A ativista indígena Narubia Werreria, presente à 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27) como representante dos povos indígenas do Tocantins, disse que a cúpula serviu para um encontro histórico e emocionante do presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com líderes indígenas de todo o planeta. “Foi muito emocionante, um momento único. A primeira vez que um líder de Estado se reúne com todos os povos indígenas do mundo. Isso mostra o prestigio do presidente brasileiro. Ele mesmo falou, ‘olha já estive em muitas reuniões no mundo inteiro, mas esta, com certeza, é a mais importante de que eu participo’”, conta a líder carajá, apontando o encontro como um dos pontos altos da COP27.

Narubia aponta o discurso do presidente Lula na conferência como um alento para ativistas ambientais de todo o mundo. “Fez um discurso muito firme, de cobrar dos países desenvolvidos as promessas que fizeram, os R$ 100 bilhões que nunca chegaram. Com o governo anterior éramos a escória ambiental e diplomática, Bolsonaro era constantemente criticado e isolado em suas participações internacionais; com Lula, é muito diferente, todos querem um momento com ele. Agora somos nós quem vamos cobrar, Lula vem e diz ‘eu vou fazer a minha parte, mas vou cobrar de vocês, porque são vocês os grandes responsáveis pela crise climática que vivemos’. O Lula é esse líder que reposiciona o Brasil e tem a coragem de cobrar as autoridades internacionais”, garante. 

A líder indígena avalia que o debate sobre a criação do Ministério dos Povos Indígenas está avançando. Para ela, a proposta de criação de um novo órgão que pode aglutinar as políticas indigenistas representa mais do que o cumprimento de uma proposta de campanha: é a possibilidade real de reverter os ataques contra os povos originários perpetrados pelo governo atual. “Tudo isso está sendo debatido e é histórico. É a primeira vez que nós vamos ter um ministério, mas não só: vamos ter um indígena à frente dele. Será a primeira vez em que um indígena vai fazer parte do primeiro escalão do governo do Brasil”, comenta Narubia, entusiasmada com esta possibilidade. 

A exemplo do Ministério dos Povos Indígenas, Narubia anuncia que o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) pretende criar uma fundação dos povos indígenas, o que segundo ele será um marco histórico. “O governador [Wanderlei Barbosa] prometeu criar uma fundação dos povos indígenas. Na COP27, ele reafirmou esse compromisso. Nós estamos também com essa expectativa, de que a gente tenha uma fundação para cuidar desses assuntos relativos à atenção aos povos indígenas do Tocantins, que será uma grande conquista, um outro marco histórico”, garante. 

Qual o balanço que a sra. faz da participação do Brasil na COP27, depois de longa ausência do debate sobre o clima?

A participação oficial do Brasil foi reduzida. Não participamos das negociações finais da COP, que são as mais decisivas, mas considero que o balanço pro Brasil é positivo, pois retomamos a centralidade do debate ambiental no cenário internacional. Estamos saindo de um governo no qual a agenda ambiental não só foi abandonada, mas também duramente atacada. Vários órgãos de controle ambiental, assim como a Funai [Fundação Nacional do Índio], sob a gestão Bolsonaro foram sendo sucateados e aparelhados por militares que não entendem da pauta ou entregues a oportunistas, como o ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles [eleito deputado federal pelo PL de São Paulo]. Quando Lula reaparece, representa a volta da esperança e do protagonismo do Brasil. Se analisarmos as COPs todas, as participações do Brasil na ONU, nossa diplomacia tem um histórico muito bom, mas isso foi apagado durante esses quatro anos. Nessa COP, Lula foi convidado antes mesmo de assumir, tanto pelos governadores da Amazônia, como pelo presidente do Egito [Abdel Fatah al-Sissi]. E, mesmo ainda não sendo presidente, chegou como chefe de Estado. Vivenciamos o prestígio do Brasil e o anseio por sua presença, tanto por nosso histórico como por termos a Amazônia, cuja maior parte está em território brasileiro. O mundo sabe que nós somos estratégicos e fundamentais para o clima na Terra.

