Mesmo abaixo da média nacional, o percentual de 12,4% em Goiás refletiu no dia a dia dos goianos; a economista Greice Guerra ressalta a importância da qualificação da mão de obra e do estudo para a reversão dessas estatísticas a longo prazo

Apesar de, neste sábado, 1, ser comemorado o Dia do Trabalhador, o cenário predominante no Brasil é o de desemprego. Mesmo que os dados divulgados na última sexta-feira, 30, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstrem que a taxa de desocupação atual (14,4%, que significam 14,4 milhões de desempregados) se manteve estável em relação ao trimestre anterior (14,1%), percebe-se o aumento de 2,7 pontos percentuais na comparação com o mesmo período em 2020, data em que a taxa foi estimada em 11,6%.

Para a economista e analista de mercado, Greice Guerra, os fatores que aumentaram a desocupação no Brasil, nos últimos anos, são muitos. O cenário não era escasso de dificuldades, uma vez que o Brasil veio de uma recessão econômica que perdurou entre 2015 e 2018, e foi capaz de desempregar 14 milhões de pessoas e colocar o Produto Interno Bruto (PIB) nacional no negativo, com menos 5,4% em 2016. Apesar de o PIB ter passado a ser positivo a partir de 2017, com a evolução de 6,4 pontos percentuais e o alcance de 1%, passando pelo crescimento de 1,1% em 2019, em 2020 essa porcentagem retornou ao negativo, com -4,1%.

Com isso, no contexto que já era crítico, de observou-se agravamento, devido a pandemia da Covid-19 – que além de um colapso na Saúde, desencadeou uma grave crise econômica em todos os estados brasileiros. A situação dos goianos não é diferente.

Chefe do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em Goiás, Edson Roberto Vieira. | Foto: Sebastião Nogueira

Goiás se mantém abaixo da média nacional de desemprego (13,5%), entretanto o percentual de 12,4% refletiu no dia a dia dos goianos. Isso, porque com a pandemia e necessidade de adoção do distanciamento como estratégia de combate ao vírus, empresas se viram obrigadas a suspender seu funcionamento ou reduzir suas atividades.

“Quando chegamos a pandemia, tivemos uma intensificação dos problemas que já vinham acontecendo. Assim, o desemprego aumentou de forma geral, só que como o mercado de trabalho já vinha mais apertado, aquelas pessoas que já encontravam maiores nele, acabaram sofrendo mais. Nisso, me refiro à questão de gênero e raça, já que a taxa de desemprego entre homens e mulheres, que já era diferente, teve maior aumento para as mulheres. Além disso, a alta de desocupação foi mais significativa para pretos e pardos que para brancos”, completa o chefe do IBGE em Goiás, Edson Roberto Vieira.

Com isso, muitas não tiveram outra opção, senão o encerramento permanente de seus serviços ou a demissão de funcionários. Esse cenário fez parte do cotidiano da artista visual, educadora e fotógrafa publicitária, Iasmin Kudo, que perdeu seu emprego de professora de artes após a escola, que era voltada ao ensino infantil, em que trabalhava fechar completamente as portas.

Artista visual, educadora e fotógrafa, Iasmin Kudo. | Foto: Arquivo pessoal

“A diretora da escola sabia que as aulas presenciais demorariam muito a retornar, e como se tratava de uma escola particular exclusivamente de educação infantil, tinha consciência de que não conseguiria manter seus funcionários. Então todo mundo foi demitido e a escola foi fechada”, explicou. Assim, sem emprego formal desde março de 2020, Iasmin precisou focar em seu outro ramo profissional, a fotografia. Entretanto, também encontrou dificuldades, já que a maior parte da demanda por seu trabalho vinha de editoriais e ensaios de moda para lojas e revistas, shows e outros eventos que ocorriam na capital goiana – e, que desde o começo do ano passado, se encontram proibidos via decreto municipal e estadual.

