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Jovens líderes renovam a cena política do Estado sem alterar muito a velha ordem da tradição familiar

Filho de Fenelon Barbosa, primeiro prefeito de Palmas, o governador Wanderlei Barbosa é hoje o nome mais proeminente da Geração Tocantins | Foto: Reprodução

É indiscutível a transformação, ou melhor, a mudança no comando do poder no Tocantins, que se verifica, sobretudo, nos últimos anos. Os líderes “autonomistas” que participaram das mobilizações pela criação do Estado e exerceram o poder enquanto puderam, ainda estão por aí, mas cada vez mais distantes das articulações políticas, quase esquecidos, à margem do processo.

Siqueira Campos, Moisés Avelino, José Freire, Totó Cavalcante, Darci Coelho, Fenelon Barbosa, Eduardo Siqueira Campos, que durante décadas acumularam poder e exerceram forte influência no destino do Tocantins e de Palmas, ainda são lembrados como figuras públicas associadas à implantação do Estado e de sua capital, mas não têm mais prestígio para influenciar nas decisões da política atual.

Uma nova geração que surgiu com o próprio Tocantins está tomando conta do poder. Do Palácio Araguaia à Assembleia Legislativa, passando pela representação no Congresso Nacional, prefeituras e câmaras de vereadores, novos líderes dão o tom do debate e ditam o ritmo da política tocantinense. Mas não se enganem, a renovação é mais de nomes, não necessariamente de sobrenomes.

O governador Wanderlei Barbosa (Republicanos) líder eminente do que se pode chamar de Geração Tocantins, entrou para a política, em 1988, na primeira eleição do novo Estado, ao se eleger vereador de Porto Nacional, representando o distrito de Taquaruçu do Porto, que viria a se tornar distrito da capital com o nome de Taquaruçu. Wanderlei é filho de Fenelon Barbosa, primeiro prefeito de Palmas.

Dos oito deputados federais que compõem a representação do Tocantins na Câmara Federal, pelo menos três estão onde estão por força do sobrenome que carregam – Dulce Miranda (MDB), ex-primeira dama do Estado, esposa do ex-governador Marcelo Miranda; Vicentinho Júnior (pP), filho do ex-senador Vicentinho Alves (PL); e Thiago Dimas (Podemos), filho do ex-prefeito de Araguaína e pré-candidato a governador Ronaldo Dimas (PL).

Todos eleitos com votação expressiva, o que significa dizer que contaram com o sobrenome e o poder associado a ele naquele momento. Neste caso, significa dizer que contaram com o empurrãozinho da máquina. Todos foram eleitos na sombra de mandatos. Exemplo claro do que diz a ciência política, o poder se reproduz.

Senador Irajá Abreu, filho da senadora Kátia Abreu | Foto: Reprodução

No Senado Federal, todos os três senadores do Tocantins – Kátia Abreu (PP), Irajá Abreu (PSD) e Eduardo Gomes (PL) – fazem parte da nova geração de líderes que surgiu a partir da criação do Estado. Como se sabe, Irajá é filho da senadora Kátia Abreu, que já soma 15 anos na Câmara Alta. Eduardo Gomes é herdeiro político de Siqueira Campos (União Brasil), seu suplente no Senado.

No plenário da Assembleia Legislativa, dos 24 deputados pelo menos 10 integram famílias tradicionais, dos quais alguns membros exerceram cargos eletivos – Eduardo Siqueira Campos (UB), filho do ex-governador Siqueira Campos; Ricardo Ayres, bisneto do médico e deputado federal Francisco Ayres; Vanda Monteiro, esposa do sobrinho do ex-deputado federal Osvaldo Reis; Valderez Castelo Branco (Republicanos), esposa do ex-deputado federal Lázaro Botelho; Toinho Andrade (Republicanos), filho do ex-prefeito de Porto Nacional Antônio Poincaré Andrade e irmão do ex-prefeito Otoniel Andrade; Leo Barbosa (Republicanos), filho do governador Wanderlei Barbosa; Fabion Gomes, irmão do ex-deputado e ex-prefeito de Tocantinópolis José Bonifácio; Luana Ribeiro (PCdoB), filha do ex-senador João Ribeiro; Cláudia Lelis (PV), esposa do ex-deputado Marcelo Lelis; Amália Santana (PT), irmã do ex-deputado e ex-prefeito de Colinas José Santana – sem considerar que muitos são ex-prefeitos e que após conquistar o poder ajudaram a eleger parentes próximos, esposa ou irmão.

