O debate sobre a modernização do sistema de distribuição de energia elétrica trouxe à tona discussões sobre a viabilidade e os desafios da implantação de redes subterrâneas em Goiás. Na semana passada, o presidente da Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), deputado estadual Bruno Peixoto (UB), apresentou uma emenda parlamentar ao Projeto de Lei (PL) da Governadoria, de nº 1543/23 sobre a tema. Originalmente, a proposta autorizou a instalação de torres para alta tensão de eletricidade para atender uma unidade da empresa Brainfarma Indústria Química e Farmacêutica S. A., no Distrito Agroindustrial da cidade de Anápolis (Daia), mas a questão pode ir além.

A proposta, juntamente com a emenda, foi aprovada em definitivo na Alego, na quinta-feira, 17, e aguarda sanção ou veto do governador Ronaldo Caiado (UB). No entanto, a iniciativa legislativa em determinar o cabeamento subterrâneo no Estado é apontada como inconstitucional, uma vez que o projeto teria que partir da esfera federal.

Esse é o entendimento da própria Equatorial e de especialistas. Isso porque a concessão da exploração do serviço energético é feito pela a União e não caberia a estados e municípios legislar sobre o assunto. Ao Jornal Opção, Bruno Peixoto rechaçou esse posicionamento por parte da distribuidora, que faz “cobrança exorbitante nas contas de energia. A Equatorial, pelo que compreendo, não tem a capacidade de declarar inconstitucionalidade de uma matéria aqui aprovada ou em algum local. Vamos aguardar”, afirmou.

“Está na hora, sim, de debater fiação subterrânea, diz Bruno Peixoto, presidente da Alego | Foto: Divulgação / Alego

Acerca do serviço subterrâneo, o deputado estadual compara o caso dos municípios goianos em relação às demais cidades de outros países. “O que não dá é para vermos várias cidades no mundo há mais de 80 anos já possuírem fiação subterrânea e a nossa capital, Goiânia, seguir sem levantar esse debate. Então está na hora, sim, de impormos uma legislação pertinente para iniciarmos a fiação subterrânea. Se começarmos hoje, dentro de 10 ou 15 anos teremos a totalidade [deste serviço], mas temos de começar um dia”, acentuou.

Cabe ressaltar que, em 2019, a Câmara Municipal de Goiânia aprovou e a Prefeitura sancionou uma lei semelhante a apresentada por Bruno Peixoto. Entretanto, houve pouca efetividade, devido ao entrave da questão da competência sobre o assunto.

“Benefícios estéticos e ambientais”

Para o secretário de Governo, Jovair Arantes, que coordena uma força tarefa de retirada de cabos e fios antigos na capital pelo programa Cidade Segura, a Lei tem servido para a implantação de cabeamento subterrâneo por condomínios fechados, por exemplo. Além desses locais, em um trecho da Avenida Anhanguera, no Centro, os fios foram soterrados.

O Jornal Opção questionou especialistas sobre a possibilidade da implantação de redes elétricas subterrâneas na cidade.  A professora de urbanismo e arquitetura Maria Ester defende essa iniciativa. De acordo com ela, isso traz diversos benefícios estéticos e ambientais da cidade. “Além de substitur fios que podem estar desgastados, a melhoria poderá ser sentida na paisagem urbana, com menos poluição visual”, frisa.

Arquiteta e professora Maria Ester de Souza | Fotos: Fernando Leite / Jornal Opção

Por outro lado, ela aponta que outros equipamentos podem ser expostos no ambiente. “É importante destacar que alguns elementos como transformadores e disjuntores continuam a ser necessários na estrutura da fiação e passam a ocupar espaço nas vias públicas, caso não possam ser enterrados. Assim podemos ter nas calçadas alguns elementos que não existem hoje”, prevê.

Outra questão levanda pela especialista são os impactos ambientais em soterrar toda uma rede elétrica pelas cidades. “Em locais onde o lençol freático é muito superficial, o aterramento de qualquer estrutura precisa de muito cuidado na impermeabilização das caixas de transformadores e caixas de passagem. Em locais onde as calçadas são muito estreitas também será necessário a adaptação em projeto das estruturas que se façam necessárias para o aterramento. No caso da iluminação pública, não deve alterar o que existe hoje”, enfatiza.

Paralelo a isso, especialistas técnicos em eletricidade indicam outras alternativas para melhoria das redes de transmissões nas cidades, por meio de tecnologias disponíveis para a fiação aérea. Uma delas é sugerida pelo professor aposentado de sistemas elétricos de potência e redes de energia elétrica da UFG, Antônio César Baleeiro Alves.

