Pesquisadores de Goiás mostram os avanços das pesquisas sobre Biodiversidade na COP16
03 novembro 2024 às 00h00
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José Alexandre Felizola Diniz Filho* e Mariana Pires de Campos Telles**
especial para o Jornal Opção
A Conferência das Partes das Nações Unidades para a Biodiversidade (a COP16), aconteceu, entre os dias 21 de outubro e 01 de novembro de 2024, na cidade de Cali, na Colômbia. Esse é o evento global mais importante para definir as políticas globais sobre conservação da biodiversidade e da natureza, onde são estabelecidas e discutidas as metas globais e os compromissos firmados pelas diferentes nações para o futuro. A reunião da COP16 assume uma importância especial, pois trata-se do primeiro evento após o estabelecimento das metas do protocolo de Kumning-Montreal da Convenção da Diversidade Biológica (CDB). Havia uma grande expectativa em relação ao evento especialmente porque existiu uma grande decepção em relação a atender as metas do protocolo assinado anteriormente (o protocolo de Aichi).
Como seria esperado para um evento internacional organizado pela ONU, a participação foi bem expressiva (algo em torno de 15 mil pessoas circulando em Cali nas últimas 2 semanas), incluindo delegados dos Governos de diferentes países em diferentes esferas (no caso do Brasil, Federal e Estadual), ONGs, outras organizações, além de muitos pesquisadores, observadores e ativistas. Há uma quantidade quase incalculável de apresentações, reuniões, workshops e grupos de trabalho acontecendo paralelamente, em diferentes locais da cidade. Um ponto que chamou a atenção foi a grande participação da sociedade como um todo, o que é bem relevante para aumentar o nível de conscientização da comunidade sobre as questões relacionadas com a Biodiversidade.
Fomos convidados para participar da COP16 pelo Prof. Geraldo Fernandes (UFMG), representando o Ministério de Ciência & Tecnologia (MCTI) do Brasil, para dois eventos que aconteceram na Casa Humboldt, uma das principais organizações da Colômbia para pesquisa e ações em biodiversidade e meio ambiente. Nesse local estavam acontecendo diversas atividades, palestras e ações educativas, além de encontros mais acadêmicos e trocas de experiência, por meio de workshops e rodas de conversa.
No primeiro evento em que participamos, intitulado “The Most Diverse Savanna under threat: the way out” (algo como “A Savana mais Diversa do Mundo sob Ameaça: em busca de saídas), discutimos com diversos colegas da UFMG, EMBRAPA, do “Instituto Sociedade, População e Natureza” e do Leibniz Institute for Zoo and Wildlive Research (Alemanha) as questões relacionadas com os desafios para a conservação e uso sustentável do Cerrado brasileiro sob diferentes perspectivas. Neste workshop, apresentamos diversos resultados dos projetos vinculados ao nosso grupo de pesquisa que estão associados ao Instituto Nacional de Ciência & Tecnologia (INCT) em “Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade” (EECBio), apoiado financeiramente pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG) e pelo Conselho de Desenvolvimento Científico & Tecnológico (CNPq) do MCTI, com participação de pesquisadores de Goiás vinculados à UFG, PUC Goiás, UEG e UFJ. Nós mostramos alguns dos resultados dos projetos envolvendo genética populacional de árvores do Cerrado e de como essas espécies (principalmente o “Baru”, o “Pequi” e a “Cagaita”) seriam potencialmente afetados pelas mudanças globais. A ideia central foi mostrar que, sob efeito principalmente de mudanças climáticas, os modelos estatísticos indicam que a área com ambientes adequados para essas espécies seria deslocada em direção a sudeste, de modo que a maior parte das populações dessas espécies em regiões do que hoje conhecemos como Cerrado seriam extintas, com impacto direto para o uso sustentável dessas espécies no contexto de bio-economia. Modelos evolutivos, entretanto, sugerem que processos de adaptação biológica podem permitir que algumas populações consigam permanecer em áreas com condições ambientais um pouco mais extremas do que existem hoje. Por outro lado, o deslocamento (dispersão) para sudeste também apresenta muitos desafios, já que essa é a região com maior impacto relacionado com a ocupação humana e menor oportunidade de estabelecimento de novas populações do Brasil. Sobre essas mudanças na distribuição geográfica prevista para o futuro, é possível mapear a diversidade genética que será potencialmente perdida, algo importante já que essas espécies são caracterizadas como recursos genéticos importantes do Cerrado.
Participamos também do workshop sobre “Brazil’s Scientific Agenda to Attend the Challenges on Biodiversity Loss” (A Agenda Científica do Brasil para Discutir os Desafios da Perda de Biodiversidade). Esse workshop foi promovido no contexto do Programa Brasileiro em Biodiversidade (o PPBio), que é o principal programa de apoio a projetos de pesquisa em Biodiversidade do MCTI, executado com recursos financeiros administrados pelo CNPq e com foco nos 21 projetos que foram aprovados recentemente. Além de uma apresentação geral sobre os objetivos e o histórico do programa (que foi criado em 2004) pela Claudia Morosi, Coordenadora-Geral de Ecossistemas e Biodiversidade do MCTI, foram apresentados os objetivos e resultados iniciais por seis projetos PPBio (desenvolvidos na UFMG, PUC Goiás, UFPA, UFMS, UFMT/INPA e UNIFESP), incluindo o “PPBio Araguaia” sob nossa coordenação. O PPBio Araguaia iniciado em 2024 foi proposto ao CNPq como uma ampliação para a atividade de Biodiversidade do programa “Araguaia Vivo 2030” que está sendo executado pela TWRA (“Tropical Water Research Alliance”) com financiamento da FAPEG desde 2023. O PPBio Araguaia envolve a realização de inventários de espécies de diferentes grupos de organismos aquáticos e terrestres na bacia do Araguaia, incluindo análises inovadoras de DNA ambiental de água e solo, além de análises geográficas integradas ao longo da bacia do Araguaia, avaliando como diferentes fatores ambientais e a ocupação humana afetam a biodiversidade e, consequentemente, diversas funções ecológicas e a qualidade ambiental na região.
