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Partidos negam legenda para deputados que correm o risco de não se reeleger, abrindo espaço para renovação do Parlamento e da política tocantinense

Quem diria: até ontem, eles eram líderes poderosos. Nos últimos anos passaram até a eleger governador. Comandam secretarias de Estado, determinam obras, sugerem programas, distribuem recursos por meio de emendas parlamentares impositivas, indicam aliados para ocupar cargos públicos e estão sempre em pé de guerra com o Palácio Araguaia quando seus interesses eleitorais são contrariados. Tanto poder virou problema. Os deputados são o centro de uma crise que os transformou em indesejados.

Ainda têm muitos deputados se perguntando o que aconteceu. Os partidos os cortejavam, agora renegam. Observam que as legendas ainda são praticamente as mesmas, salvo alguma sigla recém-criada, mas controlada pelos mesmos grupos políticos; as pessoas no comando do poder também são mesmas e o sistema não mudou tanto.

De fato, do ponto de vista político quase nada se alterou. Então, o que explica o estremecimento dos deputados que tradicionalmente sempre foram tratados como a representação do poder dos partidos?

Há poucos dias o deputado Eduardo Siqueira Campos (UB) organizou um manifesto com 21 assinaturas de parlamentares em apoio ao governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), em meio a votação do impeachment do ex-governador Mauro Carlesse. Será que essa manifestação de apoio dos deputados foi respaldada por seus partidos? É possível que não. Muitos dos partidos são de oposição. O que se observa é um completo divórcio entre a orientação do partido e o caminho seguido pelos parlamentares. Não foi essa a gota d’agua, mas um fato ilustrativo das relações conflituosas entre os partidos e seus filiados com mandato eletivo.

O fato concreto é que alguns partidos resolveram tomar a decisão de negar legenda para os seus deputados. Outros que não tinham representação na Assembleia Legislativa optaram por formar chapa apenas com pré-candidatos sem cargo. A decisão virou crise e terá repercussão na campanha, qualquer que tenha sido a solução para não deixar deputado desamparado. É certo que, no final, todos foram agasalhados, mas a um preço político muito alto. Um ponto de ruptura que não volta mais.

A decisão dos partidos não é nova, os deputados tinham conhecimento do debate em suas legendas, mas não deram a devida atenção. A crise se instalou de vez nesta última semana da janela partidária e do prazo de filiação para quem deseja ser candidato. A decisão que em longo prazo pode provocar mudanças profundas na cultura política do Estado, por enquanto, gerou uma crise sem precedente na base do governo que reúne o maior número de deputados.

A crise tem origem e explicação lógica. Tem a ver com a nova configuração política partidária com vistas às eleições, após o fim das coligações proporcionais, que passou a exigir dos partidos força própria para o embate eleitoral. Em vez de contar com puxadores de votos, no caso um detentor de mandato que quase sempre seria o único eleito, agora é preciso reunir uma chapa de candidatos competitivos. Com deputado na chapa, os partidos vinham tendo dificuldade de atrair bons candidatos, terminavam servindo apenas como trampolim para renovar mandato dos mesmos.

O financiamento público de campanha com um fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões é outro dado importante para se compreender a disposição dos partidos de estabelecer critérios claros na escolha dos seus pré-candidatos. Os partidos tem cada vez mais autonomia para fazer cumprir as suas prerrogativas. Garantir que todo e qualquer filiado tenha igualdade de condições de disputar cargos eleitos independente de exercer ou não mandato. Um princípio fundamental na constituição de qualquer partido que nem sempre era observado. Com deputado na disputa qualquer um podia ser candidato, mas não em igualdade de condições.

