• Com colaboração de Tathyane Melo

A megaoperação policial que resultou em 121 mortes no Rio de Janeiro reacendeu o debate sobre a recriação do Ministério da Segurança Pública, atualmente vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), comandado por Ricardo Lewandowski.

Criado em 2018, no governo Michel Temer, o ministério foi posteriormente extinto por Jair Bolsonaro (PL), o que gerou críticas de setores ligados à segurança. Agora, aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendem que a volta da pasta seja incluída nas promessas de campanha à reeleição em 2026.

Dentro do PT, no entanto, o tema divide opiniões. Integrantes como Jilmar Tatto e José Genoíno defendem que o desmembramento da Justiça e da Segurança Pública fortaleceria a atuação federal contra o crime organizado. Já outros veem a medida como um risco político às vésperas de um ano eleitoral.

Em setembro, o Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública (Consesp) também apoiou a recriação do ministério em carta enviada a Lula, apontando o tema como a maior preocupação da população e uma estratégia de fortalecimento da governança federativa.

No Brasil existe a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), um programa de cooperação entre a União e os estados brasileiros, composto por policiais, bombeiros e peritos estaduais que atuam em situações de segurança pública e defesa civil. Sua finalidade é apoiar os estados em momentos de crise, grandes eventos e calamidades, reforçando a segurança, o policiamento ostensivo, o combate a crimes ambientais e as operações de resgate. O efetivo é convocado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e permanece à disposição do governo federal por até dois anos.

O debate ocorre paralelamente à tramitação, na Câmara, da PEC da Segurança Pública, que propõe dar status constitucional ao Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e ampliar a articulação entre União e estados — o que, segundo defensores da proposta, exigiria um ministério próprio para coordenar as ações nacionais.

Diante da relevância do tema, o Jornal Opção ouviu especialistas em segurança pública para comentar os prós e contras da proposta — analisando se a recriação do ministério é, de fato, necessária e se poderá tornar mais efetivo o combate ao crime no país.

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Operação Contenção | Foto: Reprodução

Para Edmundo Dias a criação de um ministério específico pode ser positiva

O advogado e professor de Direito Edemundo Dias, que também é especialista em Segurança Pública e em Políticas Públicas, mestre em Direito Público, delegado de polícia aposentado e ex-secretário de Segurança Pública de Goiás, avaliou a proposta de recriação do Ministério da Segurança Pública e a possível aprovação de uma PEC que altera a estrutura da área no país.

Segundo ele, a criação de um ministério específico pode ser positiva se tiver caráter técnico e de coordenação nacional, mas há riscos de centralização excessiva em Brasília.

“A criação de um ministério específico para cuidar da segurança pública é importante, porque a junção do Ministério da Segurança Pública com o Ministério da Justiça politiza muito uma questão que deveria ser mais técnica”, afirmou. “O ministro da Justiça exerce uma função diplomática de interlocução com os outros poderes. Já a segurança pública, pela gravidade que estamos vivendo no Brasil, exige atenção exclusiva.”

Dias destacou que o crime organizado no país se expandiu e atua hoje como uma “empresa multinacional”, com poder paralelo e presença em várias esferas da sociedade.

“O crime organizado já assumiu uma posição de empresas multinacionais, com poder paralelo e transversal, avançando inclusive sobre as próprias estruturas do governo”, explicou. “Essa rede criminosa tem conexões transnacionais, com atuação na América do Sul, no Caribe e em outras regiões, por meio do tráfico de drogas, armas e pessoas.”

O especialista também chamou atenção para o avanço econômico dessas organizações.

“O crime organizado atua com lavagem de dinheiro e tenta legalizar o volume de recursos que movimenta. Hoje está presente em setores como postos de combustíveis, transporte urbano, aquisição de áreas agrícolas e falsificação de produtos. São múltiplas as atividades que essas organizações desenvolvem”, pontuou.

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Edemundo Dias: “a criação de um ministério específico pode ser positiva ” | Foto: Reprodução

Críticas à PEC da Segurança Pública

Sobre a PEC que trata da reestruturação da segurança pública, Edemundo Dias manifestou oposição à proposta “da forma como está sendo apresentada”.

“Sou contra essa PEC, porque ela enfraquece as polícias estaduais e centraliza tudo em Brasília. Se o objetivo for concentrar o poder, eu sou absolutamente contra. Mas se for para coordenar, catalisar, articular e fortalecer as forças policiais que já têm um trabalho reconhecido, sou favorável”, afirmou.

Ele criticou o que chamou de “viés ideológico e bolivariano” em algumas discussões sobre o tema.

“Essa PEC tem muitas pegadinhas, porque há um pano de fundo ideológico. No Brasil, tudo vira uma disputa entre esquerda e direita, e isso prejudica um debate sério, baseado em políticas de Estado, e não em políticas de governo”, avaliou.

