“Custas judiciais têm impedido o acesso do cidadão à Justiça”

21 outubro 2017 às 10h33

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Cuidado com as prerrogativas do advogado continua prioridade para o presidente da seccional tocantinense da OAB; ele reafirma que não será candidato à reeleição ao final de seu mandato

Presidente da seccional tocantinense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-TO), Walter Ohofugi é graduado em Direito pela Faculdade Mackenzie de SP. Ele fixou residência no Tocantins em 1990, quando atuou como assessor jurídico no Tribunal de Justiça do Estado. Após esse período, iniciou suas atividades na advocacia privada e comanda um dos mais renomados escritórios da região.
Nesta entrevista exclusiva ao Jornal Opção, Ohofugi apresenta suas posições em defesa das prerrogativas dos advogados, bem como na incessante luta pela classe jurídica, enaltecendo, por fim, o Encontro Estadual da Advocacia que ocorrerá nos próximos dias 27 e 28 de outubro em Palmas.
A 4ª Conferência Estadual da Advocacia se realizará entre 25 e 27 de outubro e terá como tema “O papel da Advocacia no Estado Democrático de Direito”, além de contar com presenças nacionalmente ilustres como Eliana Calmon, o presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, Nabor Bulhões e Cezar Britto. Qual o principal objetivo do encontro e qual a abrangência desta discussão?
Vamos discutir o papel da advocacia nesse momento da quadra nacional, que não é um momento fácil. Exercemos, em determinadas situações, o papel denominado contramajoritário, ou seja, ao contrário do Legislativo, tanto a advocacia, quanto o judiciário, devem ter como norte o regramento constitucional, e não a opinião pública. Vivemos hoje no país, uma crise institucional, um momento de descrença por parte da população que busca punitivismo, permitindo até mesmo o empoderamento de forças retrógradas. Nesse contexto, a advocacia deve passar por uma profunda reflexão, não deixando de punir os culpados evidentemente e moralizar o país, entretanto, assegurar o direito de defesa e o Estado democrático de direito. Devemos nos nortear pela máxima de Gandhi: “nem uma injustiça justifica um milhão de justiças”. Por isso, vamos discutir esse contraponto e o papel da advocacia no Brasil, oportunidade em que os palestrantes Nabor Bulhões e Claudio Lamachia vão discutir profundamente esse tema.
Além disso, teremos painéis temáticos e vamos abordar, também, questões de gênero, tributárias, sindicais, classistas, meio ambiente, trabalho escravo, entre outros.
A OAB-TO notificou, recentemente, advogados de outros Estados que patrocinam mais cinco processos no Tocantins. Como a Ordem faz este controle e porque isso é tão importante?
O controle é extremamente difícil e complicado. Tivemos que utilizar algumas ferramentas do sistema E-Proc e contar com a força de trabalho de alguns profissionais especializados.
Quanto às notificações, trata-se de uma determinação legal, prevista no Estatuto da Advocacia. Até mesmo para preservar mercado, permitir que o advogado tenha essa capilaridade de poder atuar em outro Estado da Federação, contudo, compete à Ordem fornecer toda uma estrutura para este profissional que vem de fora, implantando subseções e salas de apoio em todos os fóruns, Procuradoria de Prerrogativas, enfim, todo um arcabouço de infraestrutura à disposição destes advogados. Esta gestão prima pela eficiência e ela passa, necessariamente, pela adimplência. Entendo que os advogados têm todo direito de cobrar da OAB, exigir o máximo da Instituição, contudo, a contrapartida deve existir e ela se materializa através da adimplência, do pagamento das anuidades.
A OAB-TO se posicionou contra o Alvará Judicial Eletrônico implantado pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJ-TO), interpondo reclamação junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Quais as razões do descontentamento?
Entendo que são dois aspectos cruciais para apresentação do nosso inconformismo junto ao CNJ. A primeira porque não permite ao advogado sacar todo o montante apurado nos autos, mesmo de posse de procuração com poderes amplos que lhe permitem receber e dar quitação, devidamente assinada pelo cliente. Isso contraria cabalmente a legislação pátria, que preceitua que o advogado pode e deve atuar livremente.
Essa imposição, sem dúvidas, é um obstáculo para o exercício da advocacia. Mesmo abrindo-se o precedente para a confecção de dois alvarás, um para o cliente e outro para o advogado, este último é obrigado juntar o contrato de honorários nos autos e isso, além de ferir o sigilo profissional, também expõe o operador do direito, na medida em que todos aqueles que têm acesso ao processo poderão visualizar qual é o montante a ser recebido. Isso é um risco para os advogados, uma vez que, caso ele tenha honorários vultuosos para receber, estará exposto a toda sorte de possíveis extorsões.
