A malha ferroviária de Goiás é composta pela Ferrovia Norte-Sul (FNS), que corta o estado realmente de norte a sul, gerando o potencial da criação de novas ferrovias a partir desta, ramificando-se para o interior a malha ferroviária. Em Mara Rosa, Goiás, a construção da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO) está em andamento, sentido Mato Grosso, interligando-se com a FNS.

Próximo à capital, em Senador Canedo, há um ramal ferroviário que até pouco tempo atrás transportava combustível para a Transpetro (empresa de transporte e logística de combustíveis). Tal ramal faz parte da malha, atualmente operada pela VLI (VLI Multimodal S.A.), que interliga Goiás e Brasília ao Triângulo Mineiro. De acordo com o especialista em infraestrutura e superestrutura ferroviária, George Wilton, essa malha ferroviária (em bitola métrica) poderia ser recuperada e melhor aproveitada.

Em Anápolis, na região do pátio ferroviário da FNS, ambas as malhas ferroviárias, tanto da bitola métrica como da larga, praticamente se encontram, tornando a região potencial para a construção de um grande entrocamento ferroviário e transbordo de carga entre diferentes bitolas no Brasil. Bitola é a largura prevista para distanciar as faces interiores das cabeças dos trilhos. Confira abaixo uma ilustração da malha ferroviária em Goiás.

FCA = VLI; FNS operada pela Rumo Logística, denominada “Malha Central”. | Foto: Revista Ferroviária, 2023

Com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 3) em agosto, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) definiu uma tarefa desafiadora: a reconstrução da rede ferroviária brasileira, pioneira no conceito intermodal, ao possibilitar a integração dos modais hidroviário, rodoviário e ferroviário.

Em Goiás, serão R$ 14,2 bilhões investidos em obras de construção, adequação e restauração de rodovias e ferrovias, sendo R$ 2,8 bilhões destinados à malha ferroviária. Como prioridade, está a construção da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste – Fico 1.

A integração Centro-Oeste tem como objetivo: estabelecer alternativas mais econômicas para os fluxos de carga de longa distância; favorecer a multimodalidade; interligar a malha ferroviária brasileira; propor nova alternativa logística para o escoamento da produção agrícola e de mineração para os sistemas portuários do Norte e Nordeste; e incentivar investimentos, que irão incrementar a produção e induzir processos produtivos modernos.

Com 383 km de extensão, o trecho da Ferrovia de Integração Centro-Oeste que começa na Ferrovia Norte-Sul em Mara Rosa (GO) e vai até Água Boa (MT) escoará a produção de grãos (soja e milho) da região, uma das maiores produtoras de soja do Brasil, em direção aos principais portos do país.

Goiás será rota obrigatória, tanto para cargas sentido exportação ou importação. O estado está situado no coração da FNS, uma verdadeira espinha dorsal ferroviária, que ligará por ferrovias todas as regiões do Brasil. Inevitavelmente, isso criará (e já está criando) novos empregos, e toda uma cadeia produtiva, geração de impostos e consequentemente maior progresso para a região Centro-Oeste

George Wilton
FICO é um projeto da Infra S.A. desde 2010. | Foto: FICO

Desafios na atualização da infraestrutura ferroviária

A rede ferroviária brasileira é composta majoritariamente de transporte de cargas. “Em números gerais, temos aproximadamente 31 mil km de linhas férreas, das quais, aproximadamente, 20% está ociosa e 10% sem capacidade de tráfego, por diversos motivos. Mesmo considerando a extensão total, tal malha é muito pequena em comparação com a malha ferroviária de outros países desenvolvidos ou de grandes extensões territoriais como o Brasil”, explicou George Wilton, doutor em geotecnia.

Na matriz de transportes do Brasil, as ferrovias representam aproximadamente 20%, uma participação consideravelmente aquém do ideal, que seria entre 35% e 40%, pelo menos. Revitalizar a malha ferroviária brasileira não se resume apenas à construção de novas linhas, mas envolve também a reativação de trechos já existentes no mapa ferroviário nacional. Além disso, é crucial implementar o transporte de passageiros por trilhos entre grandes centros urbanos e transferir parte da carga geral para o modal ferroviário, especialmente considerando que a maioria do transporte ferroviário no país está voltado para o escoamento de minérios.

George explica que no Brasil já existem locais com potencial para a operação intermodal, como em São Simão de Goiás. “No município existe um pátio ferroviário em operação com potencial de fazer transbordo de cargas entre a ferrovia, rodovia e hidrovia”. O trecho da Ferrovia Norte-Sul, entre São Simão (GO) e Estrela D´Oeste (SP), foi inaugurado em 2021.

A eficiência ferroviária está atrelada a esse cenário, onde o transporte de mercadorias a grandes distâncias, digamos acima de 500 km, seja feito por trens, enquanto em distâncias menores, porta a porta, são utilizadas as rodovias. “É verdadeiramente um absurdo transportarmos, principalmente carga em granel, digamos soja, por rodovias, percorrendo distâncias superiores a 1000 km, como vemos no Brasil. Podemos ainda mencionar o problema das bitolas ferroviárias no Brasil, que é a distância interna entre os trilhos, pois aproximadamente 80 % da malha é métrica, competindo com a larga de 1600 mm em grande parte da malha ferroviária, principalmente a malha mais recentemente construída, como a Ferrovia Norte-Sul”, explica o professor George.