Para o ex-secretário, o país precisa de planos permanentes e técnicos, e não de soluções casuísticas.

“A área de segurança pública precisa de ações e políticas de Estado, que se perpetuem, e não de concentração de poder para ganhar a próxima eleição. O governante pensa na próxima eleição, o estadista pensa nas próximas gerações”, frisou.

“PEC do Caos” e riscos de concentração

Edemundo Dias alertou que, caso a proposta siga como está, pode gerar paralisia e burocracia.

“Essa PEC vem com um propósito escamoteado de concentração de poderes em Brasília. Você já pensou concentrar o combate ao crime organizado nas mãos de um conselho nacional? O Brasil é um país de dimensões continentais. Isso inviabiliza a ação rápida das forças locais”, afirmou.

Ele defende que o governo federal concentre seus esforços na vigilância de fronteiras e no combate à entrada de armas e drogas.

“O governo deveria aumentar a vigilância nas fronteiras. As armas apreendidas são de grosso calibre, com drones de alta tecnologia nas mãos do crime. Essas organizações mantêm comunidades reféns, cobram pedágio, gás, energia e até segurança, exercendo funções que são do Estado”, destacou.

Necessidade de políticas sociais e de longo prazo

Edemundo Dias lembrou que a ausência do Estado em áreas vulneráveis contribuiu para o avanço do crime organizado.

“Quando o Estado, que detém o monopólio da força legítima, renuncia à sua função, outras forças ocupam esse espaço. Essas áreas conflagradas do Rio chegaram ao ponto em que estão porque o Estado se ausentou por muito tempo”, observou.

Ele ressaltou ainda que operações policiais, como as recentes no Rio de Janeiro, precisam ser seguidas de ações sociais permanentes.

“Essas operações libertam as comunidades da coerção criminosa, mas, se o Estado não ocupar o espaço com políticas públicas, tudo volta a ser como antes. É preciso oferecer emprego, educação e presença constante”, afirmou.

Edemundo Dias defendeu que o debate sobre o novo ministério e a PEC seja feito com amplo diálogo e base técnica, evitando improvisos em meio à crise.

“Temos que ter muito cuidado para não legislar em cima de crise. Fazer remendo de tecido novo em pano velho não funciona. Já tivemos Ministério da Justiça e da Segurança juntos, separados, depois juntos novamente. Falta uma política de Estado. Cada governo quer impor o seu modelo, e assim o país não avança”, concluiu.

Especialista defende recriação do Ministério

O perito criminal aposentado da Polícia Civil do Distrito Federal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Cássio Thyone, avalia como positiva a discussão sobre a recriação do Ministério da Segurança Pública. Segundo ele, o tema volta à pauta em um momento oportuno e estratégico para o país.

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Cássio Thyone: “se o tema voltou à pauta, isso é algo positivo” | Foto: Acervo pessoal

“Desde o início deste governo, nós já defendíamos a criação de um ministério específico para cuidar da segurança pública”, afirmou. “Essa junção do Ministério da Justiça com o da Segurança acaba politizando demais uma questão que é essencialmente técnica. Se o tema voltou à pauta, isso é algo positivo, porque retoma uma discussão necessária sobre a criação de uma pasta exclusiva para o setor.”

Thyone destaca que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública mantém a posição favorável à recriação da pasta. “Acreditamos que ter um ministério dedicado exclusivamente ao tema da segurança pública é o melhor caminho. E, neste momento, com a possibilidade de aprovação do projeto de lei contra as facções e da PEC da Segurança Pública, seria muito importante termos um ministério para coordenar essas políticas”, avaliou.

Para o especialista, a proposta de recriação do ministério é mais eficiente do que a criação de uma nova agência. “No caso do ministério, é possível aproveitar boa parte da estrutura que já existe dentro do Ministério da Justiça voltada à segurança pública. Assim, não haveria gasto excessivo, apenas o fortalecimento e ampliação do que já está em funcionamento”, explicou.

Ao comentar a PEC da Segurança Pública, Cássio Thyone ressaltou que não vê risco de interferência na autonomia dos estados. “Quem defende essa ideia faz isso muito mais por razões políticas do que técnicas. A PEC pode, claro, receber ajustes ao longo da tramitação, mas o seu arcabouço é bastante positivo e contempla pontos defendidos há anos pelo Fórum”, afirmou.

O especialista também pondera que o debate ocorre em meio a um contexto político intenso, especialmente após os recentes episódios de violência no Rio de Janeiro. “A segurança pública voltou a ocupar um espaço central entre os anseios da população. E precisamos admitir que a eleição de 2026 já começou. Então, qualquer tema discutido agora inevitavelmente sofrerá influência política. É algo inevitável”, avaliou.

