Setor Central, à noite. Jovens da classe média são vistos frequentemente em dois bares, nas proximidades da Avenida Anhanguera e da Rua 8. Eles bebem cerveja e comem petiscos. A maioria absoluta passa ao largo das drogas. Mas é possível, se se observar bem, jovens transitando de bicicletas e com mochilas nas costas. Eles aparecem, conversam com algumas pessoas, repassam pequenos pacotes e desaparecem. Pouco tempo depois voltam e conversam com outros indivíduos nas vielas. Ninguém se incomoda. Alguns chegam a dizer que, pelo menos à noite, o Centro está mais “tranquilo” graças à presença do Comando Vermelho (CV). Mas, durante o dia, os criminosos também estão presentes — até onipresentes (na Avenida Anhanguera, nas proximidades da Rua 7). Alguns parecem que são cariocas. Mas é preciso considerar outro aspecto: os bares, de qualidade, estão colaborando para a revitalização do Centro, e à revelia do setor público.

No período noturno algumas ruas do Setor Central de Goiânia são bastante agitadas por barzinhos, que são bem movimentados. Muitas pessoas vão aos bares se divertir, conversar e tomar uma cerveja ou uma caipirinha. Uma ex-frequentadora desses locais escreveu alguns posts em seu Twitter comentando que há problemas com o tráfico de drogas, sobretudo à noite, mas também durante o dia (porque neste período circulam mais pessoas pela área).

A jovem relata que, em algumas áreas, como na Rua do Lazer e adjacências, traficantes agem livremente. Dependendo das posses dos clientes, trafica-se de maconha a cocaína e crack.

Há comentários de moradores e comerciantes a respeito de que o Comando Vermelho está agindo no Centro, e inclusive atuando como se tivesse poder de polícia — chegando a coibir assaltos. Os traficantes querem o bairro menos intranquilo para não atrair a Polícia Militar.

Insegurança

De acordo com dados do 38º Batalhão da Polícia Militar, passam por dia no centro cerca de 600 mil pessoas (mais gente do que o total de moradores de Aparecida de Goiânia). Muitos são idosos e há um grande número de mulheres. Os pedestres precisam dividir espaço nas calçadas com várias bancas de vendedores ambulantes, o que dificulta a caminhada de forma segura.

Junto a essas pessoas que estão ali por necessidade, ainda há outro grupo de indivíduos que aumenta a cada dia pelas ruas do Setor Central, que são os moradores de ruas, alguns dos quais são usuários de drogas e álcool.

Há também assaltantes, em geral adultos de pouco mais de 18 anos, e eles causam medo às pessoas.

Ademais, também é visível a presença de muitos jovens que não são goianos. Os mais velhos, entre 30 e 40 anos, são, aparentemente, cariocas — conversam enfatizando o “s”. Comerciantes disseram ao repórter que ultimamente estão vendo muitos homens diferentes dos já conhecidos e estão preocupados, receosos de que esses novatos desconhecidos façam parte de alguma organização criminosa de fora do Estado, possivelmente do Comando Vermelho, que, tendo começado no Rio de Janeiro, está espalhando pelo país, como o PCC.

Ruas do Centro são tomadas por moradores de rua, traficantes e usuários de drogas e álcool | Foto: Fernando Leite

O repórter passou algumas horas em campo observando como está a questão de segurança no Centro de Goiânia. Há medo — ou receio — estampado no rosto de homens e mulheres que trafegam pela região. Os comerciantes, porém, aprenderam a conviver com a crueza da realidade.

Para entrevistar uma pessoa, gravando ou não, é complicado. Por vezes, o transeunte pensa que aquele que se aproxima é para roubá-lo.

Ao ser abordada, Maria do Socorro, de 63 anos, moradora do Jardim Novo Mundo, assustou: “Ai meu Deus”. A dona de casa arregalou os olhos e com um semblante tenso, somente voltou ao normal quando lhe expliquei do que se tratava. “Desculpa, meu filho, é que no Centro está muito perigoso, a gente só anda com medo, tem muitos drogados e ladrões por aqui. Depois clamou: “Peça para as autoridades melhorarem a segurança”.