O PSB, dirigido pelo ex-prefeito de Palmas Carlos Amastha, foi o primeiro partido a expor a dificuldade direcionar a legenda para renovar mandato das mesmas pessoas. O partido em sua convenção, realizada em março decidiu negar legenda para detentores de mandado. O deputado Ricardo Ayres, de licença, e o seu suplente Gutierres Torquato, no exercício do mandato, tiveram de buscar outras legendas. Torquato se filou ao PDT com apoio do padrinho Laurez Moreira e Ayres buscou se alojar no Republicanos, onde o seu sogro, Cesar Salum, o acolheu.

O PSDB comandado pela prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro, tomou a mesma posição. Em meados de março, a presidente tucana comunicou que o partido formaria uma chapa sem deputados. A decisão deixou os deputados Olinto Neto e Luana Ribeiro sem legenda para disputar a reeleição. O PT, PV e PCdoB foram menos drásticos: decidiram reservar apenas uma vaga para deputado por partido na futura federação, que está sendo formada. Dois deputados ficarão fora, já que a bancada é de cinco deputados.

Além da negativa de alguns partidos, ainda há a enorme concentração de deputados na base do governo. Ao todo, são 22 deputados distribuídos em 12 partidos, metade desses partidos – MDB, PL, PC do B, PV, PL e PSC – estão na base de outros candidatos a governador. O que acentuou ainda mais a crise de falta de legenda para os deputados. Alguns já estão há mais de 20 anos no Parlamento e desejam continuar.

Durante toda a semana foi uma correria de deputados e dirigentes de partidos pelos corredores do Palácio Araguaia em busca de orientação para uma solução conjunta na garantia de legenda para aglutinar todos que desejam disputar a reeleição. Dos 22 deputados que integram a base governista, pelo menos 19 são pré-candidatos a permanecer onde estão. Dois – Ricardo Ayres (Republicanos) e Toinho Andrade (Republicanos) – desejam disputar uma cadeira da Câmara Federal. O deputado Eduardo Siqueira Campos (UB) anuncia que está deixando a política.

Ainda é cedo para se avaliar o tamanho do estrago provocado pela crise que instalou no Palácio Deputado João D’Abreu, sede da Assembleia Legislativa, por conta da decisão dos partidos de negar legenda para detentores de mandados. Os partidos já vinham enviando sinais de que os deputados não eram mais prioridade na disputa eleitoral, como antes. Uma mudança importante que os partidos tiveram de fazer, não por vontade própria, mas foram obrigados para atrair nomes com potencial eleitoral para concorrer às eleições.

O que se sabe é que o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) teve que montar plantão, no Palácio Araguaia, nos últimos dias, para tentar garantir legenda para deputados rejeitados em seus partidos.

Analisando grosso modo, visto que só a partir de agora vai se saber quem é quem, o governador Wanderlei Barbosa foi quem mais perdeu com esta crise dos deputados sem partido. Perdeu parlamentares que já estavam bem alojados no governo e que se filiaram a partidos de oposição, a exemplos dos deputados Carlos Henrique Gaguim (que deixou o Republicanos, que era dirigido pelo seu filho Bruno Amorim para se filiar ao União Brasil); da deputada Dorinha Seabra, candidata ao Senado na chapa de Ronaldo Dimas; e também de Jair Farias, que trocou o MDB pelo UB. Muitos deputados vão concorrer por partidos inchados de candidatos com mandatos e sem nenhuma perspectiva de eleger todos, o que afeta profundamente o ânimo de campanha.

A crise deixa uma lição importante. Finalmente, os deputados estão tendo que reconhecer que partidos não serve só para eleger, mas também para conduzir a atuação parlamentar. De agora em diante o relacionamento entre os partidos e os deputados será bem diferente.

Analistas políticos observam que a forma já foi testada nas eleições municipais de 2020 e teve como resultado uma renovação significativa das casas legislativas. O mais importante, o partido, passou exercer um protagonismo maior na vida política. Deputados que não vivenciem a vida partidária terão cada vez menos espaço. A nova forma é um duro golpe contra o carreirismo dos políticos profissionais que só importam com partidos em época de eleição. Essa exigência dos partidos pode até ser um avanço pequeno, mas é avanço.