Nos dois eventos, as discussões foram, como esperado, importantes e produtivas, trazendo novas ideias e abrindo espaço inclusive para várias novas parcerias que serão incorporadas aos nossos projetos em andamento no Cerrado e no Araguaia. Discutiu-se muito também a necessidade de melhorar a comunicação e desenvolver estratégias mais eficientes de mostrar os resultados e os impactos dos projetos PPBio para a sociedade. Entretanto, apesar do sucesso de reuniões de grupos específicos, ainda existem diversos desafios para serem superados, em diferentes escalas e esferas políticas e administrativas e envolvendo diferentes perspectivas.
Existem muitas notícias sobre algumas falhas importantes da COP como um todo que também precisam ser avaliadas para aprimoramento numa próxima edição. Por exemplo, apenas 35 dos 196 países apresentaram seus planos de ação completos, de acordo com o acordo de Kumning-Montreal. Na América Latina, apenas Colômbia, México, Cuba e Suriname (o Brasil, portanto, falhou nesse sentido…). Outra crítica importante é a pequena participação efetiva de comunidades tradicionais e povos originários dos diferentes países e, talvez mais importante, as dificuldades envolvendo as assimetrias de financiamento para ações efetivas para a conservação da biodiversidade. A questão é que a maior parte da biodiversidade, em seus diferentes aspectos e componentes, está concentrada nas regiões tropicais, onde estão os países chamados “megadiversos” do “sul global”, que inclui o Brasil. Em função de questões sociais e econômicas atuais, que por sua vez se ligam ao passado colonial, esses países têm muitas dificuldades para financiar pesquisa e ações sobre biodiversidade, e espera-se que os países ricos do “norte global” possam colaborar e apoiar os países em desenvolvimento onde está concentrada a biodiversidade. Mas o que é percebido, em muitos casos, é que ainda há resquícios do sistema colonial dos séculos XVI-XIX, que tem desencadeado muitas discussões e reflexões sobre o chamado “colonialismo científico”. No caso da biodiversidade, não é raro que pesquisadores principalmente da Europa e dos EUA venham para as regiões tropicais, estudem a sua biodiversidade e voltem aos seus países para trabalhar e publicar resultados sem nenhuma colaboração efetiva e apoio aos pesquisadores dos países de origem. A situação do Brasil é um pouco menos grave nesse contexto, já que o país conta com programas bem estabelecidos de pesquisa científica em geral e particularmente em biodiversidade (como os INCTs e PPBios, dentre outros). Além disso, o Brasil investiu, nos últimos 50 anos, em formação de pessoas de alto nível com Mestrado e Doutorado (com forte apoio da CAPES – A Coordenação para Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior, ligada ao Ministério da Educação – MEC) capazes de liderar as muitas iniciativas necessárias, em pé de igualdade com os países mais avançados do mundo.
Em relação à nossa perspectiva como professores e pesquisadores, em vários eventos na casa Humboldt ouvimos muito sobre a dificuldade de interação entre a academia e os tomadores de decisão, organizações sociais e outras entidades, tanto públicas quanto privadas, que financiam pesquisa e realizam ações de biodiversidade. Na realidade, há relativamente pouca participação da academia nas discussões, o que fica evidente, inclusive, pelo grande desbalanço da participação do MCTI em relação ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) na delegação oficial do Brasil. O mesmo se estende para as demais esferas do Governo. O paradoxal é que a maior parte dos programas efetivamente científicos em Biodiversidade no Brasil são desenvolvidos no contexto do MCTI, com apoio do CNPq (dentre eles o PPBio e o PELD – o Programa Ecológico de Longo Duração), ou das Fundações Estaduais (que co-financiam muitos dos INCTs em atividade, inclusive aqueles envolvendo trabalhos em biodiversidade, mudanças climáticas e recursos genéticos, como o INCT EECBio). Isso sem falar que, como já sabemos, 95% da pesquisa científica no Brasil é feita nas Universidades, e isso é absolutamente válido para a pesquisa em biodiversidade e meio ambiente.
Precisamos refletir sobre a questão ambiental em um contexto mais amplo e usar essas experiências para preparar melhor o Brasil para a COP30, a 30ª conferência da ONU sobre o clima, que ocorrerá em Belém do Pará em 2025. Além de todos os desafios sob o ponto de vista mais logístico, técnico e operacional que discutimos acima, vai ser preciso pensar em como evitar que todo o negacionismo que vimos recentemente no Brasil e no mundo afaste a sociedade das importantes discussões que irão acontecer no próximo ano. Sem dúvida, o Brasil tem todo o potencial para se tornar um dos grandes protagonistas globais para enfrentar os desafios da crise ambiental que nos ameaça, como vimos recentemente no Rio Grande do Sul e nas ondas severas de seca por todo o país. Mas há muitas dificuldades, em muitos níveis, que temos que superar como nação para que isso aconteça, envolvendo toda a sociedade…Fica a pergunta, o que cada um de nós pode fazer para ajudar a tornar esse protagonismo uma realidade?
José Alexandre Felizola Diniz Filho
Departamento de Ecologia, ICB
Universidade Federal de Goiás
Mariana Pires de Campos Telles
Escola de Ciências Médicas e da Vida, PUC Goiás
Departamento de Genética, ICB, UFG