“Não consegui tirar tanto dinheiro. Algumas lojas ainda fizeram alguns ensaios, mas foram poucos. O trabalho diminuiu muito, então a gente acaba precisando muito de ajuda da família. O poder de compra hoje ficou muito reduzido e o que conta é a lei do mais barato. Compro o que está mais em conta e, no fim de semana, por exemplo, como na casa dos meus avós para diminuir as despesas”, relata Iasmin.

Medidas emergenciais

Por consequência desses números exorbitantes, diversas atitudes foram tomadas para que a caótica situação fosse revertida, tanto por parte dos trabalhadores, quanto por parte do Estado. Uma vez demitidos, a solução encontrada era buscar refúgio na informalidade e contar com os programas criados pelos governos municipais, estaduais e federais para continuidade de seu sustento. Diferente do município de Niterói, no Rio de Janeiro, nem o governo de Goiânia, nem o de Goiás ofereceram benefícios emergenciais próprios à população. Desse modo, os goianos contaram exclusivamente com o que era fornecido pelo Governo Federal.

O destaque dessas medidas foi auxílio emergencial, aprovado pelo Congresso Nacional em março de 2020, e sancionado pela Presidência da República em abril, mês que se iniciou o pagamento da primeira parcela do benefício. Dos 125 milhões de brasileiro que solicitaram o dinheiro, apenas 62,8 milhões foram contemplados. Desde o ano passado, o pagamento aos cadastrados era e é realizado por meio de contas digitais da Caixa Econômica Federal.

Aplicativo da Caixa Econômica, por onde é realizado o pagamento do auxílio emergencial aos cadastrados. | Foto: Reprodução

No primeiro ano de pandemia, aqueles que começaram a receber a verba disponibilizada pelo governo desde abril, pôde ter acesso a cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300. Mulheres chefes de família tiveram acesso a duas cotas distintas, dobrando ambos os valores recebidos – sendo cinco de R$ 1.200 e quatro de R$ 600.

Beneficiários do Bolsa Família também tiveram direito de acesso ao auxílio, e contaram com um cronograma de recebimento distinto dos demais. Suspenso após a última parcela paga, referente ao mês de dezembro, o benefício voltou a ser pago, de forma mais restrita, em abril de 2021. Desta vez, ele é limitado a uma pessoa por família e seu valor poderá variar entre R$ 150, R$ 250, R$ 375, a depender da renda familiar. A previsão é que sejam beneficiadas 45,6 milhões de pessoas, 22,6 milhões a menos que em 2020.

Para a economista Greice Guerra, as ações emergenciais realizadas Governo Federal não foram ruins. “O auxílio emergencial foi um socorro que o governo colocou na economia para acudir as pessoas que já viviam na informalidade, os denominados “invisíveis” pela sociedade. Só que o benefício não foi fator determinante para gerar emprego ou para amenizar o desemprego. Foi apenas uma maneira de fazer o dinheiro circular na economia, principalmente para aquelas pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade poderem se sustentar”, completa Greice.

Presidente da comissão de Direito do Trabalho da Seção Goiás da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), José Humberto Abrão. | Foto: Fábio Lima

O advogado e presidente da comissão de Direito do Trabalho da Seção Goiás da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), José Humberto Abrão, cita o Benefício Emergencial (BEm), outro programa criado pelo Governo Federal que teve como objetivo reduzir o salário dos trabalhadores e suspender contratos. Para José, esta foi uma medida que, ao dividir o risco da pandemia entre empregados, empregadores e governo, e que permitiu que a taxa de contratações fosse maior que a de demissões.

“Os empregadores poderiam suspender o contrato de trabalho dos empregados ou reduzir a jornada de trabalho deles, então parte do salário seria custeado pelo governo, parte pelo empregador e parte pelo empregado, uma vez que, na maioria das situações, este não ganharia seu salário integral. Isso permitiu que muitos postos de trabalhos não fossem fechados”, opina o advogado.

