Redução da jornada de trabalho ganha força no Senado; especialista diz que medida é positiva e que não há perigo à economia

03 setembro 2025 às 15h26

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A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal realizou nesta terça-feira, 2, uma audiência pública que retomou o debate sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 148 de 2015, que visa reduzir gradualmente a jornada semanal de trabalho de 44 para 36 horas. A maioria dos participantes manifestou apoio à medida, destacando seus potenciais benefícios para a saúde, a dignidade e o equilíbrio nas relações laborais.
Em meio ao debate sobre a proposta de redução da jornada de trabalho no Congresso Nacional, ao Jornal Opção, o advogado trabalhista Cassiano Peliz, defendeu a medida, destacando benefícios sociais, econômicos e históricos. Segundo ele, no Brasil não se fala em jornada seis por um. “A gente tem uma jornada diária máxima de 8 horas e 44 horas semanais. Então, o trabalhador trabalha 8 horas por dia durante cinco dias, de segunda a sexta, e mais 4 horas no sábado. Ou seja, ele trabalha seis dias e folga um”, pontuou.
Sobre o projeto que propõe dois dias de descanso semanal, Peliz afirma: “Esse projeto que está no Congresso traria a ideia de dois dias de descanso. Já existem vários países que adotam esse tipo de jornada. E é aí que entra o ponto que eu sempre defendo”, disse.
Ele também rebate os argumentos de que a economia brasileira não suportaria a mudança. “O pessoal que faz críticas diz: ‘Ah, a economia vai quebrar, o Brasil vai quebrar, o empregador vai quebrar’. Mas essa justificativa já foi usada várias vezes na história. Quando foram implementadas outras medidas que beneficiam o trabalhador, os empresários e essa ala mais liberal, mais à direita, sempre disseram isso”, afirmou.
“Por exemplo, quando foi criado o 13º salário, disseram isso. Quando tivemos a libertação dos escravos no Brasil, disseram isso. Então, vários direitos que foram implementados ao longo da história vieram acompanhados desse tipo de reclamação dos empresários e dessa ala mais conservadora e liberal”, explicou.
Com base em dados oficiais, Peliz reforça os impactos da jornada extenuante na saúde e segurança do trabalhador. “E tem um ponto técnico muito importante: são dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Quanto menos o trabalhador trabalha, menor a chance de sofrer acidente de trabalho. Por que o Brasil é um dos países com mais acidentes de trabalho no mundo? Ele só perde para o México. Isso é um dado exato”, disse.
“O Brasil está no topo da lista de acidentes de trabalho porque tem uma jornada extenuante. A jornada de trabalho no Brasil é muito alta. Quanto mais o empregado trabalha, mais próximo ele está de sofrer um acidente de trabalho. Por isso o Brasil tem tantos acidentes”, apontou o advogado.
Ele também cita o setor bancário como exemplo de alta lucratividade com jornada reduzida. “Outro dado interessante: quais são as instituições que mais lucram no Brasil? São as instituições bancárias. E a jornada do bancário é de 6 horas diárias e 30 horas semanais. Eles recebem horas extras, têm uma série de benefícios, e mesmo assim são os que mais lucram”, afirmou.
Peliz argumenta que a redução da jornada pode beneficiar também os empregadores: “A jornada reduzida pode manter os privilégios e os interesses do empregador também. Porque, a médio e longo prazo, é bom para ele. O problema é que ele não consegue, ou não quer, enxergar isso. Porque, como eu disse, a médio e longo prazo ele vai ter menos acidentes de trabalho, mais empregados ativos, menos gente afastada”, disse.
“Infelizmente, no Brasil, o empresário tem a ideia de sugar o máximo possível de horas do trabalhador. E essa não deveria ser a ideia. Ele devia pensar em produção. Aliás, o pensamento moderno é esse: produção. Quanto mais descanso ele der para o empregado, mais esse empregado vai produzir. Porque ele vai estar descansado e mais longe de um possível acidente de trabalho e acidente de trabalho tem consequências gravíssimas para o empregador. O trabalhador pode ser afastado do posto de trabalho, pode ter incapacidade para o serviço, redução de capacidade e uma série de questões que impactam diretamente o empregador”, afirmou.
Por fim, o advogado lança um desafio aos economistas que criticam a proposta: “Eu até desafio algum economista a mostrar isso em números. Colocar isso no papel e provar que a economia vai quebrar. Porque, como eu disse, em outros avanços históricos, 13º salário, férias, libertação dos escravos, sempre houve oposição dessa ala mais conservadora. E os anos provaram que não teve impacto nenhum na economia brasileira”, finalizou o especialista.
Autoria
De autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), a PEC propõe uma transição gradual: o limite semanal cairia para 40 horas inicialmente, com redução de uma hora por ano até atingir 36 horas. O teto diário de oito horas permanece inalterado. O relator da proposta, senador Rogério Carvalho (PT-SE), também presidiu o debate e defendeu a iniciativa como uma resposta humanitária às transformações no mundo do trabalho.
Paim alertou para os impactos da automação e da pejotização nas relações trabalhistas. “Estamos diante de uma nova revolução industrial. A inteligência artificial está mudando tudo, e muitos trabalhadores estão sendo empurrados para contratos precários, até mesmo em supermercados”, afirmou.
Carvalho reforçou que a medida beneficiaria especialmente os trabalhadores mais vulneráveis, que enfrentam jornadas extenuantes e longos deslocamentos. “É uma questão de humanidade e cidadania”, disse.
Carga horária
Segundo o economista Alexandre Sampaio Ferraz, do Dieese, o Brasil está entre os países com maior carga horária semanal, cerca de 39 horas em média, superando nações como Alemanha, França e Coreia do Sul. “Temos um dos menores custos do trabalho e uma legislação que favorece o empregador nas demissões. Reduzir a jornada não é um problema econômico, é uma questão de justiça social”, argumentou.
Ferraz também destacou que 43% da força de trabalho no setor privado é informal, sem acesso aos direitos previstos na CLT ou na Constituição. Além disso, o país ainda convive com trabalho análogo à escravidão, com mais de 66 mil trabalhadores resgatados desde 1995.
Magistratura defende
Valter Souza Pugliesi, presidente da Anamatra, alertou para a desigualdade nas negociações entre patrões e empregados. “Sem uma definição legal mínima, dificilmente haverá avanços reais na redução da jornada. A negociação individual não garante parâmetros civilizatórios”, afirmou.
O deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC), defendeu a proposta como forma de preservar a dignidade humana. “Reduzir a jornada sem cortar salários é respeitar os princípios constitucionais de proteção ao trabalho, ao descanso e à saúde”, disse.
Em contraponto, Pablo Rolim Carneiro, da Confederação Nacional da Indústria (CNI), expressou preocupação com os impactos econômicos da medida. Para ele, a legislação atual já permite ajustes via negociação coletiva e a média de horas trabalhadas no país, cerca de 39 horas, está abaixo do limite constitucional.
Próximos passos
Com apoio de centrais sindicais como CUT e Força Sindical, a PEC segue em tramitação no Senado. O debate sobre a redução da jornada semanal promete continuar mobilizando diferentes setores da sociedade, em meio a um cenário de transformações profundas no mundo do trabalho.
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