A segunda é a taxação, na medida em que a resolução impõe a retenção automática na fonte, contudo, as sociedades civis de advogados estão sujeitas a diferentes regimes tributários, contudo, o Tribunal de Justiça determina a taxação de 27,5% indiscriminadamente. Isso fere frontalmente a legislação tributária.
Em relação ao reconhecimento, pelo TJ, da atividade advocacia municipalista, a OAB se engajou na causa, visando defender as prerrogativas da classe. Qual o desfecho final?
É entendimento uníssono que as regras licitatórias não podem abranger a contratação personalíssima, singular e de confiança, do advogado municipalista. Fiz a sustentação oral no dia do julgamento de um caso específico, em que o Tribunal de Justiça reconheceu a legalidade da contratação, mas que abrirá um importante precedente para julgamento de outros casos.
Não somos contra os preceitos da moralidade na administração pública, todavia, há que se ressaltar que em alguns municípios de menor porte existe, inclusive, a inviabilidade econômico-financeira da criação de uma Procuradoria, uma vez que, além da dialética do direito, há a questão dos salários, encargos, aquisição de equipamentos, além da estruturação física. Evidentemente que, se o gestor seguir os princípios da razoabilidade, evitando-se contratos vultuosos e desproporcionais, a contratação de uma banca de advocacia especializada e de sua confiança trará resultados positivos para aquele município.
Ademais, há uma recomendação específica do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) para que os promotores de justiça não ingressem com ações desta natureza, questionando contratação de advogados, pelos entes municipais.
Em relação ao piso salarial dos bacharéis em direito e advogados que atuam como assessores do quadro geral do governo do Estado do Tocantins, lembro-lhe que foi uma de suas promessas de campanha, lutar por reajustes salariais e adequações do piso salarial. O sr. já iniciou tais tratativas com o Executivo?
Estabelecemos um início de diálogo no ano passado, porém, não houve evolução. Contudo, é necessário enfatizar as dificuldades financeiras pelas quais tem passado o País e o próprio Estado do Tocantins, que tem feito esforço hercúleo para quitar a folha de pagamento em dia. Esse foi um dos entraves ao diálogo. Entretanto, reafirmo que a OAB precisa retomar essa bandeira, em razão das responsabilidades que os profissionais assumem, e vamos fazê-lo. Já está, inclusive, na pauta de debates.

No que concerne ao crime brutal ocorrido em Araguaína, que vitimou o advogado Danilo Sandes, assassinado em razão de sua conduta profissional, uma vez que se negou a fraudar um processo de inventário e ocultação de bens, qual foi o posicionamento e ações desta instituição?
Esse crime foi de uma barbaridade tremenda e tem um simbolismo muito forte para a classe. Primeiro, pela própria violência contra um advogado no exercício da profissão. Segundo, porque há no Brasil cerca de 1 milhão de advogados e a grande maioria deles são jovens, em início de carreira, o que obriga a Ordem a tratar do tema Ética diuturnamente, visando evitar extravasamentos.
Ocorre que o Danilo representava isso muito bem, uma vez que ele foi vítima dessa violência por ter insistido em sua postura ética. Hoje, ele se tornou um símbolo da advocacia, tanto é que ele será desagravado na Conferência Nacional dos Advogados, que ocorrerá em São Paulo, no mês de novembro, a convite do presidente Lamachia, que pediu, inclusive, que a família dele estivesse presente, com a finalidade de receber a homenagem e estar presente ao ato simbólico. Portanto, o acontecimento já ultrapassou os limites do Tocantins e se tornou uma referência nacional.
Quanto ao caso, a OAB-TO acompanhou de perto, mobilizou os presidentes da região Norte e formou uma comissão especial para acompanhar as investigações criminais, bem como, monitorar a reparação na esfera cível. Parabenizamos o delegado José Rerisson e sua equipe de agentes, que desvendou o crime e prendeu os culpados.
Ainda sobre a defesa das prerrogativas, recentemente a Corregedoria do TJ determinou ao juiz da comarca de Arapoema que elaborasse um plano de gestão que possa enfrentar os desafios de produtividade da comarca e aprimorar a prestação jurisdicional. Sem dúvida um bom começo, contudo, há várias outras comarcas na mesma situação. Há gestões da OAB no mesmo sentido para outras cidades?