A reclamação é geral, tanto dos comerciantes quanto das pessoas que estão ali por necessidade. A empresária Joana Darc, proprietária de uma loja na Avenida Anhanguera, relata que o Centro está um caos total quando o assunto é segurança. “Não nos sentimos seguros aqui, a segurança está péssima. O cliente e o lojista estão com medo. Perdemos muitos clientes por conta disso, o movimento está muito ruim. Desde o início do ano está só piorando. Parece que aumentou muito o número de ‘malas’ por aqui. O Centro está largado.”

Ao perceber que o repórter queria saber sobre segurança, o dono de um pequeno lanche pediu para falar, pois tinha uma denúncia grave a fazer — desde que seu nome não fosse mencionado. O homem afirma que o tráfico de drogas “rola solto” no Centro de Goiânia. E mostra um buraco na calçada onde traficantes escondem cano ou sacolinha com as drogas e saem com porções menores para vender. O comerciante sublinha que a estratégia dos criminosos é a seguinte: se forem pegos pela polícia serão enquadrados somente como usuários. “Todo mundo sabe o que está acontecendo, mas ninguém fala nada com medo.”

Lucélia Maria e o marido Fábio Júnior, moradores do Recanto do Bosque, afirmam que às vezes precisam ir ao Centro para resolver algumas pendências. Porém, se não fosse necessário, não iriam. “Não me sinto segura aqui. Acho que deveria ter mais segurança para a população, ter mais policiais nas ruas. É preciso proteger a bolsa.” Fábio garante que já foi assaltado quatro vezes no centro. (Por sinal, o repórter não foi assaltado nem ameaçado.)

Situação do bairro preocupa moradores e comerciantes | Foto: Fernando Leite

A comerciante Marilene Cardoso alega que está difícil manter o comércio no Setor Central. Ela conta que somente neste ano em menos de um mês foi roubada duas vezes. Em todos os furtos, o local foi arrombado e o delinquente entrou e levou os pertences. “Eles são bem abusados. No Centro esses marginais ficam muito à vontade, se sentem em casa e ainda ameaçam queimar o estabelecimento de quem denunciar.”

A comerciante explica que seu marido ofereceu trabalho para um morador de rua e sua resposta o deixou estarrecido. “Vocês só pagam R$50 por dia, isso é trabalho escravo, não quero. Eu ganho mais na rua”. Segundo ela, esta é uma situação que tem piorado nos últimos meses. Vale ressaltar que morador de rua não tem a ver, necessariamente, com tráfico de drogas ou com assaltos. São pedintes.

Elter Mendes, funcionário de uma loja de celular, alerta que a segurança é precária e a marginalidade está só crescendo. “A cada dia a gente vê pessoas diferentes e as antigas ainda continuam rondando. A polícia até prende alguns, mas no outro dia estão de volta, é um trabalho de enxugar gelo, não se vê resultado”, declara. Mendes ressalta que os clientes estão cada vez mais escassos por causa dessa situação e pensa que a polícia precisa estar mais presente nas ruas. “Eu lembro que há uns dez anos andavam por aqui de três a quatro policiais juntos, a pé e, isso inibia a ação desses marginais. Os policiais deveriam fazer esse trabalho novamente.”

Resposta da polícia

A reportagem conversou com um oficial da Polícia Militar, ligado à segurança pública no coração de Goiânia. Questionado sobre as denúncias de falta de segurança, especificamente no Centro, o militar concorda que durante o dia infelizmente acontecem muitos assaltos a pedestres e a noite muitos furtos são praticados em estabelecimentos comerciais com arrombamentos. Ele relata que é praticamente impossível combater esses crimes e que a polícia tem feito bem o seu trabalho, efetuando várias prisões

