Presidente do Conselho Regional de Medicina do Tocantins afirma que o Brasil precisa de “políticas públicas de verdade, que estruturem as unidades hospitalares”

Presidente do Conselho Regional de Medicina do Tocantins (CRM-TO), Jorge Guardiola | Foto: Dicom/CRM

Jorge Guardiola é goianiense, médico oftalmologista e presidente do Conselho Regional de Medicina do Tocantins (CRM-TO). Graduou-se pela Universidade Federal de Goiás (UFG), com residência médica em oftalmologia na Marinha do Brasil, entre 1990 e 1996. Oficial das forças armadas, chegou à patente de capitão. Migrou para a capital tocantinense em 1997 com a finalidade de exercer a medicina. Foi o primeiro oftalmologista a assumir o cargo, como concursado do governo do Estado do Tocantins.

Eleito conselheiro do CRM-TO desde 1998, acabou por assumir a presidência do conselho Regional em 2019. Nesta entrevista exclusiva, ele pontua as dificuldades e os avanços da medicina, como também do conselho classista, além de expor suas impressões acerca da saúde pública e privada no Tocantins.

Na sexta-feira, 18, comemorou-se o Dia do Médico. Não por acaso, esta entrevista está sendo publicada no domingo, 20. A questão é: havia motivos para comemorações?
A data faz referência ao dia de São Lucas que, segundo indícios históricos da antiga Alexandria, exercia a medicina e, por isso, é o seu padroeiro. Há muito o que comemorar. O programa “Médicos pelo Brasil” é um avanço, pois é uma política decente de remuneração e segurança para os médicos e para as gestões.

Somos o país que mais forma médicos no mundo, ultrapassando até mesmo a China e a Índia. Isso é um fato que merece destaque. Mas a desvalorização da classe médica, em contrapartida, é uma triste constatação.

A reflexão é que os médicos são pessoas comprometidas com a vida e com o bem-estar das pessoas e, exatamente por isso, dificilmente estão em greves ou manifestações que reivindicam direitos. Quase nunca também estão presentes nos parlamentos, quer seja como ouvintes, quer seja como parlamentares. Isto porque somos uma classe que adotamos o trabalho como devoção. Isso é um dos pontos ruins, porque em razão dessa falta de engajamento, temos pouca representatividade nos parlamentos federal, estadual ou municipal. Isso, muitas vezes, nos torna reféns.

Como presidente do CRM-TO, como o sr. avalia o fato de a cidade de Palmas não possuir um hospital municipal que, de certa forma, traz um afogadilho para o Hospital Geral de Palmas (HGP)?
São aberrações que o sistema do SUS permite. A saúde está municipalizada e a prefeitura recebe todo montante destinado a este título, sem quaisquer divisões ou contrapartidas. O Estado assumiu esse ônus há muito tempo, em razão de alianças políticas entre prefeitos e governadores. Se outrora era emergencial, agora é apenas cômodo para a municipalidade.

Esse fator realmente sobrecarrega os hospitais estaduais. Creio que Palmas deveria ter sim um hospital secundário de emergências para atender casos de baixa ou média complexidade. Não vejo falta de recursos, mas sim falta de prioridade. Mas o triste é constatar que Palmas não é uma exceção, uma vez que 80% da saúde de Goiânia, por exemplo, está a cargo do Estado de Goiás.

Infelizmente é um mau exemplo, porque o dinheiro da saúde é mal dividido. E o pior: o Ministério da Saúde tem culpa, porque eles querem construir apenas a estrutura, encarregando os municípios da manutenção destes hospitais. Ora, isso é uma inversão de valores, porque o mais caro, em termos de saúde, é mão-de-obra especializada.

O sr. não vê uma solução mais plausível para esse problema?
Claro que é possível apresentar soluções. A cidade de Gurupi, por exemplo, tem uma faculdade municipal de medicina que forma acadêmicos todos os semestres. Contudo, essa mesma faculdade não possui um hospital-escola. Isso melhoraria sobremaneira a qualidade dos médicos da instituição de ensino, como também, contribuiria para a melhoria do atendimento da população.

Já a cidade de Palmas tem duas faculdades de medicina, no entanto, também não mantém hospitais universitários. Caso o Ministério da Educação exigisse dessas faculdades de medicina a manutenção de hospitais-escola para que seus alunos fizessem residência médica, garanto-lhe que os hospitais públicos estariam mais vazios.