Antônio César Baleeiro Alves: “exigir a rede subterrânea fará o valor da tarifa aumentar” | Foto: Reprodução / UFG

Ele ressalta que em Goiânia ainda se mantém a rede convencional, que poderia ser substituída pelas redes aéreas compactas. Esse sistema, de acordo com ele, é formado por cabo de aço e cabos cobertos ou protegidos, que são fixados em estruturas compostas por braços metálicos, espaçados ou separados de fase, o que garante maior confiabilidade ao sistema elétrico.

Um dos locais em que foi implantado esse novo sistema foi na Marginal Botafogo. “Se você estiver passando na Marginal e você dá uma olhadinha para o seu lado direito, você vai ver como é uma rede compacta”, exemplifica. “Ela é uma possibilidade que resolveria muitos problemas”.

Conta de luz mais cara

O professor cita essa alternativa por ter um custo menor do que a implantação de cabeamento subterrâneo. Pelos cálculos prévios dele, o soterramento de cabos e fios seriam dez vezes maior do que qualquer outro serviço voltado para o setor. Embora esse tema fosse levado para as esferas competentes, Baleeiro entende ser algo que não viabilizaria.

“O governo sabe que se fizer isso aí [exigir a rede subterrânea], o valor da tarifa vai aumentar absurdamente. E isso a sociedade não aceita mais, não tem margem para isso. Então tem que pensar na solução, digamos assim, menos cara e mais equilibrada do ponto de vista econômico”, opina.

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) respondeu ao Jornal Opção em relação ao tema por meio de nota. No comunicado, o órgão esclareceu que “os contratos de distribuição de energia elétrica estabelecem que as distribuidoras têm ampla liberdade na direção de seus negócios, investimentos, pessoal e tecnologia e que devem observar as prescrições do contrato, da legislação específica, das normas regulamentares e das instruções e determinações do Poder Concedente e da Aneel”. 

A agência acrescentou que “as distribuidoras obrigam-se a adotar, na prestação dos serviços, tecnologia adequada e a empregar equipamentos, instalações e métodos operativos que garantam níveis de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação dos serviços e a modicidade das tarifas”. 

Procurada pela reportagem, a Equatorial esclareceu “que é concessionária do serviço público federal de energia elétrica, desse modo, não comenta projetos de lei estaduais. A companhia informa que vai se pronunciar após eventual aprovação da matéria”.

Cabeamento aéreo de Goiás | Foto: reprodução
Cabeamento aéreo de Goiás | Foto: reprodução

Cidade Segura da prefeitura

Enquanto no governo federal não se tem uma sinalização para que ao menos nas grandes cidades seja adotado o cabeamento subterrâneo, uma vez que acúmulo de cabos causam diversos acidentes, em Goiânia teve início a retirada de fios antigos pela região Noroeste, na semana passada.

Segundo Jovair Arantes, há fiação de quase quatro décadas sem utilização instalados pelas telefonias, como a extinta Telegoiás. “Nós decidimos tomar essa providência imediatamente. Em abril deste ano, nós procuramos o Ministério Público e fizemos uma parceria”. 

Até o momento, o secretário disse que já foram removidos toneladas de fios que serão enviadas para a reciclagem. Arantes informou ainda que o trabalho tem contado com a colaboração das próprias empresas de telefonia e da companhia de energia, a Equatorial. “As operadoras têm a obrigação de identificar os seus fios”, disse. “Os fios que não tiverem identificação vão ser retirados”, assegura.

Jovair Arantes | Foto: reprodução
Jovair Arantes diz que há fiação de quase quatro décadas sem utilização instalados pelas telefonias | Foto: reprodução

Por meio de nota, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) informou que o Cidade Segura tem o intuito de promover a organização de fios, cabos e postes em Goiânia. O órgão cita que o programa envolve também a Equatorial e as empresas de telecomunicação. “Elas são parceiras do projeto, estão integradas a ele e vão colaborar nesse trabalho de identificação e organização de fios e cabos”, destaca.

Acerca do programa Cidade Segura, a Equatorial enviou outro comunicado. Nesse, argumentou “que atua no Estado há cerca de oito meses e que, nesse tempo, tem realizado ações contínuas de fiscalização das estruturas dos postes e notificação das empresas responsáveis”. A companhia acentua que no primeiro semestre deste ano realizou mais de 70 mil fiscalizações nos postes da companhia, o que resultou em “notificações para cerca de 300 empresas de telecomunicações em todo o Estado”.

A distribuidora esclareceu, por fim, que os equipamentos são utilizados como compartilhamento de infraestrutura de uso mútuo com as empresas prestadoras de serviço de telecomunicações. Elas seriam também responsáveis pela manutenção e padronização dos cabeamentos e de manterem “as redes de acordo com as normas técnicas vigentes, conforme a Resolução Conjunta Aneel/Anatel 004/14”.

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