Enquanto setembro se consolida como o mês da prevenção ao suicídio e na promoção da saúde mental por meio da campanha Setembro Amarelo, nossa reportagem decidiu chegar em um ponto muitas vezes inviabilizado: os idosos. Apesar de figurarem como o grupo etário com as taxas mais altas de suicídio em diversos países, continuam sendo os menos lembrados nos debates sobre o tema.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as pessoas com 60 anos ou mais estão entre as mais expostas ao risco de tirar a própria vida. No Brasil, cerca de 1.200 idosos morrem todos os anos em decorrência do suicídio, número que cresce à medida que o país envelhece rapidamente. 

O estudo ‘Panorama dos suicídios e lesões autoprovocadas no Brasil de 2010 a 2021’, elaborado pelo Ministério da Saúde (MS), reforça isso. A análise mostra que o risco de suicídio aumenta durante a adolescência, estabiliza-se na fase adulta e cresce novamente na terceira idade. No caso dos homens, as taxas chegam ao pico acima dos 70 anos, alcançando 18,1 óbitos por 100 mil habitantes.

Em entrevista ao Jornal Opção, a psicóloga, neuropsicóloga e gerontóloga Keila Mota de Sousa destacou que múltiplos fatores se combinam para aumentar a vulnerabilidade do idoso. Para ela, a perda da autonomia e da funcionalidade é determinante.

“A maior causa do suicídio em idosos eu acredito que sejam os fatores de funcionalidade, são um dos aspectos que mais somam aí nessa questão de eles se sentirem incapazes, o isolamento social causa muita depressão.”

Keila Mota explica que, ao perder autonomia, o idoso reduz o contato social, limita suas saídas, enfraquece vínculos e, em muitos casos, até atividades prazerosas, como ir à igreja, deixam de fazer parte da rotina. Esse isolamento, somado ao luto por perdas de familiares, amigos ou do próprio papel social, intensifica a sensação de vazio e pode evoluir para depressão grave.

O psicólogo, neuropsicólogo e especialista em saúde e sexualidade humana Bruno Fernandes Borginho também conversou com o Jornal Opção sobre o tema. Para ele, “há um aumento de casos de piora da saúde mental nos idosos, de depressão, ansiedade, o próprio isolamento social, o declínio cognitivo. Essas condições de saúde mental estão muito associadas a esse problema, em formas de suicídio”.

Keila Mota reforça que muitos idosos relatam ausência de novos propósitos: “eu não faço planos para o futuro, tudo que eu quis fazer eu já fiz”. Essa falta de perspectiva, segundo ela, mina o sentido da existência. Por isso, defende a importância de ressignificar a vida na terceira idade, criando sonhos renovados e novos projetos que deem motivação para seguir adiante.

Três pontos críticos para a saúde mental

A especialista aponta três fatores principais que elevam o risco de depressão e suicídio na terceira idade:

  1. Isolamento social – viver sozinho e sem vínculos regulares aumenta drasticamente a vulnerabilidade.
  2. Redução da qualidade de vida – perdas de saúde, autonomia e funcionalidade impactam diretamente no bem-estar.
  3. Dependência crescente – idosos que sempre foram independentes sofrem ao precisar de ajuda para tarefas simples, como pagar contas ou se locomover.

“Eu costumo citar aquele filme onde o rapaz fica perdido no mar durante anos, ele fica amigo de uma bola, chama Náufrago. Aquele é um retrato de como o isolamento faz mal. Viver sozinho não é saudável para nenhuma faixa etária. A redução da qualidade de vida, a falta de autonomia e a necessidade de depender de alguém no dia a dia aumentam muito o risco de suicídio e de mortalidade do idoso.”

O fenômeno também apresenta recortes de gênero. Segundo a psicóloga, tanto homens quanto mulheres sofrem de depressão, mas a forma de enfrentamento é distinta. As mulheres, por exemplo, procuram mais tratamento, participam ativamente de grupos terapêuticos e não hesitam em buscar apoio psicológico. Já os homens, por questões culturais, tendem a evitar consultas médicas e minimizar sintomas de sofrimento emocional.

“O homem vai menos ao médico e ele assume menos que está doente. Ir ao psicólogo pode ser visto como frescura porque ‘ah homem não chora, o homem não fica triste’”, observou. Essa resistência, ainda enraizada em padrões sociais, dificulta a prevenção e pode atrasar diagnósticos de depressão em idosos do sexo masculino.

Já o psicólogo Bruno Borginho traz um padrão diferente e pontua que as mulheres têm mais predisposição a desenvolver doenças mentais, por questões biológicas e sociais, enquanto os homens sentem de forma mais intensa a perda de autonomia e status social. Além disso, ele ressalta que o suicídio na terceira idade ocorre tanto em países ricos quanto em nações em desenvolvimento, ligado, sobretudo, à solidão e à falta de novos objetivos.

Para Bruno Fernandes, é fundamental que famílias, amigos e vizinhos assumam o papel de rede de apoio contínua. Incluir o idoso em atividades, estimular novos projetos e valorizar sua experiência de vida ajudam a diminuir o sentimento de inutilidade. Keila acompanha a análise e destaca a necessidade de observar nos familiares de terceira idade certas mudanças comportamentais, como o silêncio excessivo, a recusa em sair de casa, a perda de interesse por atividades antes prazerosas e queixas constantes de dores sem causa aparente, já que podem ser sinais de depressão.

“Esse silêncio parece ser como o idoso, mas é um sinal importante de depressão, ainda mais se não era do jeito dele ficar calado ou sozinho”, explicou Keila.

Caminhos para a prevenção: manter uma vida ativa

Entre as estratégias de prevenção, a manutenção de uma vida ativa é destacado pela psicóloga Keila. Atividades físicas, cursos, práticas artísticas, passeios e grupos de convivência ajudam a resgatar o sentido da vida e a combater o isolamento.

“Eu digo para os meus idosos: vocês passaram a vida produzindo para o outro, agora é a fase de cuidar de vocês. É necessário preencher a agenda com atividades que tragam prazer e novos significados”, relatou Keila.

Ela cita exemplos como aulas de pintura, violão, hidroginástica, atividades cognitivas em grupo e até viagens organizadas por gerontólogos. Em Goiânia, por exemplo, Keila conta que existem passeios gratuitos ou pagos que estimulam a socialização de idosos, como visitas a museus, teatros e cidades históricas.

Além disso, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e iniciativas da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG) oferecem aulas de música, dança, inclusão digital e grupos de leitura. A ideia é garantir alternativas acessíveis, próximas da residência dos idosos e de acordo com seus interesses pessoais.

Bruno Borginho destaca também a necessidade de ampliar campanhas voltadas especificamente para os idosos. “Essa melhoria da vida do idoso tem que envolver toda uma rede de apoio. Se não é a família, que sejam amigos, que sejam vizinhos. E com o foco em melhorar a qualidade de vida, para que essas pessoas se sintam pertencentes ainda à sociedade”, afirma.

Como reforça Keila Mota de Sousa, “é necessário renovar os sonhos”. E, como acrescenta Bruno Fernandes Borginho, garantir que os idosos se sintam pertencentes à sociedade é uma responsabilidade coletiva. 

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