Qual a sua percepção sobre os cursos de medicina fora do país e o que pensa sobre o exame “Revalida”?
O CRM não tem restrições a quem quer seja, brasileiros que fizeram o curso fora do país ou médicos estrangeiros que querem se estabelecer no Brasil. Desde que obtenham êxito no exame “Revalida”, serão muito bem vindos. Hoje, por exemplo, temos um médico cubano, dr. Pedro, como Conselheiro do CRM-TO. Um excelente médico que se submeteu ao exame e ficou no Brasil. Há vários outros exemplos.

Contudo, há algumas situações que nos causam preocupação, como alguns cursos de medicina no Paraguai, estabelecidos na divisa com o Brasil, que não são reconhecidos nem mesmo pelo Ministério da Educação daquele país. Isso é preocupante, porque não sabemos o nível do graduando.

Mas o que interessa mesmo para o CRM é a qualidade na prestação dos serviços médicos, independente da origem do médico ou onde se graduou. Não há qualquer tipo de xenofobia, portanto. Entendemos que se ele conseguir passar no exame “Revalida” está apto para trabalhar, desde que, evidentemente, tenha feito uma boa residência.

E outra: o exame tem que ser feito pelo Ministério da Educação, o único com autonomia. Queremos acompanhar, participar, supervisionar e fiscalizar, mas não temos intenção de ter o exame sob nossa direção, como ocorre com a OAB, por exemplo.

No que concerne à judicialização da saúde e suas consequências para o Estado gestor, qual a sua visão acerca do tema?
A saúde no Estado do Tocantins ainda é precária. Basta lembrar o que ocorreu no início do ano: demitiu-se a metade do corpo de médicos e, depois, constataram que não deu certo. Recontrataram alguns, mas não todos. Ora, se com todos eles já havia déficit e não funcionava à contento, imagine com o quantitativo reduzido! Logicamente, faltam médicos obstetras e pediatras, plantonistas de UTI. Essa precariedade de pessoal, aliado a poucas contratações, resulta em atendimentos de baixa qualidade.

Inobstante a isso, a falta de medicamentos, próteses e até mesmo equipamentos hospitalares, acabam resultando na judicialização. E isso não é de hoje. Desde a época do secretário dr. Eduardo Medrado que a gestão na saúde anda capengando. Na época dele, em apenas dois anos, mais de 70 pequenas unidades particulares de saúde que atendiam pelo SUS e faziam pequenas internações foram fechadas em nome de centralizar os gastos e os atendimentos nos hospitais de grande porte.

Mas isso deveria ter sido feito paralelamente e não em substituição. Essa alternativa foi equivocada e acabou por afastar os médicos das cidades do interior, deixando-as desassistidas. Isso também contribuiu com o caos.

O número de médicos no Brasil é suficiente?
Sim. Aliás, no final desse ano já vamos experimentar a primeira safra de médicos desempregados no País. Nós já excedemos a nossa capacidade de absorver todos os acadêmicos que as faculdades disponibilizam a cada ano. A verdade é que o Brasil não precisa de mais médicos, o País precisa é de saúde. Políticas públicas de verdade, que estruturem as unidades hospitalares, para que os médicos possam exercer a profissão com dignidade e tranquilidade.

Especificamente em relação à nova gestão do governador Mauro Carlesse (DEM) e do secretário de saúde, Edgar Tolini, quais são as impressões do Conselho de Medicina?
Logicamente que o CRM-TO mantém um relacionamento institucional com os governantes. Mas é lógico que sempre vamos preferir que haja um médico no comando da saúde do Estado. Isso facilita o relacionamento, naturalmente.

Mas o que nos espanta, porém não é novidade, é que gestão não usa – como deveria – o suporte que o CRM poderia oferecer. Nós temos um sistema de fiscalização (não para punir, exclusivamente, mas para orientar) que poderia fornecer informações científicas e precisas de todas as unidades de saúde. Isso possibilitaria muito mais foco à gestão.

Estamos abertos e dispostos a ajudar, o diálogo está muito mais do que aberto. Contudo, o faremos apenas se formos requisitados, mesmo porque a gestão pode não estar interessada em nossas contribuições.

A capital, Palmas, está bem servida em termos de rede particular de médicos e hospitais? Tornou-se uma referência para o Norte do País?
Houve, sem quaisquer sombra de dúvida, um crescimento vertiginoso. E o que eu percebo é que muitas áreas da medicina já estão saturadas em Palmas, como o caso da oftalmologia, por exemplo. Há uma oferta maior que a demanda, até para especialistas.

O aspecto positivo de tudo isso é que Palmas se tornou um ponto fora da curva e, naturalmente, se tornou referência para o Norte do País em termos de especialidades médicas. Naturalmente, isso é muito positivo para a cidade e pode contribuir com o seu desenvolvimento.