Cássio Thyone reforça, no entanto, que a criação de um ministério exclusivo representa um avanço técnico importante. “Quando um ministério tem que cuidar de uma gama muito grande de temas, o foco se dilui. Já um ministério dedicado exclusivamente à segurança pública tem condições de alcançar objetivos de forma mais ampla e eficiente. Embora existam exemplos no exterior, o Brasil tem particularidades que tornam essa medida ainda mais necessária”, argumentou.

Sobre as estratégias que poderiam ser adotadas por um eventual Ministério da Segurança Pública para reduzir a violência nos centros urbanos, o especialista destacou a necessidade de integrar ações e políticas. “A implantação efetiva do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) é fundamental. É preciso transformar o discurso de integração das forças em realidade, criando mecanismos concretos de cooperação entre as polícias e demais instituições, nos âmbitos federal, estadual e municipal”, afirmou.

Ele também defende o fortalecimento do uso de dados e evidências na formulação de políticas. “O ministério precisa trabalhar com base em informações concretas, compartilhamento de inteligência e execução coordenada de projetos. É hora de deixar o discurso de lado e transformar as palavras em ações”, concluiu Thyone.

Coronel Cardoso defende recriação técnica do Ministério

O presidente da Associação dos Oficiais da Polícia e do Corpo de Bombeiros Militar de Goiás (Assof), Coronel Cardoso, afirmou que a recente operação no Rio de Janeiro evidencia a necessidade de medidas firmes e coordenadas no combate à criminalidade no país.

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Coronel Cardoso: “o governo tem que entender o que é prioridade” | Foto: Acervo pessoal

Segundo ele, é essencial que o Estado retome territórios dominados por facções criminosas, com estratégias que unam enfrentamento direto e inteligência financeira.

“A operação no Rio de Janeiro evidencia a necessidade de ações duras e efetivas no combate à criminalidade, com foco na retomada de territórios dominados por grupos terroristas. Essas ações precisam vir acompanhadas de medidas de inteligência financeira para retirar o poder econômico desses grupos, além do endurecimento das penas e do cumprimento em regime disciplinar diferenciado para os líderes”, afirmou.

Cardoso criticou o uso de exemplos internacionais como parâmetro para a realidade brasileira.

“Não se pode comparar a segurança pública do Brasil com a de países desenvolvidos. Temos nossa própria realidade. Há uma mania de escutar pseudos especialistas que utilizam exemplos internacionais conforme a conveniência de um discurso falacioso”, disse.

O coronel também destacou que o governo precisa definir prioridades orçamentárias e que a segurança pública deve estar entre elas, sem aumento de impostos.

“O governo tem que entender o que é prioridade. Eu, como a maioria da população, acredito e sinto na pele que segurança pública é prioridade. É preciso rever planejamentos, e não criar impostos, como uma taxa de segurança pública. Temos hoje 31 ministérios e 6 órgãos com status de ministério. Será que, se colocássemos uma enquete junto à população, o Ministério da Segurança Pública não estaria entre os três mais importantes?”, questionou.

Para o presidente da Assof, a recriação do ministério é fundamental, desde que seja conduzida com base técnica e com participação efetiva das forças de segurança.

“A criação desse ministério é de suma importância, desde que seja algo técnico, formado por quem entende do assunto e com a participação das forças de segurança que compõem o país. É preciso uma integração real, respeitando as atribuições de cada ente federativo e com recursos financeiros suficientes para o Estado retomar a ordem”, avaliou.

Cardoso, no entanto, criticou a proposta apresentada pelo governo federal.

“A PEC, como foi proposta, em nada resolve a questão. Foram colocadas ali ‘perfumarias’ que não mostram como o problema será resolvido e, mais ainda, não indicam de onde virá o dinheiro. Sem recursos, não se faz nada. Além disso, as polícias não foram sequer consultadas em sua elaboração, o que demonstra o caráter meramente fantasioso da proposta”, apontou.

Ele alertou ainda que, se a recriação do ministério for conduzida apenas com motivações políticas, o resultado será ineficaz.

“A decisão de recriar é política, porém, se não for algo realmente técnico em sua elaboração, teremos mais uma vez algo improdutivo e sem eficácia”, advertiu.

Por fim, o coronel defendeu que as ações do governo devem alcançar todo o sistema de segurança pública, com valorização dos profissionais e investimentos estruturais.

“Não se deve pensar apenas no impacto sobre as três forças principais. O que se espera são ações que reflitam em todos os órgãos de segurança pública, respeitando suas atribuições e valorizando o ser humano que os compõe. Há uma disparidade de remuneração muito grande entre os estados e estruturas defasadas em muitos deles — não por culpa do policial, mas por falta de investimento e pela covardia de governantes que transferem responsabilidades”, afirmou.

Ele concluiu defendendo investimentos sérios no sistema prisional e judiciário, sob pena de o país continuar “enxugando gelo”.

“É preciso investir de forma séria no sistema prisional e no Judiciário, sob pena de continuarmos enxugando gelo”, finalizou.

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