Com toda certeza outras comarcas também enfrentam o mesmo problema. Temos hoje dentro da OAB-TO, uma Procuradoria de Prerrogativas bem estruturada com a contratação de duas profissionais especializadas, além de 48 procuradores voluntários. Todas as demandas são debatidas direta e pontualmente com a Corregedoria do Tribunal de Justiça. Há, portanto, um diálogo direto com o Tribunal, visando fazer frente a essas demandas e esse atraso jurisdicional, reconhecido pelo Poder Judiciário.
Em âmbito nacional, no início deste ano, acompanhei uma reunião do presidente Lamachia com a ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), em que foi discutido exatamente esse tema: a capacidade instalada do Poder Judiciário. Segundo levantamentos oficiais, o Brasil necessitaria hoje de 10 mil juízes para atender toda a população e nossa realidade está bem longe disso. Assim sendo, na ampla maioria das vezes, a culpa não é do magistrado em si, que se desdobra e trabalha muito, mas sim do grande número de processos existentes nas comarcas, fruto do próprio crescimento da população e da pujança da judicialização.
A Assembleia Legislativa vai debater um projeto para isentar a cobrança de taxa judiciária e custas para cobrança, cumprimento de sentença e execução de verbas de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios. Atendendo pedido da OAB-TO, o projeto será apresentado pelo deputado Alan Barbiero (PSB). Qual é o contexto intrínseco do projeto e como poderia beneficiar a comunidade tocantinense?
Estamos numa discussão, aberta pelo próprio Tribunal de Justiça, sobre o valor das custas judiciais no Estado, uma das maiores do país, que tem impedido o acesso do cidadão à Justiça. Nesse contexto, a rubrica “taxa judiciária” inviabiliza de vez a interposição de muitas ações.
Abriu-se, recentemente, um precedente no Rio Grande do Sul, por intermédio da OAB-RS e seu presidente Ricardo Breier, na medida em que obtiveram isenção de custas nas cobranças e execuções de honorários advocatícios, exatamente porque possuem caráter de natureza alimentar.
Levantamos a mesma bandeira aqui no Tocantins e conseguimos mobilizar o parlamentar Alan Barbiero, com o apoio do deputado licenciado Ricardo Ayres, na tentativa de sensibilizar a Assembleia Legislativa e aprovar essa pauta de reivindicações, proporcionando mais uma vitória para a advocacia tocantinense, que hoje, absorve mais de 6 mil profissionais em seu quadro.
A subseção da Justiça Federal de Araguaína responde por mais de meio milhão de cidadãos tocantinenses. Foi, sem dúvida, uma luta grande da OAB do Tocantins, a implantação da 2ª Vara Federal naquela cidade. Como esse marco vai beneficiar os operadores do direito?
A situação de Araguaína, segundo dados, era a segunda seção pior do Brasil. Uma vara apenas para atender toda aquela jurisdição – que compreende toda região do Bico do Papagaio – era algo impossível de ocorrer. Essa incessante luta da Ordem, convém ressaltar, vem desde a gestão passada, capitaneada pelo presidente Epitácio Brandão e o conselheiro André Barbosa. Para se ter uma ideia, a expedição de um alvará judicial se arrastava por 10 ou 12 meses, o que verdadeiramente é inaceitável.
Fizemos várias reuniões com membros do TRF, conselheiros da OAB, além de audiências públicas, visando encontrar soluções. A questão era eminentemente estrutural, pois percebíamos que havia comprometimento por parte dos magistrados e servidores, contudo, quando a primeira vara foi criada, ela já havia sido subdimensionada, já nasceu pequena demais para atender uma população tão grande.
Tenho esperança que a inauguração desta segunda vara proporcione mais agilidade no andamento processual, que resulte em avanços e entrega da prestação jurisdicional de forma mais célere.
Ao final do biênio, o sr. se candidatará à reeleição?
Como disse em outra entrevista a este veículo de comunicação, ainda em janeiro de 2016, me elegi com base na proposta, muito clara, por sinal, contrária à reeleição. Apesar do instituto ser legítimo, não sou adepto, nem tampouco tenho isso como propósito. Tenho recebido pressões para continuar, mas fiz uma profunda reflexão acerca do tema, e acredito que não será necessário. Efetivamente, hoje contamos com mais de 6 mil advogados no Tocantins e creio que esta fase da Instituição de se personalizar numa figura, já passou, uma vez que foram apenas seis presidentes em 27 anos de existência. Haverá de surgir outros nomes dentro do nosso próprio grupo ou entre esses outros 6 mil. Essa abertura de espaço para novas ideias é salutar e revelará que possuímos sim, gestores capacitados capazes de trabalhar em prol da seccional tocantinense da Ordem dos Advogados.