Apesar de dimensões continentais, o Brasil ainda enfrenta desafios no desenvolvimento de uma malha férrea abrangente coberta, em comparação com países do Bric, como China e Índia, que possuem extensas redes para transporte via trens. Embora tenha passado por privatizações das ferrovias brasileiras nos anos 1990, o país ainda não oferece uma opção viável de viagem de trem para todos os estados. Atualmente, o transporte de cargas é uma prioridade, mas é necessário planejar uma estratégia logística que promova a conectividade com outros modais de transporte. Uma das propostas mais ambiciosas para o setor é o chamado Ferrogrão.

A linha conecta Sinop (MT) a Itaituba (PA) e promete reduzir em até 40% o custo da exportação de grãos. No entanto, ainda não se sabe se o Ferrogrão será incluído no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O governo federal prometeu lançar esse programa em breve. Com custos estimados em cerca de R$ 40 bilhões. O principal motivo é o entrave envolvendo riscos socioambientais em sua trajetória.

A situação sobre o Ferrogrão segue sem definição desde o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Bernardo Figueiredo, especialista do setor e presidente do TAV Brasil, afirmou ao Jornal Correio Braziliense que a Ferrogrão não garante sustentabilidade financeira, motivo pela qual o ex-ministro da Infraestrutura e atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), a não o incluiu no programa de concessões. Segundo Figueiredo, o governo deve priorizar o transporte de carga geral em vez de grãos, que representam apenas 13% das mercadorias transportadas.

A maior preocupação em torno da Ferrogrão reside nos possíveis entraves ambientais. A maior parte das 933 milhas de ferrovias previstas cortará a Amazônia. Esse caso foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Autoridades, ambientalistas e entidades do agronegócio buscam encontrar soluções que trouxeram o avanço da malha da região. As propostas incluem a alteração dos limites do Parque Nacional do Jamanxim ou o contorno do parque e aumentar o percurso em 176 km.

Por outro lado, Leonardo Ribeiro, secretário Nacional de Transporte Ferroviário do Ministério dos Transportes, defende o Ferrogrão. Ele pontua que é economicamente viável, especialmente para o transporte de grãos, cuja demanda está em crescimento. O secretário destaca que investir em ferrovias é uma agenda global para viabilizar investimentos em infraestrutura sustentável, com benefícios terapêuticos e ambientais.

Entretanto, críticos como Claudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, entende que o projeto não é sustentável financeiramente e apresenta altos riscos ambientais. Frischtak sugere investir na modernização das ferrovias já existentes e priorizar o transporte de carga geral em vez de grãos.

Construção da Ferrogrão: Vozes Silenciadas na Amazônia

Protesto do povo Kayapó em agosto de 2020 na BR-163 exige consulta na concessão da Ferrogrão | Foto: Fernando Sousa/Instituto Kabu
Protesto do povo Kayapó em agosto de 2020 na BR-163 exige consulta na concessão da Ferrogrão | Foto: Fernando Sousa/Instituto Kabu

Considerada estratégica para o Estado no escoamento de produtos agrícolas para a Região Norte e exterior, a Ferrogrão pode levar transtornos para povos amazônicos. Um estudo realizado em parceria pelo InfoAmazônia e o portal ‘O Joio e O Trigo’ mostra que a nova linha impactará diretamente pelos menos seis terras indígenas, 17 unidades de conservação e três povos isolados na região amazônica. Ao longo do traçado, cerca de 2,6 mil pessoas vivem nestas áreas que abrange 25 municípios dos estados de Mato Grosso e Pará.

Desde 2016, quando a ferrovia ainda era um projeto distante, os indígenas da região buscavam um diálogo mais efetivo com o poder público. Infelizmente, com a chegada do ex-presidente Michel Temer ao poder, as conversas foram interrompidas, e desde então, os indígenas não foram mais ouvidos sobre o assunto. Agora, sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os indígenas querem restabelecer o diálogo sobre o assunto.

O maior medo dos indígenas está relacionado ao aumento das plantações de soja ao longo do trajeto dos trilhos. Caso o governo não os ouça, eles alertam que podem tomar medidas de resistência, inclusive montando uma aldeia no traçado da Ferrogrão, o que dificultaria a construção da ferrovia.

Posição do governo

Dentro do governo Lula, há divergências sobre a Ferrogrão. Enquanto o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, apoia a obra, a chefe da pasta dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, defende a revisão das alterações nos limites do Parque Nacional do Jamanxim, aprovadas por meio de Medida Provisória. A ministra acredita que essas mudanças não deveriam ter sido protegidas dessa forma.

Além das preocupações sociais e ambientais, existe um forte interesse em expandir a área destinada à agropecuária na região do Ferrogrão. Essa região representa uma nova fronteira agrícola em expansão, e o desmatamento já é uma ameaça presente. Com a construção da ferrovia, esse impacto pode ser ainda maior.

A Ferrogrão não é a única ferrovia intuitiva para o Mato Grosso. Outros projetos, como a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO) e a Ferrovia Autorizada de Transporte Olacyr de Moraes (FATO), aguardam autorização para início das obras.

Ministro Moraes suspende projeto da Ferrogrão

Em 2021, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, chegou a emitir uma liminar a partir de um pedido do partido PSOL e suspendeu o projeto da Ferrogrão. Porém, a decisão de Moraes será aguardada na decisão do plenário da Corte, quando os demais ministros irão analisar sobre o assunto. Além de suspender o projeto da Ferrogrão, Moraes também interrompeu os efeitos da Lei 13.452/2017, que havia sido criada a partir de uma medida provisória de 2016 (MP 758). Essa lei resultou em mudanças nos limites do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará. O ministro argumentou que o traçado da ferrovia afetaria essa unidade de conservação federal, causando danos ambientais, o que não deveria ser tratado por meio de uma medida provisória.

À época, Tarcísio Gomes de Freitas, expressou sua intenção de contestar a decisão com o apoio da Advocacia-Geral da União (AGU). Segundo ele, a área do projeto ferroviário coincide com o traçado da rodovia BR-163, que já havia sido excluída da área protegida, e, por isso, vai solicitar que a decisão seja reavaliada. Freitas enfatizou que o projeto ainda passará pelo processo de licenciamento ambiental e, portanto, não há urgência em paralisar o processo.

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