Lula é esse líder que reposiciona o Brasil e tem a coragem de cobrar as autoridades internacionais

Lula foi a grande estrela do Brasil, nesta volta ao debate ambiental. O discurso do presidente teve uma repercussão internacional. Fez um discurso muito firme cobrando os países desenvolvidos sobre as promessas que fizeram nas COPs anteriores, os R$ 100 bilhões que nunca chegaram. Com o governo anterior éramos a escória ambiental e diplomática. Bolsonaro era constantemente criticado e isolado em suas participações internacionais. Com Lula, é muito diferente, todos querem um momento com ele. Agora somos nós quem vamos cobrar. O Lula é esse líder que reposiciona o Brasil e tem a coragem de cobrar as autoridades internacionais.

Quais os avanços que a COP27 trouxe para o debate sobre as mudanças climáticas?

Em se tratando da participação do Brasil, nós viramos o jogo. Agora, em relação ao cenário global das COPs, não vimos o avanço necessário para frear a crise climática que estamos vivendo. Apesar de algumas pessoas comemorarem a criação do fundo de perdas e danos, trata-se apenas de um paliativo ao planeta, sem atingirmos a causa da crise climática. Também não vemos as nações desenvolvidas, que são as maiores responsáveis pelo aquecimento global, pagando pelos crimes que estão cometendo. Porque estão destruindo a vida de gerações. Milhares de pessoas estão sendo atingidas, vítimas dos desastres ambientais intensificados pelas mudanças climáticas, que estão acontecendo em redor do mundo. Quando se avalia este cenário e constatamos que não há nada de concreto nestes 30 anos de debate sobre o clima, isso deixa os ativistas ambientais muito preocupados. Só vejo esperança se houver uma grande coalizão pelo clima, com a liderança e pressão da sociedade civil.  

Consórcio da Amazônia protagonizou muitos espaços internacionais

No que diz respeito ao nosso dever de casa, que é cuidar da Amazônia, o que o Brasil conseguiu transmitir de mensagem para o mundo neste sentido?

Houve um completo descaso e abandono da proteção à floresta amazônica do território brasileiro, agravado nos últimos quatro anos. Os estudos do Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] apontam que tivemos recordes em desmatamento e queimadas. Com a falta dessa liderança política federal na questão ambiental, nós temos um deslocamento de iniciativas para os governadores do Consórcio da Amazônia, que protagonizou muitos desses espaços internacionais.

O Consórcio da Amazônia estabeleceu um espaço de governança muito interessante, que pode ser exemplo inclusive para o governo federal. Ele tem se consolidado principalmente na atuação por meio do mecanismo de REDD+, com a captação de recursos internacionais. O Consórcio da Amazônia tem intuito de realizar uma gestão compartilhada, com organizações civis e com povos indígenas, por meio do Comitê Regional dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, do qual fui integrante. Mas tudo isso tem de ser ampliado e a participação indígena deve ser prioritária. Costumo dizer que nós somos as reais autoridades climáticas: 58% do estoque de carbono da Amazônia está em territórios indígenas. Então a mensagem que o Brasil traz é esta: apesar do cenário preocupante, trazemos esperança com o novo presidente e precisamos de valorização dos serviços ambientais prestados pelos povos indígenas para o mundo e seu protagonismo na defesa da Terra.

Como foi o encontro dos líderes indígenas brasileiros com o presidente Lula?