O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), por exemplo, mostra que 2020 foi encerrado com um saldo positivo na criação de vagas formais, com 142.690 empregos com carteira assinada. Entretanto, esse número não foi suficiente para repor a quantidade de empregos perdidos em prol da crise sanitária, já que, só de março à junto de 2020, mais de 1,6 milhão de postos foram perdidos. A CAGED ainda registra que, ao longo do ano, foram realizadas 15.166 admissões e 15.024 desligamentos, fazendo com que o ano terminasse com 38,9 milhões de trabalhadores empregados – número 0,36% maior que em 2019.

Recorrência à informalidade

Foto: Senado Federal

Aqueles que estiveram dentro das estatísticas de desocupação no período pandêmico – que ainda perdura – e precisaram recorrer à informalidade, acabam se mantendo duplamente prejudicados, já que, pelo não pagamento de impostos, predomina a perda de garantias trabalhistas. “O trabalhador fica sem o recolhimento do fundo de garantia, sem o recolhimento da previdência, sem as férias remuneradas, sem o décimo terceiro, e só pelo fato de não se recolher a previdência isso vai refletir para ele lá na frente, já que quando ele for se aposentar, ele não vai ter o dinheiro referente àquele período que atuou na informalidade”, detalha a economista Greice Guerra.

Para a analista de mercado, as consequências também são negativas ao Estado, já que, além da menor arrecadação de tributos, os trabalhadores informais criam uma “concorrência desleal” com os formais, uma vez que comercializam os mesmos produtos por um preço menor.

“Quem está no trabalho informal terá como única “vantagem”, no período pandêmico, a percepção do auxílio emergencial, já que a lucratividade e quaisquer ganhos da pessoa não estarão contabilizados nos dados governamentais. Porém, durante esse período laboral, o trabalhador vai estar completamente desamparado nos aspectos trabalhista e previdenciários. Além disso, caso ele sofra algum acidente ou fique doente, não terá nenhum direito que assegure os riscos da atividade que ele está executando”, completa o advogado trabalhista José Humberto Abrão.

Outros fatores do desemprego

Como outras causas ao desemprego, que não crise causada pela pandemia ou as consequências a longo prazo vindas da última recessão, a economista Greice Guerra menciona a falta de qualificação da mão de obra e a própria modernização das empresas, que acabam optando pelo emprego de poucas máquinas que exercem funções que necessitariam de várias pessoas para realizá-las.

Economista e analista de mercado, Greice Guerra. | Foto: Arquivo pessoal

“É uma faca de dois gumes. O mercado é muito carente de qualificação de mão de obra. Como o Brasil é uma economia em desenvolvimento, muitas vezes a pessoa tem que estudar para poder trabalhar, e quando ela consegue trabalhar e estudar, muitas vezes chega em um ponto que ela precisa optar entre parar de estudar ou parar de trabalhar. Geralmente ela opta por parar de estudar. Com essa falta de qualificação, ou o mercado não absorve, ou absorve e remunera mal, fazendo com que a pessoa fique subutilizada”, esclarece.

O chefe do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em Goiás, Edson Roberto Vieira, outra taxa que “explodiu” foi a de desocupação de jovens entre 18 e 24 anos. Dados do instituto mostram que, no último trimestre de 2020, 29,8% desta faixa etária se encontrava desempregada. Ao considerar este indicador, o Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube) entrevistou 8.465 brasileiros para entender a situação dos que foram diplomados entre 2019 e 2020. O que foi constatado é que pelo menos 28% das pessoas consultadas estão sem emprego há mais de um ano – e se encontram dentro da estatística de 29,8% do IBGE.