“Trabalhamos muito, realizamos operações integradas constantemente, e temos conseguido resultados expressivos: redução de 32% na quantidade de furtos a transeunte; redução de 47% na quantidade de furtos em comércio (de 01 de janeiro, a 13 de abril, em comparação com o ano anterior (Dados fornecidos pelo Observatório da SSPGO)). Há um déficit na corporação que é coberto com o chamamento de policiais para fazer horas extras e com tropas especializadas como ROTAM, GIRO, BPMChoque, dentre outras. Como estão sob nossa jurisdição muitos bairros, só conseguimos colocar em operação no máximo uma viatura por bairro, não é o ideal, mas tem dado certo”, sublinha o tenente-coronel Paulo Henrique Ribeiro.

Em relação a roubo — o assalto com o uso de violência —, o militar garante que Goiás está seguro e quase não se tem notícias dessa modalidade de crime e quando acontece, como no caso de uma joalheria no centro, a resposta sempre é imediata. No entanto, os pequenos furtos são mais difíceis de serem combatidos porque são cometidos sem que a pessoa perceba ou durante a madrugada.

Pessoas em situação de rua se misturam a pedestres e criminosos no Centro de Goiânia | Foto: Fernando Leite

O militar também alega que a situação de insegurança no Centro não é um problema somente de segurança pública, mas também uma questão social. “São muitos moradores de rua por toda parte e tudo cai nas mãos da Polícia Militar, sendo que a condição requer uma ação social. Por outro lado, sabemos que não são apenas as pessoas em condições de rua que estão cometendo esses furtos”, declara.

Além disso, ele explica que a Polícia Militar não se cansa de fazer o seu trabalho — que é garantir segurança para a população, mesmo que os esforços pareçam em vão. “Prendemos o meliante e, no máximo dois dias depois, ele já está de volta às ruas, parece enxugar gelo mesmo”. Conforme expõe o tenente-coronel, existe também a demora quando da prisão, momento em que é preciso levar as partes para uma delegacia com o objetivo de registrar o flagrante delito. “São no mínimo seis horas que o veículo fica parado sem poder atender a outra demanda. Então para combater o crime, eu perco uma viatura que previne o crime.”

Comando Vermelho

Quanto às denúncias de tráfico à luz do dia e durante a noite, supostamente comandado pelo crime organizado (Comando Vermelho), o comandante não concorda. “Essas organizações criminosas não estão atuando de forma forte na região metropolitana. O tráfico que existe na região central é feito por formiguinhas, porém está continuará sendo combatido de forma dura, porque entendemos que este é o crime que alimenta todos os outros.”

No que se refere a queixa de que alguns bares no Centro — na verdade, suas proximidades, dada a lotação de pessoas — estão servindo de ponto de venda de entorpecentes, o policial militar esclarece que nunca recebeu nenhuma denúncia. Mas a partir de agora essa demanda terá uma atenção toda especial. O oficial reforça o pedido para que a população denuncie qualquer ação criminosa para que a polícia possa atender a todas as demandas em tempo hábil. “Sem as denúncias, não há como nos preparar para um atendimento específico. Por isso é importante que chegue até nós esses temas.”

De acordo com o militar, recentemente houve uma operação motivada por denúncias de tráfico e assaltos a estudantes na região do Dergo (matéria publicada com exclusividade pelo Jornal Opção: “Escola e CMEI estão no meio de cracolândia, denunciam estudantes”), daí a importância de se fazer as denúncias. São elas que nos possibilitam planejar nossas ações”, reitera. Os canais para a população denunciar são: no 38º Batalhão, que fica na esquina da rua 4 com a Avenida Tocantins; acionando a Polícia Militar pelo número que está na viatura de área, no telefone 197 da Polícia Civil; no tradicional 190 ou pelo site “pm.go.gov.br”. Ele pede que a população acredite na Polícia Militar do Estado de Goiás e assegura que jamais no Centro ou em qualquer parte da capital haverá uma cracolândia.

Cilas Gontijo é estagiário do Jornal Opção em convênio com a UniAraguaia, sob a supervisão do editor PH Mota.