Foi muito emocionante. Foi um momento único, a primeira vez que um líder de Estado se reuniu com representantes de povos indígenas de todos os continentes do mundo. Isso mostra o prestigio do presidente brasileiro. É um prestígio para conosco, povos indígenas, mas é um prestígio também do presidente. Ele afirmou categoricamente que aquela foi a mais importante reunião de que participou na vida, pois sabe da nossa importância para o futuro do planeta no combate às mudanças climáticas. Lula reconhece a autodeterminação dos povos originários do Brasil e a dívida histórica que o País carrega conosco, ao afirmar enfaticamente “vocês estavam aqui antes, essa terra é de vocês’’. Foi um momento muito bonito.

É a primeira vez que vamos ter um ministério e uma pessoa indígena à frente da pasta

Lula reafirmou o compromisso que fez com a demarcação dos territórios indígenas e com certeza isso repercute em todo o mundo, no fortalecimento das pautas indígenas e de proteção ambiental. Lula também confirmou a criação do Ministério dos Povos Indígenas. É a primeira vez que vamos ter um ministério e não apenas isso, nós vamos ter um indígena à frente da pasta. Isso é algo inédito na história do País, nem mesmo na Funai tivemos um indígena presidindo. Vai ser a primeira vez que um indígena fará parte do primeiro escalão do governo do Brasil. Isso vai ser muito emocionante, uma conquista histórica.

Nós vamos ter que saber confrontar quando tiver que confrontar e saber negociar quando tiver que negociar 

Quais os desafios que um órgão como este deve enfrentar para ser efetivo na defesa dos interesses dos povos indígenas, que têm sofrido constantes ataques orquestrados por órgãos que deveriam lhes garantir proteção?

São muitos desafios, muitas frentes em que temos de atuar. O jogo político brasileiro não é fácil e sabemos que temos de fazer uma reconstrução democrática do País. Tudo isso que nós vimos durante esse período bolsonarista nos confirma que, na verdade, todo o racismo estruturante contra os povos indígenas, toda essa ganância pela posse da terra, as queimadas e desmatamentos recorde, aquelas imagens horríveis dos barcos do garimpo ilegal invadindo áreas como nunca tínhamos visto acontecer, tudo isso está no cerne da construção social do País e precisa ser enfrentado. Da mesma forma, essa cultura de dizer que os povos indígenas estão atrapalhando o desenvolvimento, todo esse desmonte e esses retrocessos na questão indígena vêm de um pensamento colonial, capitalista, retrógrado, que acredita que uma floresta intacta, que não tem boi nem soja, não traz renda.

O ministério será importantíssimo como grande articulador da pauta indígena dentro do governo. Nós vamos ter de saber confrontar quando tiver de confrontar e saber negociar quando tiver de negociar. Mas sabemos que temos de ter dentro do Congresso também uma trincheira de luta, pois os embates vão passar por lá. Já sabemos transitar por estes labirintos, vamos ter a “bancada do cocar”, que é uma bancada de proposição e também de muito enfrentamento.

Governador Wanderlei Barbosa prometeu criar uma fundação dos povos indígenas

Lula pode inspirar governos estaduais a criar estrutura e políticas públicas em proteção aos povos originários?

Com certeza. Inclusive estive conversando com a Joênia Wapichana [deputada federal pela Rede Sustentabilidade de Roraima], que é uma das pessoas da equipe de transição, e disse para ela que é muito importante atrelar orçamento para os Estados para políticas públicas indigenistas à reformulação de conselhos indígenas com a exigência de criação de estrutura, como secretaria ou fundação, que vai dialogar diretamente com o Ministério dos Povos Indígenas. O ministério pode naturalmente, influenciar os Estados pelo exemplo, além de fortalecer a criação de órgãos específicos onde os líderes indígenas já estavam fazendo essa reivindicação. Dos nove Estados da Amazônia Legal, por exemplo, cinco têm alguma estrutura voltada às populações indígenas; desses, somente três são secretarias.

Aqui no Estado do Tocantins, por exemplo, o governador [Wanderlei Barbosa] prometeu criar uma fundação dos povos indígenas. Na COP27, ele reafirmou esse compromisso. Será um marco histórico para nosso Estado.