 “52,12% dos jovens entrevistados afirmam não estar trabalhando, e 27,8% sem emprego há mais de 12 meses. A notícia não anima nem os profissionais já inseridos no mercado de trabalho, já que apenas 20% deles executam atividades pertinentes as suas profissões. Como exemplo, a pesquisa aponta administradores que permanecem atuando como operadores de caixa e cozinheiros, pedagogos exercendo funções de faxina ou acompanhante de idoso, contadores e advogados como frentistas, designers de games como auxiliares de crédito imobiliário, enfermeiros como cabeleireiros, entre outros casos”, diz.

Em levantamento, o Nube ainda explica que há dois anos, apenas 27% dos brasileiros conseguiam ingressar em suas áreas em menos de três meses após a formatura. Atualmente, entretanto, esse número caiu para 15%. Isso, porque embora 60% dos participantes tenham estagiado durante a faculdade, 65% dos jovens relataram exigência de experiência prévia por parte das contratantes.

Jornalista Gabriella Oliveira. | Foto: Arquivo pessoal

A jornalista Gabriella Oliveira, de 23 anos, que se graduou em fevereiro de 2020, se encontra dentro deste percentual, já que nunca teve um trabalho formal desde que recebeu o diploma. Ela explica que, desde este período conseguiu alguns trabalhos freelancers, e é assim que tem se sustentado até então. “Não ter conseguido emprego na minha área me desmotivou e ainda me desmotiva. Fiquei muito insegura e sempre me questiono se realmente vou conseguir algo em Goiás ou se terei que sair do estado para isso”, desabafa.

Apesar de pretender continuar na área que se formou, Gabriella diz que o objetivo é manter projetos paralelos para que consiga se sustentar, já que os salários encontrados nas vagas disponíveis não cobrem seu orçamento. “As pessoas não querem pagar nem o piso médio salarial da profissão e querem que a gente exerça muito mais do que a nossa função foi designada”, acrescenta.

Quanto a dificuldade de arrumar o primeiro emprego, Greice explica que, muitas vezes, principalmente em cenário de crise, as empresas optam pela contratação de profissionais com experiencia para poderem operar nas funções. “Como economista, compreendo o lado da empresa, que muitas vezes não pode perder tempo, já que tempo é dinheiro. Entretanto, como analista de mercado, também acredito que as empresas devem dar oportunidade para que os jovens adquiram essa experiência”, pontua.

Para Letícia, essas estatísticas até mesmo desencorajam os jovens quererem ingressar em cursos de Ensino Superior – o que, na visão de Edson Vieira, é ainda pior para o cenário do desemprego. “O caminho tem que ser inverso, porque quando você olha as taxas de desocupação, os indicadores sugerem que estudar vale a pena, porque quem tem nível superior faz parte de um grupo em que a taxa de desemprego é menor do que o de quem não tem, além de receber cerca de três vezes mais que quem não é graduado”, diz.

A analista de mercado Greice Guerra concorda. Para ela, apesar de muitas vezes o jovem ter que optar entre trabalhar estudar pela falta de tempo e pela necessidade de dinheiro, ou mesmo pelo desestímulo causado pela desvalorização da profissão que desejou seguir, a falta de especialização torna o profissional ‘defasado’. “O mercado valoriza profissionais que não pararam de estudar. Algumas pessoas até se formam e pensam que já está bom, mas não é assim. Tem que se formar, se especializar e sempre buscar o conhecimento. Quanto mais cabedais a pessoa tiver, mais o mercado absorve. Quanto maior a base de estudo, mais opções o profissional terá”, conclui.

A psicóloga organizacional Letícia Araújo, que trabalha na área de Recursos Humanos, realizando a contratação de funcionários desde 2015, confirma a generalização da desmotivação de jovens pela grande dificuldade em conseguir o primeiro emprego pós formatura na universidade. “Principalmente no ato das entrevistas, a gente percebe que muitos colaboradores formados têm dificuldade em arrumar o primeiro emprego na área em que formaram. Esta semana entrevistei uma pessoa que se graduou em História, mas foi procurar um trabalho como auxiliar de depósito, já que não encontrou emprego em seu ramo de formação”, exemplificou.