, sua poesia surge como num momento epifânico do próprio ser, momento que trará o homem de volta à sua realidade existencial, fazendo com que as brasas do ser reacendam em seus ninhos de cinzas, tal qual a lendária Fênix.
Em meus estudos sobre a obra do poeta escrevi que ele possui um intenso brilho descritivo e expõe em sua poesia um jogo hábil de sensações e impressões. É ele um mágico da linguagem, tem o segredo de, com mestria, unir o conteúdo ao jogo de formas e emoções, nascendo desta união os jogos do amor e do humor, os paradoxos engraçados, as falsas confidências, demonstrando, nesta mágica, a realização de uma poesia altamente intelectualizada. Acrescentamos ainda que demonstrou conhecer profundamente o poético, deu uma aula de verdadeira poesia. Nesta lição, vimos um misto de mágico, filosófico, poeta-Saci, homem perspicaz, de inteligência invejável. E, realmente, deu não apenas o pulo do Saci, pulo de malandro, de sábio, mas o verdadeiro pulo de gato. Deste pulo, salta aos nossos olhos um poeta criativo, liberado de qualquer preconceito, que fala amplamente do amor com humor e ironia e faz isso com o poder de um mito da poesia e da crítica brasileira.
Maria de Fátima Gonçalves Lima, professora-doutora, é ensaísta, crítica literária, escritora de obras da literatura infanto-juvenil e titular da cadeira nº 5 da Academia Goiana de Letras (AGL).