Segundo ele, não é possível trafegar com um trem da bitola larga na bitola métrica, a menos que se faça alterações profundas na infraestrutura e superestrutura ferroviária, o que custará bilhões de reais aos cofres públicos.

Por que as ferrovias sempre foram escanteadas?

Um estudo do professor da EAESP/FGV, Gesner Oliveira, e do diretor do Ipea, Fabiano Pompermayer, mostrou que as ferrovias representam apenas 15% da estrutura de transportes no Brasil, um percentual considerado baixo. A predominância do transporte rodoviário (que representam 65% do total) atrapalha o trânsito nos grandes centros, é mais poluente, deixa as empresas mais suscetíveis a roubos de carga, custa mais e leva a mais acidentes.

Historicamente, a maior parte dos investimentos em linhas ferroviárias vem do setor privado. Essas linhas são administradas por 13 concessionárias e reguladas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Por outro lado, as instalações de malha ferroviária de alto padrão, em geral, são subsidiadas pelo setor público.

O modal ferroviário tem a capacidade de superar o rodoviário no transporte de cargas a um custo menor em longas distâncias. Mesmo diante da falta de investimentos governamentais, as linhas férreas continuam desempenhando um papel significativo, atendendo a 17% de toda a carga transportada no Brasil. Apenas no ano passado, esse setor foi responsável pelo transporte de 371.063 milhões de toneladas por quilômetro útil (TKU).

Um dos caminhos encontrados pelo governo brasileiro no cumprimento das metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, é justamente uma transição energética na infraestrutura de locomoção. Os obstáculos, no entanto, são muitos.

George Wilton explica que o km construído de ferrovia, em geral, é mais caro que o km construído de rodovia. “O tempo de construção também tende a ser maior e o projeto é mais complexo por muitos motivos técnicos. Na minha opinião, como a gestão política dura em torno de 4 anos e tais empreendimentos têm tempo de projeto + execução superior a este período, a preferência política geralmente é de inauguração dos empreendimentos dentro de uma mesma gestão”.

O governo federal, por meio do PAC3, vai desembolsar R$ 94,2 bilhões do total de R$ 1,4 trilhão disponível no programa para a malha ferroviária. Desse valor, R$ 6 bilhões são recursos públicos e R$ 88,2 bilhões, investimentos privados. Os dados foram obtidos com o Ministério dos Transportes.

Um vagão graneleiro comporta, em média, 100 toneladas* de grãos, enquanto um caminhão bi-trem transporta apenas 36 toneladas, segundo o comparativo dos especialistas. Mesmo assim, o país tem mais de 300 mil quilômetros de rodovias, e pouco menos de 30 mil quilômetros em ferrovias.

Com a substituição gradual do transporte agrícola pelo sistema ferroviário, a economia estimada seria de 30%, devido a maior capacidade dos trens. Outro problema, no entanto, é que a grande maioria (22 mil quilômetros de um total de 29 mil) das ferrovias brasileiras foi construída com bitola métrica, um método considerado ultrapassado e menos seguro.

“É necessário que tenhamos projeto de país e não de governo. Em empreendimentos rodoviários também é mais fácil fazer desvios, e sem inaugurar a obra como um todo já é possível utilizar trechos. Já nas ferrovias, não é possível a operação se 1,0 m sequer estiver sem trilhos. Portanto, tem-se uma mistura de interesse político e financeiro. De fato, o investimento em transportes no Brasil precisa acontecer em todos os modos de transportes, pois todos estão precários. O problema é estrutural, pois precisamos inclusive de mão de obra especializada”, concluiu George.

Ferrovias transportam apenas cargas?

Globalmente, 1,9 bilhão de pessoas utilizam o transporte ferroviário diariamente. As ferrovias ocupam a terceira posição como modal mais comum no critério de “distância percorrida”, e de acordo com dados da Universität Mannheim, Alemanha, essa forma de transporte está se tornando cada vez mais prevalente. A falha do Brasil em integrar efetivamente os trilhos em sua estratégia de transporte urbano é vista pelos pesquisadores como um reflexo de “um modelo de crescimento deficiente”.

Apesar de ocupar a 9ª posição em extensão total de sua malha ferroviária, o Brasil cai para a 103ª posição quando se leva em conta a área territorial total dividida por quilômetro de ferrovia. Além disso, os trens no Brasil são predominantemente utilizados para transporte de carga, com uma presença limitada no transporte de passageiros.

“As ferrovias no Brasil não transportam apenas carga, transportam majoritariamente carga, o que são coisas diferentes. Isso porque temos o transporte de passageiros concomitante com cargas na Estrada de Ferro Carajás (EFC) e na Estrada de Ferro Vitória Minas (EFVM), ambas operadas pela VALE”, pontuou George Wilton.

Na década de 90, quando do início das concessões da operação ferroviária à iniciativa privada e extinção da Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), os contratos foram realizados prevendo majoritariamente o transporte de cargas. Tais contratos são de 30 anos (vencendo entre 2026 e 2028, principalmente), podendo ser prorrogáveis por mais 30 anos, sendo que recentemente foram/estão sendo prorrogados antecipadamente. “O que na minha humilde opinião seria o momento ideal para tentar viabilizar, junto às concessionárias, mais transportes de passageiros entre regiões estratégicas”, finaliza Wilton.