Qualquer que for o resultado das eleições de 2022, o processo de renovação deve se acentuar ainda mais. No cenário atual, dos cinco pré-candidatos ao governo do Estado – Laurez Moreira (PDT), Paulo Mourão (PT), Osires Damaso (PSC), Ronaldo Dimas (PL) e Wanderlei Babosa (Republicanos) – apenas Dimas não nasceu no Tocantins, mineiro de Uberaba, das primeiras horas no novo Estado. Os outros todos se gabam de serem filhos da terra e conhecerem como ninguém os problemas do seu povo. O que por si só não tem muita relevância, mas comprova a mudança de perfil dos novos líderes.

Todos disputam pela primeira vez o comando do Palácio Araguaia e apenas Laurez Moreira iniciou a carreira política antes da criação do Estado. Eles são o que se pode considerar representantes da geração Tocantins, os novos líderes que sucederam os homens que lutaram para criar o Estado e entram na disputa pelo Palácio Araguaia sem a indicação das velhas tradições que entraram em declínio com a renovação da cara do poder.

O ex-governador Siqueira Campos é de longe o líder mais longevo e de maior influência no Tocantins. Foi eleito governador quatro vezes e ainda foi o responsável direto por levar Marcelo Miranda, Sandoval Cardoso e Mauro Carlesse ao comando do governo do Estado.

No caso de Carlesse, vale uma ressalva. Siqueira foi mais usado do que propriamente um entusiasta do empresário paulista que, de uma hora para outra, se apoderou do Tocantins confundindo políticas de Estados com negócios privados, com a mesma disposição dos velhos coronéis. Siqueira teve participação mínima, se resumindo a raras aparições em comícios e apoio discreto; porém, o siqueirismo foi fiador do empresário na adesão e em sua ascensão política.

Eleito deputado em 2014 depois de fracassar na disputa pela prefeitura de Gurupi, em 2012, Carlesse contou com o apoio do deputado Eduardo Siqueira Campos (DEM), responsável por articular sua candidatura à presidência da Assembleia Legislativa, de onde saiu para ocupar a cadeira de governador, após a segunda cassação do então governador Marcelo Miranda (MDB), em 2018.

O afastamento e renúncia de Carlesse é mais uma pá de cal no siqueirismo, que há muito entrou em decadência. Como força política, talvez a mais importante do Tocantins, o siqueirismo está morto.

Não se pode atribuir ao siqueirismo o prestígio político de Dimas, Wanderlei, Laurez, Mourão e Damaso na condição de pré-candidatos ao governo do Estado, pois todos já militaram na antiga União do Tocantins, comandada por Siqueira Campos, mas chegaram onde chegaram por força própria não por influência da origem siqueirista. O único líder que continua explorando com sucesso a marca Siqueira é o senador Eduardo Gomes, que herdou até o mandato do velho líder.

Como vimos, a familiocracia é base estrutural do poder no Tocantins. Algo intrínseco, que precisa de mudanças aparentes para manter a essência. A familiocracia é o traço político que mais nos aproxima de nossa origem, é arranjo político que o norte de Goiás herdou ao Tocantins, tão eficiente eleitoralmente que permaneceu após a criação do novo Estado e nos permite afirmar que o coronelismo ainda existe.

A nova geração que comando o poder no Tocantins já não tem mais nenhuma relação com os velhos líderes que comandaram a implantação do Estado. São jovens experientes e testados nas urnas, mas só agora estão assumindo o protagonismo na gestão do Estado. Porém faz parte da mesma estrutura que moldou a geração anterior. As mudanças de nome revelam a permanência da estrutura.